«Talvez fruto da forte industrialização desta zona
minhota muitas vezes a nossa mentalidade formata-se numa pedagogia industrial,
assente num binómio sequencial de ‘produção- faturação’. Porém, o Evangelho,
mediante três breves parábolas, atira-nos para uma outra pedagogia: a pedagogia
agrícola assente na sequência temporal de semear, regar, podar, deixar crescer
e só depois colher os frutos».
Esta afirmação foi proferida pelo Arcebispo de Braga, no
decorrer da ordenação sacerdotal de quatro novos padres, que decorreu na cripta
da Basílica do Sameiro, Braga.
Escutei de viva voz esta contraposição de mentalidades
com que D. Jorge Ortiga quis alertar não só os novos padres como para as
dezenas de outros padres presentes na celebração, bem como às centenas de fiéis
leigos que preenchiam aquele espaço celebrativo.
Sem querermos ver naquelas pedagogias –
industrial/agrícola – qualquer crítica ao desenvolvimento humano e económico da
região (e mesmo do país), ficou-me a pretensão de esmiuçar o que pode estar
subjacente àquela visão um tanto antagónica de fazer e de viver a pastoral…
hoje.
Desde já gostaríamos de ressalvar que também, por estes
tempos, cresce a tentativa de industrializar a atividade agrícola, desde as
culturas intensivas nas estufas até à exploração de produtos que deixaram de
ser, como agora se denomina de ‘biológicos’, quando não têm produtos de
salvaguarda da naturalidade do seu cultivo, cuidado e mesmo de maturação.
= ‘Pastoral
industrial’: produção/faturação… sinais e/ou riscos
Certamente que a caraterização de ‘pedagogia industrial’
pode e deve ser feita como um processo de programação, atendendo aos objetivos
a atingir, aos métodos a usar e a um mínimo de objetividade nos destinatários…
Não podemos andar à deriva, conforme as vagas ou as modas… na pastoral como na
vida. Não podemos minimamente continuar a fazer-de-conta que as pessoas já
sabem o que pretendem, pois a ignorância é muito mais do que um ‘sacramento’ –
há quem considere a ignorância uma forma de suprir o que não se sabe, mas devia
saber – e pode fazer perigar o que deve ser feito com competência e boa
preparação.
Embora D. Jorge Ortiga tenha considerado que a ‘pastoral
industrial’ como que poderia reduzir-se à do ‘fazer coisas’, fundada num tempo
cronológico, não podemos deixar de ter presente que o mundo mudou, a velocidade
está no interior e no exterior das pessoas, nalguns casos desarticulando-as da
dimensão espiritual. Temos, no entanto, de saber «evangelizar em diálogo» --
título de um livro do novo bispo auxiliar de Braga – sem preconceitos nem
certezas dogmáticas, mas na escuta de tudo e de todos… servindo-nos mesmo da
simbologia dos ambientes em que estamos inseridos.
= ‘Pastoral
agrícola’: arte de semear… riscos e/ou sinais
O nosso país mudou muito, sobretudo, nos últimos quarenta
anos: não somos mais um país agrícola rudimentar, nem mesmo nos limitamos a
viver de uma agricultura de subsistência – se bem que possa, particularmente, na
região norte, ser uma espécie de compensação para as dificuldades económicas
mais recentes – pois já não produzimos o mínimo daquilo que consumimos. À
abundância nas prateleiras dos mercados e grandes superfícies contrapõe-se uma
espécie de penúria de entendimento das linguagens rurais e ruralistas… embora a
mentalidade continue sem grande evolução cultural e intelectual!
Nem mesmo, quando D. Jorge aduziu como boa uma certa
pastoral mais do tipo agrícola do ‘contemplar as coisas’, que respeita os
‘ritmos da realidade’, poderá será uma desculpa para nos deixarmos ir na onda
dum tal ‘amadorismo’ – entendido como sem qualidade e não como ‘quem ama o que
faz’ – que vive sem projeto ou sem exigência de fazer o melhor possível.
Urge, por isso, fazer bem e com qualidade o que a Deus e
aos outros nos solicitam, pois a ‘arte de semear’ – à luz da experiência do
Evangelho – é simples, mas contém condições em que cada um tem de assumir as
suas tarefas, deixando aos outros o espaço e as oportunidades que lhe competem:
cuidar, regar, velar e até colher… segundo o tempo e as condições de cada qual.
Precisamos de ser só aquilo que somos sem pretensões de sermos o que outros são
e vivem… na Igreja como no mundo.
António
Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário