As
notícias fazem-se eco dos acontecimentos e, por estes dias, temos visto e
ouvido referências a que o presépio se tornou atrativo –
turístico/folclórico/etnográfico – cultural em várias partes do nosso país. Foi
como se, de repente, acordássemos duma letargia para a realidade: o presépio
fez-se real, não virtual!
Na
origem etimológica o termo ‘presépio’ quer dizer curral ou estábulo onde se
recolhem os animais. Na linguagem cristã terá sido num local com estas características
que se deu o nascimento de Jesus em Belém. Embora um tanto romântico – talvez
se possa dizer mais nostálgico – esta referência ao local de pernoita dos
animais é-nos acentuada pela alusão à manjedoura, onde foi colocado Jesus, após
o seu nascimento…
Não
vamos tentar elencar os locais de apresentação do presépio ao público, pois
cada um tem a sua história e alguns com largos anos. Também não queremos
apreciar os modos de construção… desde os materiais até à presença humana – os
pretensos ‘presépios ao vivo’ – e tão pouco os objetivos que cada uma das
iniciativas pretende atingir.
Talvez
seja melhor levar-nos a refletir sobre o sentido do presépio na dimensão
cultural dos nossos dias ou como poderá esta iniciativa contribuir para a possível
recristianização da nossa sociedade, que anda um tanto avessa à presença de
Deus nas coisas públicas…
= Leituras e lições do presépio
Desde
logo nos deve ficar a informação de que o feriado (civil e religioso) de 25 de
dezembro – com tudo o que lhe está adstrito antes, durante e depois – tem uma razão
de ser: Jesus nasceu e Ele é O festejado do Natal. Embora o (dito) ‘pai natal’
seja a presentado como o protótipo dum outro natal comercial, não podemos
deixar de atender a que mesmo esta figura simboliza um tal bispo São Nicolau
nas suas ações benfazejas para com os mais necessitados.
Através
do presépio podemos ainda perceber a comunhão entre a pessoa humana e as várias
formas de natureza: animal ou zoológico/mineral, pois a vaca e o jumento
representam aquele mundo animal e as agruras da caverna são como que a
referência ao espaço das coisas ‘feitas’ pela evolução da natureza…Com efeito,
a gruta ou curral onde os animais eram guardados é – segundo alguns estudiosos
– mais uma obra da natureza do que da ação humana…
Ora, num
tempo com bastantes tendências ecologistas – nalguns casos mais ideológicas do
que desapaixonadas – a vivência do presépio torna-se numa espécie de desafio à
correta relação com a natureza, enquanto criada por Deus e a Ele submetida e
não como uma tentativa de endeusamento numa certa vaga de ‘nova era’.
Certamente
que muitos dos promotores da revitalização do presépio – ruralista, etnográfico
ou revivalista – não terão advertidos estes e outros ‘perigos’. Mas quem tem a
obrigação de discernir os ‘aproveitamentos’ – mesmo de índole económica e/ou de
promoção das autarquias – desta faceta genuína da fé cristã deverá advertir os
tentáculos insidiosos de desvirtuamento da simplicidade do Menino-Deus… ontem
como hoje.
Conheço
um presepista de longa data – desde o seu tempo de criança, passando pelo
serviço militar e hoje com quase sete décadas de vida – que inclui no ‘seu’
presépio quatro representações obrigatórias: pombas, pastores, ovelhas e
porcos… Ora é sobre estes últimos que temos uma razoável discordância… desde o
primeiro momento que tal vi – e já vão quase duas dezenas de anos! O tal
presepista – fazedor e vendedor de figuras para o presépio – explicou-me as
tais figuras, para ele, obrigatórias: as pombas simbolizam a paz; os pastores
são o sinal do povo simples; as ovelhas a concordância com a situação de cada
momento; os porcos – animal impuro para a cultura judaica – são, segundo ele,
os políticos… de ontem e de hoje!
Houve um
tempo em que lhe contestei a ousadia, mas talvez tenha de lhe dar razão: há
coisas que só pela abjuração se é capaz de denunciar e talvez de corrigir.
Com o
que se vai vendo por este nosso país, o presépio continua a ser um bom retrato
da nossa convivência social mais elementar… Assim se compreenderá a boa
aceitação (ou razoável vivência) do presépio neste tempo do século XXI!
António Sílvio Couto
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