Moita,
1 de Setembro de 2012, 12 horas e trinta minutos. Está a terminar um casamento
e outro se perfila para ter início. Ambos estão atrasados, sobretudo o
primeiro. Como de costume, à saída da porta da igreja, perfilam-se convidados
com punhadas de arroz e rosas para atirarem aos ex-noivos, agora tornados
conjuges... e esposos.
Tudo
seria (aparentemente) normal se não estivessemos em crise e se, na retaguarda
da mesma igreja, não estivesse a acontecer a distribuição de alimentos – dito
de ‘avio’ – a pessoas carenciadamente envergonhadas... Estas fazem-no por
necessidade (quase) escondida, enquanto que, mantendo uma certa tradição
desfazada das circunstâncias e até da oportunidade, se esbanja o que, um dia,
lhes (até) poderá fazer falta... O futuro se há-de encarregar de dizer a mínima
verdade sobre as necessidades e os esbanjamentos!
= Que
mundo é este em que temos de viver e de encontrar a capacidade mínima de
adaptação às discrepâncias contínuas: uns fazem de conta e deitam fora esbanjando, outros tentam
sobreviver com ajudas repetidamente regateadas! Uns divertem-se com o que agora
lhes sobra, outros esmoleiam o que de justiça lhes é (era) devido! Uns exalam
perfumes e divertem-se, outros tentam esconder a sua indigência e (até) uma
menos cuidada higiene! Uns dizem ter religião, outros servem-se da religião...
mesmo sem lhe agradecerem! Uns vivem numa espécie de ‘carpe diem’ (= goza a
vida!) e outros carpem (isto é, choram e lamentam-se, regateando o mínimo de atenção)
tanto de dia como de noite! Uns pavoneiam-se e servem-se duma certa religião de
fachada, outros enfaixam-se na vergonha de saberem que precisam de ajuda...
após um tempo de menor sucesso, mesmo que seja (apenas) pela falta de trabalho...
= Confesso:
pela primeira vez, neste dia, perdi a capacidade de compreender os fatos, embargando-se-me
a voz numa tentativa de querer dizer o que me ia na alma, perdendo mesmo a
articulação das palavras. Não sei se foi de revolta ou de estupefação que tal
aconteceu!... Por largos minutos a garganta esteve sêca e sem saliva para
articular qualquer som... tal era a raiva, a confusão e a indecência!
De
algum modo fui assaltado por pensamentos funestos: se isto acontece neste
reduto, onde cada qual ainda se conhece e (talvez) se respeite, o que será nas
franjas do anonimato de urbes (mais) competitivas? Se isto se vive sem olhar a
meios de ostentação em relações de alguma proximidade, o que será nos espaços
sem lei nem regra em metrópoles (mais ou menos) desenraízadas? Se estes
episódios nos magoam e incomodam, como poderemos não estar sensíveis para
notícias sobre anónimos e distantes.. .embora sejam e vivam sendo gente como eu?
= Mesmo
que de forma simples quero dizer:
- Não
deixemos de fazer festa, mas temos olhar em volta para não criarmos escândalo
nem azedume!
- Não
nos deixemos acomodar a atavios de tradição se não soubermos o significado dos
mesmos!
- Tentemos
promover a valorização da atençãos aos outros, mesmo que não façamos tão boa
figura nos rituais de ostenção social!
-
Cuidemos das coisas que valem e tentemos aprender a desprezar (tantas) máscaras
do que não presta!
De
fato, há tanta gente a precisar de atenção concreta que as (nossas) distrações
egoístas precisam de ser educadas com rasgos de bom-senso e de iniciativas de
ousadia... evangélica.
Ó
Cristo do Evangelho a quanto nos obrigas e nos fazes viver num mínimo de
coerência e de verdade!
António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)
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