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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

De domingo…a sábado


Poderá parecer uma bizantinice qual a ordem pela qual vemos e vivemos o ritmo da semana. Nos calendários muitas vezes aparecem associados ‘sábado a domingo’ e, nalguns poucos casos, ‘domingo a segunda-feira’… No primeiro caso o tal ‘fim-de-semana’ acontece desde a sexta-feira, enquanto na outra versão se dá lugar de importância ao domingo… sobretudo no sentido cristão.

A cultura do fim-de-semana é para nossa regalia ou para acolhimento do divino em nós? Vivemos em atitude de concha ou de flor, isto é, fechando-nos no nosso círculo de proximidade ou exalando a fragância da fé vivida e testemunhada?

Como poderemos modificar a linguagem, fazendo com que os conceitos cristãos transmitam uma fé dinâmica e dinamizadora dos crentes numa sociedade em minoria?

Mais do que desejarmos ‘bom fim-de-semana’ uns aos outros, ao final de 6.ª feira, precisamos de ajudar-nos a viver em atitude – dentro e fora do templo – de bom domingo ressuscitado e ressuscitador… na fé e na vivência da nossa páscoa semanal em cada domingo.

= Do tempo do ‘homo faber’….à situação do ‘homo spiritualis’

Uma das conquistas sociais mais importantes da sociedade ocidental, após a paz de Constantino (século IV) e que foi estendida a toda a sociedade (dita) cristã, foi o preceito de descanso ao domingo. Através desta ordem todos poderiam estar disponíveis para viverem o grande anseio de fazer do domingo o momento mais importante da história de cada um e de todos, nessa tão bela expressão dos padres da Igreja: ‘não podemos viver sem o domingo’, isto é, celebrar a missa era essencial e fundacional da identidade duma sociedade, que haveria de ser designada de cristandade.

Durante séculos vivemos nessa rotina de usufruirmos dos benefícios duma certa fé feita social até que chegamos à assunção do rompimento progressivo da tutela do religioso nas ações coletivas… sobretudo na nossa sociedade ocidental. Um pensador francês de meados do século XX, Jacques Maritain, cunhou esta expressão – ‘cristandade profana’ – para caraterizar uma certa discrepância entre os atos em que vivemos e os valores com que nos conduzimos… nem sempre condizentes na forma e, sobretudo, no conteúdo.

= A inversão de critérios fará acontecer uma certa ‘morte de Deus’?

Perante a crescente laicização da nossa sociedade como que podemos interrogar-nos sobre o sentido da maior parte dos feriados religiosos, pois muitos deles são usufruídos no descanso e não na santificação dos dias e dos mistérios que neles celebramos.

A modificação governamental de alguns dos feriados religiosos – corpo de Deus e Todos os santos – poderá dar mais verdade àquilo que uns tantos beneficiam, mas nem sempre vivem. Tudo será ainda mais agravado se atendemos a que se querem servir da tal marca religiosa, mas abjuram quem lhe concede tais prerrogativas. Isto não invalida, antes pelo contrário, a correta e consciente obrigação da celebração da fé comunitária… numa força de testemunho e de provocação.

Não deixa de ser sintomático que vivamos nas nossas paróquias ao ritmo das emoções de muitos dos praticantes que preferem o consolo da sua fé ao compromisso; que atendem mais ao que fazem do que àquilo que vivem ou poderiam vivenciar; que deambulam entre lugares de culto em vez de fazerem do culto um lugar de participação.

Já Enzo Bianchi (um teólogo italiano) dizia num dos simpósios do clero, em Fátima, há anos, temos na nossa Igreja muitos cristãos itinerantes (que andam onde lhe dá gosto e até convém) e outros tantos intermitentes, que frequentam a fé (social) quando lhe convém, que lhes dá vontade e talvez projeção.

O ritmo pascal de cada semana poderia ser um bom desafio a vivermos a nossa caminhada de fé onde mais nos custa e, possivelmente, faz doer, pois aí estávamos por missão e não por agrado e boa disposição. Até quando vamos continuar assim… ao sabor da crença e não da experiência com Jesus em Igreja católica?

 

António Sílvio Couto

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