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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Identidade, crise e festas

Aparentemente estas três palavras não têm imediata relação, mas podem servir-nos para responder a breves questões: quem sou? Como interpreto a crise? Vivo as oportunidades de festa? Aceito-me e tento compreender os outros? Vivo na frugalidade assumida ou rezingando da austeridade imposta? Faço e sei fazer festa ou preciso de aditivos para conseguir festejar com ilusão?

1. Se andarmos um pouco mais atentos nas ruas àqueles/as com quem nos cruzamos, se nos detivermos um bocado observando os outros nos seus gestos e atitudes, se nos olharmos até ao espelho (objeto de revisão e descoberta do sentido da vida), poderemos encontrar – e mesmo encontrar-nos – com uma espécie de identidade que nem sempre manifesta um bom relacionamento consigo mesmo... dizemos isto na fundamentação da (nossa) identidade mais profunda: seremos, de fato, felizes, tal como somos mais do que por aquilo que temos ou desejamos possuir? Será que a busca da felicidade está em ser ou meramente em receber?

Por muito que se busque a felicidade nos outros, se ela não estiver em nós mesmos porque nos aceitamos como somos, de verdade, nunca teremos nem seremos pessoas felizes nem que dão felicidade aos demais. Não podemos andar a buscar nos outros compensações para as nossas debilidades e incongruências.

2. Efetivamente a situação de ‘crise’ veio pôr a nu muito daquilo que se andava a encobrir, isto é, deixou-se de poder ‘fazer de conta’, como se todos fossemos ricos, para que haja (um tanto mais) verdade uns para com os outros e, sobretudo, cada um para consigo mesmo...

Mesmo assim, aproveitando as circunstâncias de lamúria, ainda há quem passe férias como se não houvesse crise; quem faça alarido dos locais que frequenta – o facebook é o melhor estendal! – como que nada tivesse acontecido de menos gravoso; quem se tente iludir com aquilo que já viveu, como se isso lhe desse estatuto de invulnerabilidade... social e psicológica.

Num arranjo de pormenores – que nem sempre funcionam como desculpa, antes podem servir de agravo – vemos tanta gente a fugir da própria sombra, como se a fuga trouxesse a assumpção das responsabilidades... económicas, sociais, morais, tanto pessoais como familiares... A verdade tem perna longa, enquanto a mentira é apanhada na sua própria artimanha.

A (dita) crise deve servir-nos de oportunidade para sabermos rever a nossa conduta ética pessoal, familiar, social, política e até cultural... à luz dos critérios e valores cristãos/evangélicos mais simples.

3. Agora que o verão está, rapidamente, em maré de despedida, vamos ainda usufruindo dalgumas festas e de festejos mais ou menos bem conseguidos. Com a proximidade das festas o povo – entidade abstrata com personalidade corporativa bem definida e real – transforma-se: chegou a época de desanuviar as mágoas, de deixar de carpir os lamentos e até de se permitir alguns exageros... para mais tarde se voltar à rotina um tanto aliviado e (pretensamente) com mais força de vontade.

Engana-se quem pretender fazer das festas um certo tempo de reinvindicação, espaço de provocação ou mesmo oportunidade de contestação. A festa não tem coloração política, embora possa catapultar as múltiplas pretensões dos diversos intervenientes. A festa goza um tanto dum estatuto de imunidade à manipulação, embora possa haver quem dela se tente aproveitar com maior ou menor subtileza. A festa une mais do que divide e quem dela se tentar fazer proprietário poderá colher frutos amargos quando os festejantes se aperceberem. 

Numa palavra: pela verdadeira identidade pessoal assumida e amadurecida, nós podemos vencer a crise (que é muito mais do que económico/financeira), fazendo festa uns com os outros e uns para os outros (que é muito mais do que arraial e excessos), tentando construir uma sociedade alicerçada na sinceridade e na boa disposição...

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

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