Nos quase trinta e dois anos de ministério de padre, já estive – mesmo certamente
sem o saber de forma explícita – em funerais de pessoas sem fé, sem religião,
sem crença e talvez – em razão das opções ideológicas – sem Deus... No entanto,
como vamos sempre aprendendo com as nuances da vida, não terei estado – clara,
distinta e assumidamente – nas exéquias (no sentido lato e confuso) dum ateu...
(dito) confesso e mais ou menos assumido. Por isso, a razão da presença num
funeral como este só poderá sem entendida em relação à família...tenuemente
cristã.
= Não está em causa a situação em presença, mas antes uma tentativa de
interpretar como devemos estar, numa oportunidade onde as diversas intervenções
de oração não têm em conta quem morreu – como na maior parte dos outros casos
normais e corretos – mas quem está ferido, magoado ou confuso sobre a situação
da morte de um familiar, amigo ou meramente conhecido.
= Embora esta situação seja mais explícita, tem havido tantos outros
momentos e vivências em que a não-fé percorre a atitude da maioria dos
presentes aos atos duma certa religião funerária... Isso se percebe desde a
convivência social – muitos só se encontram nessas ocasiões – até à recorrência
de simbologias, umas ainda com teor cristão e outras mais anódinas e laicistas.
= Reparemos como, num espaço relativamente rápido – duas no máximo três
décadas – se vulgarizou a situação de velório fora da casa de habitação normal,
recorrendo aos serviços públicos – muitos deles ligados às paróquias católicas
– embora em espaços de incidência particular... Com efeito, crentes ou não
crentes – cristãos, católicos ou agnósticos – ocupam os mesmos espaços, sem que
o caixilho da foto condiga com a paisagem onde está inserido!...
= Em localidades mais ou menos envelhecidas é normal passarem pela casa
mortuária – espaço de velório, capela da ressurreição ou com qualquer outra
denominação menos fúnebre – mais de duas centenas de pessoas por ano. A
percentagem dos ‘católicos praticantes’ – defuntos ou familiares – é muito
reduzida. Numa grande parte dos casos este momento de vida está confiado às
‘empresas’ funerárias, onde até o (dito) serviço religioso está incluído no
mesmo pacote à mistura com as flores, o caixão, os documentos civis e os
adereços mais ou menos sociais.
= Quanta minudência se desenrola em volta do ‘negócio’ da morte. Não
dizemos isto por razões negativas, mas como tentativa de encontrar mais
soluções do que acusações. De facto, a nossa vida desenrola-se por entre tantos
parâmetros que quase nos podemos perder se não tivermos referências de fé, de
família e de fraternidade. Referências de fé, pois esta, embora não valha,
normalmente, nada, em momentos como a morte pode dar sentido à nossa vida.
Referências de família na medida em que à volta de circunstâncias da morte como
que se reúne toda a família de sangue e mesmo com sentido lato de Igreja.
Referências de fraternidade, dado que será à luz da comunhão de irmãos na mesma
fé que podemos e devemos amparar-nos, de cuidar-nos uns dos outros, por ocasião
do falecimento de alguém a quem nos unem simples laços de fé em Cristo na
Igreja católica.
= Mesmo que de forma simples, poderemos considerar que a morte pode ser –
como o foi para tantos e inúmeros santos e santas – uma oportunidade de
conversão, assim nós o permitíssemos com humildade, com verdade e com abertura
à dimensão do divino em nós e à nossa volta.
Deixamos uma breve citação do evangelho, como sugestão, para as ocasiões de
morte de alguém: «Vinde a Mim todos vós que andais cansados e oprimidos e Eu
vos aliviarei. Aprendei de Mim porque sou manso e humilde de coração» (Mt
11,28-29).
António
Sílvio Couto
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