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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Educar a generosidade e o altruísmo nas crianças


Por ocasião da ‘jornada da caridade’ – proposta para ser vivida no passado dia 5 de setembro – o jornal católico francês ‘La croix’ apresentou uma entrevista com uma psicanalista, na qual era questionada a capacidade de as crianças poderem manifestar, de forma espontânea, a generosidade e o altruísmo, isto é, de as crianças naturalmente poderem revelar tais qualidades…

Atendendo às etapas de desenvolvimento da criança podemos perceber que, antes de mais, a criança tem necessidade de ‘possuir’ para crescer e se ir construindo… Até aos três anos a criança vai tomando consciência da sua individualidade, descobrindo também os outros e que eles têm necessidades diferentes até das suas: ela recebe, mas também dá. Nas palavras da técnica ouvida, ‘será percebendo aquilo de que precisa que a criança desenvolverá uma verdadeira generosidade fundamentada sobre o desejo de dar’.

Será, sobretudo, no relacionamento com a injustiça que a criança fará tal aprendizagem. Segundo a leitura desta psicanalista, ‘a criança terá tendência a ser influenciada pelos modelos que ela tem à sua volta. Se a sua envolvência é generosa, ela terá tendência a viver isso’. O mesmo se diga – considera a técnica escutada pelo jornal ‘La croix’ – da forma como é educada na fé. A criança ‘pode também rezar por aqueles que vivem na rua. Colocando a oração no centro da vida, ela compreenderá que pode agir, rezando e partilhando. O essencial é que o seu [da criança] gesto ou a sua intenção continuem livres’. Como última recomendação sobre este assunto a referida psicanalista realça que ‘não devemos esquecer que uma criança tem necessidade de segurança para crescer, tendo o dever de enfrentar as misérias da vida’. 

= Quando vemos, no processo de educação, um excesso de protecionismo às crianças, deveremos questionar se aquilo que estamos a fazer fará crescer em maturidade as nossas crianças ou se, pelo contrário, não estaremos a infantilizá-las ainda mais? Não será – usando uma linguagem um tanto popular – com ‘paninhos quentes’ que iremos construir homens e mulheres com um futuro sadio e comprometido uns com os outros. E aqui entra a formação da fé, inserida numa pedagogia onde os valores são semeados, tendo em conta os critérios dos educadores. Estes não podem descartar a sua responsabilidade nem deixar à escola esta tarefa que tem o seu alicerce, incontornável e inconfundível, na família. Com efeito, aos pais – que são muito mais do que progenitores (a ou b, na teoria do género) – compete esta responsabilidade de educar, com tudo quanto isso implica de assunção do compromisso para com os seres que geraram. Não podem os pais pretender gerir o processo intelectual de aprendizagem, descurando a urgência educativa para os valores, segundo uma ética/moral decorrente da sua própria educação.

Os filhos/as serão egoístas ou generosos, se tal virem e receberem de seus pais. Os filhos/as terão atenção aos outros, se o receberem como que por osmose isso de quem os alimenta na dimensão biológica e psicológica. Os filhos/as são o retrato sem fotoshop, isto é, sem retoques e remendos, daquilo que absorvem de seus pais. 

= Mesmo sem deixarmos resvalar a nossa interpretação para questões de acusação, parece que as nossas crianças são muito pouco dadas a estar em atitude de generosidade… à exceção de certas épocas do ano, como no Natal ou por ocasião de tragédias mais relevantes. Talvez tenhamos vindo a construir um futuro mais egocêntrico, mesmo naquilo que se refere às crianças. Bastará ver a opção pelo ‘filho único’ com tudo quanto isso tem de complexo e quase perigoso. Ser o ‘centro’ de tudo e de todos poderá não ser boa influência para quem tem de estar em confronto com outros, desde a mais tenra idade… podendo inculcar na criança que, no ‘seu mundo’, tudo gravita à sua volta… Ora, isso é desmontado com alguma facilidade e até traumatismo, pois muitos outros ‘eus’ se digladiarão nas várias etapas da vida duma pessoa…

Na medida em que se vá fazendo a experiência da partilha, logo desde a família, tudo se torna mais simples e até educativo: aí aprendemos a ceder, a compartilhar, a cuidar e a amparar-nos uns aos outros. Por isso, ter mais do que um irmão é algo benéfico para a maturidade e sanidade de todos… até dos próprios pais.

Pelas discussões públicas que vemos e ouvimos, o complexo de inferioridade com que os outros são tratados revelam que há muita gente tão egoísta que não aprendeu a crescer pelo saber dar atenção aos outros, mesmo aos mais desfavorecidos… que podemos vir a ser nós mesmos a muito curto prazo!  

 

António Sílvio Couto




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