Um destes dias estava num grupo informal – onde se
contavam alguns padres e outros tantos que beberam da fonte de formação do
seminário – e surgiu uma certa avaliação a um programa pastoral de uma
determinada diocese… que pretende refletir sobre a família a curto e a médio
prazo… Evitarei identificar tal diocese, mas servir-me-ei da inquietação para
colocar questões à linguagem com que falamos de alguns assuntos… sem atendermos
à diversidade de perspetivas… mais laicas sem serem meramente laicistas.
Falava-se sobre o tema dos filhos e um certo prelado
pretendia incluir na temática a formulação: ‘os filhos, dom de Deus’… ao que
alguém ripostou, dizendo que conhecia até famílias cristãs que aspiravam a ter
filhos e eles não aconteciam, bem como outros que, passada a idade da
fecundidade, queriam ter filhos e tinham de recorrer ao sistema da adoção… Com
seriam, nestes como noutros casos, os filhos, dom de Deus? Como poderiam tais
cristãos/católicos interpretar essa expressão da doutrina da Igreja, quando o
sofrimento para terem filhos era mais do que um dom, mas, possivelmente, uma
luta e uma grande conquista?
Naquela conversa de pessoas em sintonia na mesma fé, como
que intui que há tantas coisas que nós – bispos e padres, leigos e
frequentadores habituais da igreja/missa – usamos que estão (ou podem estar) um
tanto desconexas com a linguagem do mundo, senão no conteúdo, pelo menos na
forma… de ser em Evangelho.
Já percebemos que há um certo bispês e um outro padrês, que
não tem compreensão no léxico do comum dos fiéis…leigos. Por vezes precisamos
de um dicionário para descodificar o que se pretende dizer… mesmo que sejam
usadas as mesmas palavras.
Desgraçadamente até são muitos dos frequentadores do rito
que fazem perigar o ritual, pois, formalmente, vivem as fórmulas, mas não
entende o espírito da formulação. Já encontrei tanta gente praticante que não
conhece o espírito da celebração, pois como que se ficam na exterioridade e não
captam o central do celebrado...uma Pessoa, Jesus!
Como dizia um padre (conhecido e um tanto brincalhão, sem
ser superficial) a uma senhora muito devota, que se reportava muito religiosa:
‘afaste-se para que não me pegue a doença’!... De fato, há fenómenos de
religiosidade que mais não parecem do que rituais de cristandade, quando esta
já faliu há mais de meio século! É verdade – como dizia, nos anos cinquenta do
século XX, um pensador francês, Jacques Maritain – vivemos numa cristandade
profana, onde, mesmo que usando termos de índole e de incidência cristãs, não
são mais compreendidos numa correta linguagem do Evangelho, servindo antes para
confundir mentes e comportamentos de fachada… senão contínua ao menos
ocasional.
= Diálogo sincero e
honesto… entre todos e com cada qual!
Todos temos tanto a aprender – pois já caducou a era dum
certo dogmatismo, tanto teológico como social e eclesial – nas pequenas como
nas grandes coisas, dado que cada qual, embora possa estar habilitado a pronunciar-se
sobre aquilo de que sabe, deve aprender – em espírito de humildade e de
abertura – com os outros que estudam outras matérias e que nos podem ajudar a
caminhar de mãos dadas, de coração bem-intencionado e de espírito de
simplicidade.
Só quem se conhece e que confia nos terrenos em que se
movimenta, pode dialogar com outros em abertura e em sinceridade, pois,
sintomaticamente, o problema da Europa não são as crises económicas e
financeiras, mas, dramaticamente, a questão de Deus: Este foi expulso da vida
de tantos cidadãos acomodados, adormecidos e narcotizados da velha
‘civilização’ europeia, que aqueles outros assuntos (materiais e psicológicos)
são diversão e (quase) entretenimento, do problema principal… a crise
espiritual!
Para que possamos ter um diálogo sincero e honesto temos
de explicar o significado dos termos que usamos, pois, até podemos usar as
mesmas palavras e dar-lhes conteúdos diversos. Precisamos de procurar muito
mais aquilo que nos une do que aquilo que, factualmente, nos possa separar.
Precisamos de purificar-nos de tantos preconceitos, que, tendo algum
significado numa determinada época, agora não servem para construir pontes e
criar sinergias de paz, de concórdia e de confiança…
António
Sílvio Couto
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