Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 20 de maio de 2015

No funeral de um ‘ateu’...religiosamente


Nos quase trinta e dois anos de ministério de padre, já estive – mesmo certamente sem o saber de forma explícita – em funerais de pessoas sem fé, sem religião, sem crença e talvez – em razão das opções ideológicas – sem Deus... No entanto, como vamos sempre aprendendo com as nuances da vida, não terei estado – clara, distinta e assumidamente – nas exéquias (no sentido lato e confuso) dum ateu... (dito) confesso e mais ou menos assumido. Por isso, a razão da presença num funeral como este só poderá sem entendida em relação à família...tenuemente cristã.

= Não está em causa a situação em presença, mas antes uma tentativa de interpretar como devemos estar, numa oportunidade onde as diversas intervenções de oração não têm em conta quem morreu – como na maior parte dos outros casos normais e corretos – mas quem está ferido, magoado ou confuso sobre a situação da morte de um familiar, amigo ou meramente conhecido.

= Embora esta situação seja mais explícita, tem havido tantos outros momentos e vivências em que a não-fé percorre a atitude da maioria dos presentes aos atos duma certa religião funerária... Isso se percebe desde a convivência social – muitos só se encontram nessas ocasiões – até à recorrência de simbologias, umas ainda com teor cristão e outras mais anódinas e laicistas.

= Reparemos como, num espaço relativamente rápido – duas no máximo três décadas – se vulgarizou a situação de velório fora da casa de habitação normal, recorrendo aos serviços públicos – muitos deles ligados às paróquias católicas – embora em espaços de incidência particular... Com efeito, crentes ou não crentes – cristãos, católicos ou agnósticos – ocupam os mesmos espaços, sem que o caixilho da foto condiga com a paisagem onde está inserido!...

= Em localidades mais ou menos envelhecidas é normal passarem pela casa mortuária – espaço de velório, capela da ressurreição ou com qualquer outra denominação menos fúnebre – mais de duas centenas de pessoas por ano. A percentagem dos ‘católicos praticantes’ – defuntos ou familiares – é muito reduzida. Numa grande parte dos casos este momento de vida está confiado às ‘empresas’ funerárias, onde até o (dito) serviço religioso está incluído no mesmo pacote à mistura com as flores, o caixão, os documentos civis e os adereços mais ou menos sociais.

= Quanta minudência se desenrola em volta do ‘negócio’ da morte. Não dizemos isto por razões negativas, mas como tentativa de encontrar mais soluções do que acusações. De facto, a nossa vida desenrola-se por entre tantos parâmetros que quase nos podemos perder se não tivermos referências de fé, de família e de fraternidade. Referências de fé, pois esta, embora não valha, normalmente, nada, em momentos como a morte pode dar sentido à nossa vida. Referências de família na medida em que à volta de circunstâncias da morte como que se reúne toda a família de sangue e mesmo com sentido lato de Igreja. Referências de fraternidade, dado que será à luz da comunhão de irmãos na mesma fé que podemos e devemos amparar-nos, de cuidar-nos uns dos outros, por ocasião do falecimento de alguém a quem nos unem simples laços de fé em Cristo na Igreja católica.   

= Mesmo que de forma simples, poderemos considerar que a morte pode ser – como o foi para tantos e inúmeros santos e santas – uma oportunidade de conversão, assim nós o permitíssemos com humildade, com verdade e com abertura à dimensão do divino em nós e à nossa volta.

Deixamos uma breve citação do evangelho, como sugestão, para as ocasiões de morte de alguém: «Vinde a Mim todos vós que andais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei. Aprendei de Mim porque sou manso e humilde de coração» (Mt 11,28-29).

 

António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário