Não deu
para perceber a reação de certos ‘intelectuais’ àquelas palavras. Dá a
impressão que se sentiram ofendidos e denunciados, sobretudo, os recentes manifestantes
urbanos. Será que conhecem a fábula?
Vejamos,
então, alguns indícios desta psicologia de cigarra neste retângulo à beira-mar
plantado a que se dá, há mais de oitocentos anos, o nome de Portugal.
- Logo
que aparecem uns raios de sol, corre tudo para a praia... pouco importando o
trabalho a fazer, inventando as mais díspares situações para o descanso!
Contesta-se a precariedade do trabalho, mas é de ver as praias cheias e os
locais de veraneio com lotação esgotada, sem olhar a custos!
- Enquanto
se faz o combate a incêndios – onde se reduz a cinza muita da nossa riqueza
natural e do sustento florestal – vemos a correria aos supermercados –
adquirindo produtos que nos impingem e para os quais não trabalhamos – e a
participação em manifestações reivindicativas... pois os tais incêndios não
lhes dizem respeito!
- Faz-se
fila para procurar emprego, mas enjeita-se a possibilidade de participar na
prevenção dos fogos nos nossos montados e campos... cuidando de tratar da sua
‘vidinha’ sem olhar a meios, atropelando, quantas vezes, os fins!
-
Cuida-se de usufruir do subsídio em vez de procurar trabalho, pois a
remuneração deste, nalguns casos, é bem inferior àquele, que não custa a
ganhar, mas que pode viciar os beneficiários... cigarrando, isto é, pelo fumo
do cigarro e na preguiça!
- Que
dizer ainda daquelas situações em que se discute mais o futebol – empresa e
indústria, ideologia e mística, sentimento e quase irracionalidade – do que a
sua real prática? Temos, por agora, semanalmente, na segunda-feira à noite,
três canais televisivos a discutir à mesma hora, apaixonadamente, as
conjeturas, os erros, as táticas de bancada... cigarrando do alto do púlpito
sapiente! Por breves momentos aquelas diatribes futebolísticas entretêm os
(seus) adeptos e fazem esquecer as agruras do trabalho, que deveria acontecer
não fosse a hora tardia em que acabam de arengar aqueles senadores da treta.
- O
Parlamento português tornou-se numa espécie de campo de cigarras em grande
estilo, subvertendo a função de ‘casa da democracia’ e, pior, acabada sinfonia discursiva
logo são dissecados os cantos das cigarras por outras mais sábias, que, nos
estúdios televisivos, tentam descortinar nas entrelinhas façanhas de duvidoso
gosto...
- De
alguma forma soa a canto de cigarra o que certas forças politico/partidárias
disseram ao afirmarem votar contra um orçamento de Estado que ninguém conhece e
até ameaçando com moções de censura sobre factos não reconhecíveis, enquanto
reclamam vitória por recuos – sensatos ou oportunistas! – de quem tem de governar... De fato, as
cigarras têm poder de influenciar e as formigas de calar... até ver!
Sem
pretensão de fechar a discussão, antes pretendendo provocá-la, deixamos breves
perguntas:
. Até onde
irá a nossa capacidade de aturar tanto barulho e pouco trabalho?
. Como
poderemos criar um clima de silêncio, que leve à reflexão e ao questionamento
pessoal?
. Será
possível inverter este ambiente de supercialidade, criando condições para a
descoberta do sentido da vida, olhando mais os outros do que, meramente, a nós
mesmos?
. Como
poderemos calar certas cigarras, valorizando o trabalho de muitas ignoradas
formigas?
.
Teremos capacidade de nos regenerarmos, dando novo significado ao trabalho e
não à promoção de certa preguiça?
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