Escutei, por estes dias, uma observação pertinente e razoavelmente sábia:
Quando uma família se aproxima dos serviços de uma paróquia para pedir o
batismo, é habitual ouvir-se - temos de ver se a pessoa está bem consciente
daquilo que vai fazer e, nos casos de crianças, se os pais/padrinhos estão
conscientes daquilo que isso significa nas suas vidas de cristãos… Por vezes,
as pessoas que procuram os serviços da paróquia ainda acrescentam que toda a
família foi batizada e que esta pessoa (criança ou adulto) também pretende
sê-lo no devido tempo…
Esta resposta tem tanto de simples quanto de complexa, pois, se a Igreja
realça, teoricamente, tanto o papel da família como é que quer acentuar a
função do indivíduo na receção do batismo? Como se concilia, então, a vertente
pessoal sem agravar a dimensão comunitária (onde a família se enquadra)? Como
se pode, por isso, enquadrar a perspetiva individual na afirmação comunitária e
vice-versa?
Antes de mais temos de nos situar na transformação das dinâmicas sociais
onde a família se insere. Vivemos numa cultura da afirmação do indivíduo
enquanto existência pessoal. De alguma forma poder-se-á dizer que a célula da
sociedade não é mais a família – como tantas vezes a Igreja tem dito – para
constatarmos que a célula da sociedade passou a ser o indivíduo com todas as
implicações que isso tem trazido à nossa cultura hodierna.
Estamos, assim, diante da afirmação do indivíduo em relação a outros
aspetos que envolvem a pessoa humana e onde as linguagens têm vindo a exacerbar
o ‘eu’ em confronto com o ‘nós’, seja ele o mais simples como a família ou
mesmo outros conceitos do ‘eu coletivo’, como a nação ou mesmo a Igreja.
= Os meus direitos e
os teus deveres
Nesta cultura de afirmação do indivíduo vemos serem afirmados mais os
direitos do que os deveres, criando-se uma espécie de fragmentação global dos
laços sociais, notando-se esta espécie de crise na família em particular: os
diferentes elementos constitutivos – marido/esposa, pais/filhos,
ascendentes/descendentes – vivem mais uma cultura do consumo, onde cada um é,
simultaneamente, consumidor e mercadoria.
Cada pessoa/indivíduo procura mais a realização de si mesmo – naquele
princípio da filosofia: ‘torna-te o que és’ – do que a conjugação com os outros
que consigo vivem e convivem. Tudo isto exige das instituições sociais uma
forte capacidade reformadora e de transformação, tanto de si mesmas como das
pessoas que nelas participam.
Lemos por estes dias uma breve estória que reflete, quase de forma
anedótica, esta constante necessidade de autoavaliação e de reforma, tendo em
conta o significado original deste termo: voltar à forma inicial.
Um padre/pároco chegou a uma terra onde havia muitas pessoas sábias e
autossuficientes, sabedoras de tudo e que não ajudavam os outros, pois cada um
vivia mais os seus interesses do que as necessidades dos outros.
Depois de fazer o diagnóstico sobre a resposta a dar àquela paróquia… o
pároco convocou, para o dia de sábado santo, o ‘enterro da paróquia’.
Ninguém sabia quem era o defunto… mas todos acorreram para o funeral.
Na capela-mor da igreja lá estava o caixão com velas e outros adereços de
funeral… e até havia música ambiente… e o ‘requiem’ de Mozart… como música de
fundo.
Chegados ao velório foram convidados a despedirem-se do ‘defunto’… e, um a
um, cada um dos paroquianos foi-se aproximando do caixão… Nele havia um
espelho, onde cada um via a sua imagem e aquilo que era, o que vivia e,
sobretudo, como vivia em relação aos outros!
Ali estava o retrato dos egoísmos e dos interesses de cada qual… diante de
si e em frente aos outros.
Ainda estamos em tempo de modificar o modo de ser e de estar, tentando ver
as questões mais na lógica do comunitário – família, Igreja, nação, etc. – do
que na mera afirmação do indivíduo…
António
Sílvio Couto
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