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segunda-feira, 21 de julho de 2014

Pastoral industrial ou agrícola?


«Talvez fruto da forte industrialização desta zona minhota muitas vezes a nossa mentalidade formata-se numa pedagogia industrial, assente num binómio sequencial de ‘produção- faturação’. Porém, o Evangelho, mediante três breves parábolas, atira-nos para uma outra pedagogia: a pedagogia agrícola assente na sequência temporal de semear, regar, podar, deixar crescer e só depois colher os frutos».

Esta afirmação foi proferida pelo Arcebispo de Braga, no decorrer da ordenação sacerdotal de quatro novos padres, que decorreu na cripta da Basílica do Sameiro, Braga.

Escutei de viva voz esta contraposição de mentalidades com que D. Jorge Ortiga quis alertar não só os novos padres como para as dezenas de outros padres presentes na celebração, bem como às centenas de fiéis leigos que preenchiam aquele espaço celebrativo.

Sem querermos ver naquelas pedagogias – industrial/agrícola – qualquer crítica ao desenvolvimento humano e económico da região (e mesmo do país), ficou-me a pretensão de esmiuçar o que pode estar subjacente àquela visão um tanto antagónica de fazer e de viver a pastoral… hoje.

Desde já gostaríamos de ressalvar que também, por estes tempos, cresce a tentativa de industrializar a atividade agrícola, desde as culturas intensivas nas estufas até à exploração de produtos que deixaram de ser, como agora se denomina de ‘biológicos’, quando não têm produtos de salvaguarda da naturalidade do seu cultivo, cuidado e mesmo de maturação.

= ‘Pastoral industrial’: produção/faturação… sinais e/ou riscos

Certamente que a caraterização de ‘pedagogia industrial’ pode e deve ser feita como um processo de programação, atendendo aos objetivos a atingir, aos métodos a usar e a um mínimo de objetividade nos destinatários… Não podemos andar à deriva, conforme as vagas ou as modas… na pastoral como na vida. Não podemos minimamente continuar a fazer-de-conta que as pessoas já sabem o que pretendem, pois a ignorância é muito mais do que um ‘sacramento’ – há quem considere a ignorância uma forma de suprir o que não se sabe, mas devia saber – e pode fazer perigar o que deve ser feito com competência e boa preparação.

Embora D. Jorge Ortiga tenha considerado que a ‘pastoral industrial’ como que poderia reduzir-se à do ‘fazer coisas’, fundada num tempo cronológico, não podemos deixar de ter presente que o mundo mudou, a velocidade está no interior e no exterior das pessoas, nalguns casos desarticulando-as da dimensão espiritual. Temos, no entanto, de saber «evangelizar em diálogo» -- título de um livro do novo bispo auxiliar de Braga – sem preconceitos nem certezas dogmáticas, mas na escuta de tudo e de todos… servindo-nos mesmo da simbologia dos ambientes em que estamos inseridos.

= ‘Pastoral agrícola’: arte de semear… riscos e/ou sinais

O nosso país mudou muito, sobretudo, nos últimos quarenta anos: não somos mais um país agrícola rudimentar, nem mesmo nos limitamos a viver de uma agricultura de subsistência – se bem que possa, particularmente, na região norte, ser uma espécie de compensação para as dificuldades económicas mais recentes – pois já não produzimos o mínimo daquilo que consumimos. À abundância nas prateleiras dos mercados e grandes superfícies contrapõe-se uma espécie de penúria de entendimento das linguagens rurais e ruralistas… embora a mentalidade continue sem grande evolução cultural e intelectual!

Nem mesmo, quando D. Jorge aduziu como boa uma certa pastoral mais do tipo agrícola do ‘contemplar as coisas’, que respeita os ‘ritmos da realidade’, poderá será uma desculpa para nos deixarmos ir na onda dum tal ‘amadorismo’ – entendido como sem qualidade e não como ‘quem ama o que faz’ – que vive sem projeto ou sem exigência de fazer o melhor possível.

Urge, por isso, fazer bem e com qualidade o que a Deus e aos outros nos solicitam, pois a ‘arte de semear’ – à luz da experiência do Evangelho – é simples, mas contém condições em que cada um tem de assumir as suas tarefas, deixando aos outros o espaço e as oportunidades que lhe competem: cuidar, regar, velar e até colher… segundo o tempo e as condições de cada qual. Precisamos de ser só aquilo que somos sem pretensões de sermos o que outros são e vivem… na Igreja como no mundo.

 
António Sílvio Couto

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