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terça-feira, 3 de junho de 2014

(…) Desafios ao perdão!


 
Por estes dias aprendi a ter cuidado com o uso das reticências (…), com que algumas vezes recorro para desafiar, quem tenha a paciência de me ler, em ordem a completar o que queria ou desejava dizer. Pude mesmo, interrogar-me sobre a possibilidade das reticências (…) serem interpretadas em sentido contrário àquilo que, afinal, pretendo dizer… Esta breve explicação pretende interpretar uma parte do título deste escrito, pois as reticências não podem significar resistências ou mesmo relutâncias para com os nossos benevolentes leitores. No entanto, continuarei a usar (…) reticências em ordem a tentar criar alguma participação de quem lê!

Entretanto, na semana finda, numa espécie de preenchimento de certas reticências mais ou menos recorrentes sobre questões que envolvem pessoas mais velhas, tive a grata vivência de participar na resolução duma ‘situação’ – o termo tem tanto de significativo quanto de irónico – de um senhor que teve espaço num lar… depois de um razoável processo que, no mínimo, deveria (quase) envergonhar técnicos e profissionais da área da saúde e da segurança social… tanto os de secretaria como os do terreno…

Deixamos perguntas, pois as afirmações poderiam ser consideradas provocação... Como entender que uma pessoa – no caso um senhor com cerca de sessenta – possa estar quatro meses internado compulsivamente num hospital público (sob erro de diagnóstico), com alta declarada e não se arranje solução, por quem criou o problema? E, quando a solução é (pretensamente) encontrada, como é que se faz tábua rasa dos sentimentos da família? Como comprometer a família (sobretudo de teto), se o que parece interessar são os proventos da reforma, que poderá suportar o pagamento da mensalidade, num hipotético lar?

 

= Justiça ou consciência… cristã?

Pelo que temos visto, escutado e até percebido, o setor dos seniores é, hoje, uma área de negócio, onde quase todos ganham, desde que não se descubra (totalmente) sdcçcomo são feitas as contas… publicitadas. O Estado comparticipa com uma fatia ridícula para cada cidadão que necessite de ser acolhido numa erpi (= estrutura residencial para idosos), um novo nome de dizer ‘lar de idosos’ ou, nalguns casos mais radicais, ‘asilos’…Em tempos houve quem apontasse que um preso custava ao Estado cerca de cinquenta euros por dia e um velho em lar menos de quinze euros diários. As condições de um e de outro setor da vida social estariam, deste modo, desfasadas das razões e desconexas nas consequências…

De algum modo podemos e devemos refletir sobre a avalanche de velhos – o termo não tem conceito depreciativo, mas antes se refere a uma etapa de vida vivida e de saber – nos lares e nas perspetivas de solução a curto e médio prazo. Ainda por estes dias referia a um familiar de um velho acolhido numa erpi de que tenho a responsabilidade de gestão: eles sabem quem cuida deles, mas nós não temos essa garantia de sermos assistidos e cuidados… minimamente!

De fato, é duro colocar um familiar num lar, mas será ainda mais grave não saber como pode sobreviver, se estiver sozinho. É complicado desenraizar alguém do seu espaço de vida, mas será mais grave deixá-lo ao abandono sem haver quem dele cuide.

- Que dizer do trato a dar a alguém que negligenciou os cuidados na hora própria e agora pode ter teto, comida e afeto…

- Que dizer de quem se gastou em favor dos outros – perdoem-me a referência aos padres, sobretudo, diocesanos – e depois não sabe quem cuidará de si… quando estiver mais fragilizado, velho e só…

- Que dizer de tantos pais e mães que tudo deram a seus filhos/netos e pouco mais podem esperar do que andarem de trouxa em sobressalto… para não afligirem a vida ocupada em trabalho e consumo… dos que (até) usufruirão dos bens que lhes deixarem!

 

Pelo que vivi junto de alguém que cuidou de colocar o pai num lar, poderei considerar que só numa cultura e conduta de perdão será possível entender o presente, interpretar o passado e viver o futuro. Ser cristão de verdade a isso exige, conduz e consola, já!       

 

António Sílvio Couto

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