Um
destes dias fui participar no funeral de um padre. Foi na minha diocese de
origem… mas podia ser noutra qualquer. Envolveu um padre octogenário…mas podia
ser mais velho ou mais novo. Conhecia-o (foi meu professor há mais de quarenta
anos)... mas podia ser um quase incógnito. Recebi dele lições académicas… e
também outras de índole moral e de valor pragmático… Numa palavra: acostumei-me
a olhá-lo com respeito e veneração, tal era a idade e a consideração por alguém
superior, se não no intelecto ao menos no mérito.
Observei
a sua figura repousada e as flores em seu redor. Senti as lágrimas… sobretudo
de familiares, à mistura com a circunspeção de outros presbíteros e muitos (tantos
e entretantos) leigos extra laços de sangue… poderá ser de amizade ou até de
ligação de fé. Naquele ambiente formal e funerário iam-me perpassando
interrogações e avaliações, inquietações e propósitos, recordações e desafios…
numa mistura quase anacrónica de sentimentos, de emoções e mesmo de
provocações.
No
título desta partilha/reflexão está contida uma distinção – como se fosse uma
técnica de raciocínio tomista – entre a ‘partida’ ocasional e a ‘partida’ definitiva,
isto é, entre a mudança de um espaço para outro e a mais dramática e definitiva
que é a partida da morte… terrena, localizada e de saída do circuito dos vivos…
= Para
quem já teve de sair de um lugar para outro, a ‘partida’ exige deixar laços
dalguma segurança e ser capaz de ir à descoberta de algo de diferente, de novo
e quase instável. Há idades para ainda se ser capaz de mudar, mas, noutras
circunstâncias, tudo se pode tornar mais ou menos difícil de gerir e até de
digerir. Certas ‘festas de despedida’ como que soam a falso, tais são os
elogios que nunca cobrirão em segundos os obstáculos colocados ao longo do
tempo e de espaços percorridos… muitas vezes por entre lágrimas e tragos em
engolir em seco e com dor.
= Nessas
horas de saída, fica-nos o amargo da não-correspondência pelos destinatários
àquilo que foi proposto… Se bem que a acomodação possa ser a resposta de outros
tantos momentos de fraqueza e de desânimo. Nessas horas de saída, não é difícil
encontrar aduladores, sob a capa de abutres, que tentam disfarçar uma certa
esperteza, camuflando a inteligência não possuída.
= Na
hora da despedida torna-se importante e quase fundamental recordar essa palavra
de São Paulo: um é o que semeia, outro é o que cuida e outro ainda é aquele que
colhe. Com efeito, por muitas e diversas razões será no tempo de pós-despedida
que se poderá compreender o significado mais credível daquele que parte bem
como do seu razoável trabalho, pois, segundo a leitura de entendidos na
matéria, cada um será tanto mais apreciado pelo que deixa nos outros
(discípulos, seguidores ou colaboradores) do que por aquilo que pensa que vale…
O mestre mede-se pela eficiência do discípulo!
= Breves inquietações… quase
espirituais
- Que
importa pretender ser importante se numa semana após a morte já ninguém se lembra
as façanhas do falecido?
- Que
importa deixar bens materiais a quem não os aprecia: não custou a ganhar também
não custará a gastar?
- Quem lhe
chorará lágrimas de saudade, se não soube lançar (humilde, sincera e
serenamente) sementes de salvação?
- Quem
poderá ser lembrado em memória se lhe faltou horizonte de eternidade naquilo
que disse e pretendeu fazer… mais ou menos bem?
Muito
honestamente: talvez ninguém me chorará, pois os laços de sangue foram
coartados muito cedo, os laços de amizade têm sido muito ténues e os laços de
espiritualidade tenho a impressão que não foram compreendidos… É verdade que
ninguém nos chora porque não pertencemos a nada nem a ninguém… talvez só a
Deus. Será?
António
Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)
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