Poderá
parecer uma bizantinice qual a ordem pela qual vemos e vivemos o ritmo da
semana. Nos calendários muitas vezes aparecem associados ‘sábado a domingo’ e,
nalguns poucos casos, ‘domingo a segunda-feira’… No primeiro caso o tal ‘fim-de-semana’
acontece desde a sexta-feira, enquanto na outra versão se dá lugar de
importância ao domingo… sobretudo no sentido cristão.
A
cultura do fim-de-semana é para nossa regalia ou para acolhimento do divino em
nós? Vivemos em atitude de concha ou de flor, isto é, fechando-nos no nosso
círculo de proximidade ou exalando a fragância da fé vivida e testemunhada?
Como
poderemos modificar a linguagem, fazendo com que os conceitos cristãos
transmitam uma fé dinâmica e dinamizadora dos crentes numa sociedade em
minoria?
Mais do
que desejarmos ‘bom fim-de-semana’ uns aos outros, ao final de 6.ª feira,
precisamos de ajudar-nos a viver em atitude – dentro e fora do templo – de bom
domingo ressuscitado e ressuscitador… na fé e na vivência da nossa páscoa semanal
em cada domingo.
= Do tempo do ‘homo faber’….à
situação do ‘homo spiritualis’
Uma das
conquistas sociais mais importantes da sociedade ocidental, após a paz de
Constantino (século IV) e que foi estendida a toda a sociedade (dita) cristã, foi
o preceito de descanso ao domingo. Através desta ordem todos poderiam estar
disponíveis para viverem o grande anseio de fazer do domingo o momento mais
importante da história de cada um e de todos, nessa tão bela expressão dos
padres da Igreja: ‘não podemos viver sem o domingo’, isto é, celebrar a missa
era essencial e fundacional da identidade duma sociedade, que haveria de ser
designada de cristandade.
Durante
séculos vivemos nessa rotina de usufruirmos dos benefícios duma certa fé feita
social até que chegamos à assunção do rompimento progressivo da tutela do
religioso nas ações coletivas… sobretudo na nossa sociedade ocidental. Um
pensador francês de meados do século XX, Jacques Maritain, cunhou esta
expressão – ‘cristandade profana’ – para caraterizar uma certa discrepância
entre os atos em que vivemos e os valores com que nos conduzimos… nem sempre
condizentes na forma e, sobretudo, no conteúdo.
= A inversão de critérios fará acontecer uma certa ‘morte de Deus’?
Perante
a crescente laicização da nossa sociedade como que podemos interrogar-nos sobre
o sentido da maior parte dos feriados religiosos, pois muitos deles são
usufruídos no descanso e não na santificação dos dias e dos mistérios que neles
celebramos.
A
modificação governamental de alguns dos feriados religiosos – corpo de Deus e
Todos os santos – poderá dar mais verdade àquilo que uns tantos beneficiam, mas
nem sempre vivem. Tudo será ainda mais agravado se atendemos a que se querem
servir da tal marca religiosa, mas abjuram quem lhe concede tais prerrogativas.
Isto não invalida, antes pelo contrário, a correta e consciente obrigação da
celebração da fé comunitária… numa força de testemunho e de provocação.
Não
deixa de ser sintomático que vivamos nas nossas paróquias ao ritmo das emoções
de muitos dos praticantes que preferem o consolo da sua fé ao compromisso; que
atendem mais ao que fazem do que àquilo que vivem ou poderiam vivenciar; que
deambulam entre lugares de culto em vez de fazerem do culto um lugar de
participação.
Já Enzo
Bianchi (um teólogo italiano) dizia num dos simpósios do clero, em Fátima, há
anos, temos na nossa Igreja muitos cristãos itinerantes (que andam onde lhe dá
gosto e até convém) e outros tantos intermitentes, que frequentam a fé (social)
quando lhe convém, que lhes dá vontade e talvez projeção.
O ritmo
pascal de cada semana poderia ser um bom desafio a vivermos a nossa caminhada
de fé onde mais nos custa e, possivelmente, faz doer, pois aí estávamos por
missão e não por agrado e boa disposição. Até quando vamos continuar assim… ao
sabor da crença e não da experiência com Jesus em Igreja católica?
António Sílvio Couto
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