Mais de uma dezena de mortos, muitos feridos e uma cidade em colapso…foi
como se viu Paris, após um pequeno comando terrorista ter atacado um jornal
semanário humorístico francês…ao que parece por o dito jornal ter publicado caricaturas
alusivas à fé muçulmana…
O fatídico atentado em Paris, no passado dia sete, veio colocar em risco
muita coisa: a segurança, a liberdade de informação, a capacidade de
entendimento, a razoabilidade das reações à ofensa, a perceção do que vale e do
que não interessa, uma certa vulgaridade da vida humana, as consequências de
estarmos num mundo onde uns podem dizer (quase) tudo e outros se ficam pela
teoria do poder da força em confronto com a força do poder…
= Houve vozes que clamaram pelo direito à liberdade de expressão, mas que
se esqueceram – por acaso ou por lapso intelectual – de referir a necessidade
de serem respeitados os ofendidos, sejam de que religião, economia, sociedade
ou setor profissional…forem.
Não está em causa defender seja qual for a forma de atentar contra a vida
humana, mas poderemos considerar que a reação duns tantos ultrapassou a
moralidade de querem impor um sistema cultural onde quem não concorda tem a
vida a prémio. No entanto, numa certa condição de vida social, parece que se
pode ter o direito de exprimir alguma provocação, desde que tenha um certo
rótulo de arte.
= Ora, numa sociedade ocidental, refém duma difundida visão agnóstica e
ateia, ofender as convicções dos outros poderá não ser obstáculo a que se diga,
se escreva e se fale de tudo sem olhar a meios… desde que incluam uma tal
abjuração do conceito de Deus e da sua vivência como expressão religiosa. Se os
cristãos já nem se ofendem, outros há que levam muito à risca as mais pequenas tentativas
de denegrir a sua fé e quem dela é considerado seu promotor.
Talvez estejamos num quadro intelectual de complexa gestão desde os
conceitos até à forma emocional como os tratam e exprimem. Deste modo certos
exageros podem colidir com um razoável amorfismo com que a nossa sociedade
ocidental convive com a diferença.
= A segurança das pessoas e dos Estados – na Europa em particular – começa
a ser posta em causa, quando do espaço de convivência social surgem expressões
de insegurança, pela mesma razão pela qual se permite cada um ser o que é, sem
ter condicionalismo de poder fazer perigar a sua conduta para com os outros.
Digamos que a sociedade ocidental tem deixado emergirem em vários países e em
diversas regiões possíveis detratores da sua tolerância e dum suficiente permissivismo.
As armas – morais e bélicas – não podem ser as mesmas para estarmos em pé
de igualdade, pois os que não respeitam as regras dos outros, tentam impor as
suas regras pela força dalguma irracionalidade, pretendendo que os seus
fundamentalismos vinguem contra aqueles que os toleram. Não se pode ser
condescendente com quem usa meios que podem afundar a mais ténue segurança… E
isto não pode acontecer só quando há fatos excecionais, mas sempre devemos
estar vigilantes à liberdade e ao respeito por todos e por cada um… onde a
liberdade religiosa não pode ser considerada uma exceção, mas uma regra em
qualquer parte do mundo…
= Numa palavra: eu não sou nem quero ser ‘charlie’ – nome do semanário
parisiense que sofreu os atentados, no passado dia sete – pois quero ser
respeitado na minha fé e não gostaria de ser usado para o sarcasmo nem àqueles
que eu estimo. É preciso que esta sociedade, que quer viver sem Deus, saiba
respeitar quem acredita em Deus, tenha Ele a expressão cultural com que se
entender exprimir…
Urge retomar uma cultura cívica que não viva na tendência mais ou menos
consensual de que o igualitarismo pode criar fraternidade. Não, esta é que só
acontece porque nos sabemos respeitar como irmãos/ãs da mesma humanidade… para
o bem e para o mal.
Coerência, a quanto obrigas!
António
Sílvio Couto
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