Por
estes dias aprendi a ter cuidado com o uso das reticências (…), com que algumas
vezes recorro para desafiar, quem tenha a paciência de me ler, em ordem a completar
o que queria ou desejava dizer. Pude mesmo, interrogar-me sobre a possibilidade
das reticências (…) serem interpretadas em sentido contrário àquilo que,
afinal, pretendo dizer… Esta breve explicação pretende interpretar uma parte do
título deste escrito, pois as reticências não podem significar resistências ou
mesmo relutâncias para com os nossos benevolentes leitores. No entanto,
continuarei a usar (…) reticências em ordem a tentar criar alguma participação
de quem lê!
Entretanto,
na semana finda, numa espécie de preenchimento de certas reticências mais ou
menos recorrentes sobre questões que envolvem pessoas mais velhas, tive a grata
vivência de participar na resolução duma ‘situação’ – o termo tem tanto de
significativo quanto de irónico – de um senhor que teve espaço num lar… depois
de um razoável processo que, no mínimo, deveria (quase) envergonhar técnicos e
profissionais da área da saúde e da segurança social… tanto os de secretaria
como os do terreno…
Deixamos
perguntas, pois as afirmações poderiam ser consideradas provocação... Como
entender que uma pessoa – no caso um senhor com cerca de sessenta – possa estar
quatro meses internado compulsivamente num hospital público (sob erro de
diagnóstico), com alta declarada e não se arranje solução, por quem criou o
problema? E, quando a solução é (pretensamente) encontrada, como é que se faz tábua
rasa dos sentimentos da família? Como comprometer a família (sobretudo de
teto), se o que parece interessar são os proventos da reforma, que poderá
suportar o pagamento da mensalidade, num hipotético lar?
= Justiça ou consciência… cristã?
Pelo que
temos visto, escutado e até percebido, o setor dos seniores é, hoje, uma área
de negócio, onde quase todos ganham, desde que não se descubra (totalmente) sdcçcomo
são feitas as contas… publicitadas. O Estado comparticipa com uma fatia
ridícula para cada cidadão que necessite de ser acolhido numa erpi (= estrutura
residencial para idosos), um novo nome de dizer ‘lar de idosos’ ou, nalguns
casos mais radicais, ‘asilos’…Em tempos houve quem apontasse que um preso
custava ao Estado cerca de cinquenta euros por dia e um velho em lar menos de
quinze euros diários. As condições de um e de outro setor da vida social
estariam, deste modo, desfasadas das razões e desconexas nas consequências…
De algum
modo podemos e devemos refletir sobre a avalanche de velhos – o termo não tem
conceito depreciativo, mas antes se refere a uma etapa de vida vivida e de
saber – nos lares e nas perspetivas de solução a curto e médio prazo. Ainda por
estes dias referia a um familiar de um velho acolhido numa erpi de que tenho a
responsabilidade de gestão: eles sabem quem cuida deles, mas nós não temos essa
garantia de sermos assistidos e cuidados… minimamente!
De fato,
é duro colocar um familiar num lar, mas será ainda mais grave não saber como
pode sobreviver, se estiver sozinho. É complicado desenraizar alguém do seu
espaço de vida, mas será mais grave deixá-lo ao abandono sem haver quem dele
cuide.
- Que
dizer do trato a dar a alguém que negligenciou os cuidados na hora própria e
agora pode ter teto, comida e afeto…
- Que
dizer de quem se gastou em favor dos outros – perdoem-me a referência aos
padres, sobretudo, diocesanos – e depois não sabe quem cuidará de si… quando
estiver mais fragilizado, velho e só…
- Que
dizer de tantos pais e mães que tudo deram a seus filhos/netos e pouco mais
podem esperar do que andarem de trouxa em sobressalto… para não afligirem a
vida ocupada em trabalho e consumo… dos que (até) usufruirão dos bens que lhes
deixarem!
Pelo que
vivi junto de alguém que cuidou de colocar o pai num lar, poderei considerar
que só numa cultura e conduta de perdão será possível entender o presente,
interpretar o passado e viver o futuro. Ser cristão de verdade a isso exige,
conduz e consola, já!
António
Sílvio Couto
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