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quarta-feira, 13 de maio de 2015

Que fé se manifesta em Fátima?


Partamos de factos simples e (quase) inocentes. Ao meio da tarde da véspera do dia 13 de maio partiram da moita cerca de duas centenas de excursionistas/peregrinos para Fátima...rumo à noite de vigília (vulgo procissão das velas)... Mais de dois terços dos integrantes dos quatro autocarros não são praticantes da fé católica na paróquia de onde saem...

Desde logo me surgiram várias questões – umas mais rebuscadas e outras mais recorrentes; umas um tanto desagradáveis e outras mais ou menos inofensivas; umas mais do plano eclesiástico e outras tendo em conta a dimensão eclesial – deixamos, por isso, breves exemplos: Que leva esta gente a ir a um ato que só se entende numa fé cristã/católica minimamente esclarecida? Que motiva estas pessoas irem a Fátima – mesmo regressando por alta madrugada – algo de divino ou qualquer coisa mais tradicional? Por que razão estas pessoas ‘fogem’ da fé próxima e vão praticá-la à distância? Que ligação tem esta experiência religiosa se não tem raízes (visíveis) nos espaços em que vivem?

Fique claro que em nada deste questionamento está juízo algum sobre nenhuma pessoa em concreto, mas tão- somente uma tentativa de tentar enquadrar tudo isto na relativa multidão dos ‘peregrinos de Fátima’, sejam eles centenas ou milhares...fossem até milhões.

Fique ainda mais esclarecido que raramente me enquadro em peregrinações de grande multidão – das ditas ‘aniversárias’ (de maio a outubro) sou mesmo pouco frequentador – se bem quem tenha estado nalgumas suficientemente significativas da vinda dos papas ao santuário...

As observações que pretendo apresentar são somente de índole de reflexão, em ordem a fazermos do ‘altar do mundo’ – como lhe chamou Paulo VI – uma experiência de fé sincera, esclarecida e comprometida...agora e para o futuro.

1. Muito daquilo que acontece em Fátima está eivado mais de religiosidade popular e, em certas circunstâncias, vive dum razoável mimetismo cristão, de onde culturalmente temos evoluído muito pouco. Na maior parte dos casos as pessoas rezam particularmente por si mesmas e pelas suas intenções, deixando-se pouco envolver pela dimensão comunitária, embora a multidão circunstancial possa (até) ofuscar os sinais mais significativos...de sermos muitos juntos, embora não unidos. Quantas vezes as pessoas deambulam cumprindo as suas promessas por entre as celebrações (pretensamente) comunitárias... Quantas vezes os ritos pessoais têm dificuldade em serem inseridos nos aspetos com os outros... Até as esmolas – boa fonte de receita do santuário – são vividas mais num quadro de cumprimento de promessas do que na vivência mais coletiva... Quem viu alguma vez ser feito um peditório nas missas do santuário? E mesmo o ofertório nas missas oficiais só tem maior expressão na recolha do trigo na peregrinação de agosto...e mesmo assim reduzido quase à diocese de Leiria...

2. Possivelmente o que há de mais grave na ritualização da fé – se de tal se tratar corretamente – em Fátima é uma vertente de descompromisso com os outros...depois de ali terem estado. Velas e rezas, ‘avé-marias’ e lenços a dizer ‘adeus’, flores e jaculatórias...podem dar consolo a muitas almas, mas talvez não criem uma onda de fraternidade, de solidariedade e de compromisso político após as celebrações na Cova de Iria.

Nossa Senhora salvou Portugal do perigo da ditadura do materialismo (comunismo), mas só poderá ser novamente um baluarte da nova evangelização – que é muito mais do que uma recristianização – se mergulhar e fizer aprofundar a mensagem de Fátima no seu sentido mais genuíno e teológico...

3. Agora que caminhamos para a celebração do primeiro centenário das aparições de Nossa Senhora não deixa de ser significativo que tenha sido lançado o símbolo do coração como elemento representativo e propulsor duma nova dinâmica de Fátima para o mundo...enquadrada no jubileu da misericórdia e na visita da «imagem peregrina» às várias dioceses... Que seja Ela a visitar-nos e não nós a fazermos atos de religião tradicionais de visitação à imagem quando nos tocar em sorte tê-la por perto... Inovação na fé, precisa-se!

 

António Sílvio Couto

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