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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O ‘presépio’ tornou-se mais atrativo?


As notícias fazem-se eco dos acontecimentos e, por estes dias, temos visto e ouvido referências a que o presépio se tornou atrativo – turístico/folclórico/etnográfico – cultural em várias partes do nosso país. Foi como se, de repente, acordássemos duma letargia para a realidade: o presépio fez-se real, não virtual!

Na origem etimológica o termo ‘presépio’ quer dizer curral ou estábulo onde se recolhem os animais. Na linguagem cristã terá sido num local com estas características que se deu o nascimento de Jesus em Belém. Embora um tanto romântico – talvez se possa dizer mais nostálgico – esta referência ao local de pernoita dos animais é-nos acentuada pela alusão à manjedoura, onde foi colocado Jesus, após o seu nascimento…

Não vamos tentar elencar os locais de apresentação do presépio ao público, pois cada um tem a sua história e alguns com largos anos. Também não queremos apreciar os modos de construção… desde os materiais até à presença humana – os pretensos ‘presépios ao vivo’ – e tão pouco os objetivos que cada uma das iniciativas pretende atingir.

Talvez seja melhor levar-nos a refletir sobre o sentido do presépio na dimensão cultural dos nossos dias ou como poderá esta iniciativa contribuir para a possível recristianização da nossa sociedade, que anda um tanto avessa à presença de Deus nas coisas públicas…

= Leituras e lições do presépio

Desde logo nos deve ficar a informação de que o feriado (civil e religioso) de 25 de dezembro – com tudo o que lhe está adstrito antes, durante e depois – tem uma razão de ser: Jesus nasceu e Ele é O festejado do Natal. Embora o (dito) ‘pai natal’ seja a presentado como o protótipo dum outro natal comercial, não podemos deixar de atender a que mesmo esta figura simboliza um tal bispo São Nicolau nas suas ações benfazejas para com os mais necessitados.

Através do presépio podemos ainda perceber a comunhão entre a pessoa humana e as várias formas de natureza: animal ou zoológico/mineral, pois a vaca e o jumento representam aquele mundo animal e as agruras da caverna são como que a referência ao espaço das coisas ‘feitas’ pela evolução da natureza…Com efeito, a gruta ou curral onde os animais eram guardados é – segundo alguns estudiosos – mais uma obra da natureza do que da ação humana…

Ora, num tempo com bastantes tendências ecologistas – nalguns casos mais ideológicas do que desapaixonadas – a vivência do presépio torna-se numa espécie de desafio à correta relação com a natureza, enquanto criada por Deus e a Ele submetida e não como uma tentativa de endeusamento numa certa vaga de ‘nova era’.

Certamente que muitos dos promotores da revitalização do presépio – ruralista, etnográfico ou revivalista – não terão advertidos estes e outros ‘perigos’. Mas quem tem a obrigação de discernir os ‘aproveitamentos’ – mesmo de índole económica e/ou de promoção das autarquias – desta faceta genuína da fé cristã deverá advertir os tentáculos insidiosos de desvirtuamento da simplicidade do Menino-Deus… ontem como hoje.

Conheço um presepista de longa data – desde o seu tempo de criança, passando pelo serviço militar e hoje com quase sete décadas de vida – que inclui no ‘seu’ presépio quatro representações obrigatórias: pombas, pastores, ovelhas e porcos… Ora é sobre estes últimos que temos uma razoável discordância… desde o primeiro momento que tal vi – e já vão quase duas dezenas de anos! O tal presepista – fazedor e vendedor de figuras para o presépio – explicou-me as tais figuras, para ele, obrigatórias: as pombas simbolizam a paz; os pastores são o sinal do povo simples; as ovelhas a concordância com a situação de cada momento; os porcos – animal impuro para a cultura judaica – são, segundo ele, os políticos… de ontem e de hoje!

Houve um tempo em que lhe contestei a ousadia, mas talvez tenha de lhe dar razão: há coisas que só pela abjuração se é capaz de denunciar e talvez de corrigir.

Com o que se vai vendo por este nosso país, o presépio continua a ser um bom retrato da nossa convivência social mais elementar… Assim se compreenderá a boa aceitação (ou razoável vivência) do presépio neste tempo do século XXI!    

 

António Sílvio Couto

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