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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Na provocação do «Último segredo»

Fé pessoal com implicações políticas

«Sucede, não poucas vezes, que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária» - diz o motu próprio ‘Porta fidei’ do Papa Bento XVI de convocação do ‘Ano da fé’, que vai decorrer, na Igreja católica, de Outubro de 2012 a Outubro de 2013.
Sobre  aquele pressuposto de fé, que, na grande parte das pessoas, já não existe, o Papa refere: «Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje, parece que já não é assim em grandes setores da sociedade, devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas».

= Provocações à fé... de encomenda para vendas
Sobre esta quase disfunção cultural cabe-nos salientar, no contexto sócio-cultural português, a publicação de um livro que tenta questionar a fé dos cristãos, partindo de críticas sensacionais e, nalguns casos, quase irracionais, embora fazendo algum barulho na comunicação social.
Trata-se do «Último segredo» de José Rodrigues dos Santos – jornalista e escritor – que, agora num afã de protagonismo, veio – nas suas palavras eloquentemente dogmáticas – denunciar ‘fraudes’ sobre Jesus e os escritos do Novo Testamento.
Embora ainda nos fiquemos pelo teor das entrevistas deste recente guru anti-cristão da saga lusitana – outros tem havido quase sempre em vésperas da celebração do Natal, em coincidência para as vendas! – o Secretariado nacional da pastoral da cultura (SNPC) emitiu uma nota sobre esta publicação onde se refere: «O romance de José Rodrigues dos Santos, intitulado “O último segredo”, é formalmente uma obra literária. Nesse sentido, a discussão sobre a sua qualidade literária cabe à crítica especializada e aos leitores. Mas como este romance do autor tem a pretensão de entrar, com um tom de intolerância desabrida, numa outra área, a história da formação da Bíblia por um lado, e a fiabilidade das verdades de Fé em que os católicos acreditam por outro, pensamos que pode ser útil aos leitores exigentes (sejam eles crentes ou não) esclarecer alguns pontos de arbitrariedade em que o dito romance incorre».
Tal como salienta esta nota do SNPC, o autor parece confundir a sua verdade romanceada com a fé na Pessoa de Jesus e mesmo a vivência dos cristãos. «É impensável, por exemplo, para qualquer estudioso da Bíblia atrever-se a falar dela, como José Rodrigues dos Santos o faz, recorrendo a uma simples tradução. A quantidade de incorrecções produzidas em apenas três linhas, que o autor dedica a falar da tradução que usa, são esclarecedoras quanto à indigência do seu estado de arte. Confunde datas e factos, promete o que não tem, fala do que não sabe».
No passado, já outros tentaram explorar este (pretenso) filão do ‘descrédito’ em questões que envolvem a fé na Pessoa de Jesus e nas posteriores elaborações teológicas das comunidades primitivas – no sentido de primeiras, tanto no ardor como no testemunho – e, desgraçadamente, acabaram por serem vítimas da sua própria auréola... rapidamente chamuscada.
Quem não se lembra de um outro José (de cognome erva amarga) que fez furor porque promovido pelos seus parceiros de ideologia! Quem não se lembra de tantos que vaticinaram o fim do cristianismo, na I República, e que foram engolidos pela peçonha da sua malícia! Por isso, ousamos perguntar: quem vai promover – comprando, talvez dizendo que leu, confundindo os mais iludidos – este outro José de sonhos? Será, assim, tão  difícil de identificar a ideologia transversal – preferencialmente anti-católica – que o vai apoiar?

= Implicações políticas da fé cristã
Na sequência da convocação do Papa para vivermos, em Igreja católica, um ‘Ano da fé’, torna-se urgente encontramos sinais de compromisso com a fé traduzida na vida e não simplesmente no reduto da liturgia. Esta deverá manifestar dignidade e beleza e não sendo uma mera rotina de gestos gastos, repetitivos  e vazios.
Na medida em que, no mundo, vivermos em atitude de missão, assim a Missa será força de fé viva e vivida com novos métodos, novo ardor e novas expressões, isto é, em atitude de nova evangelização.
Precisamos de incluir, no nosso roteiro da fé celebrada, novos apontamentos de fé culturalmente amadurecida, que não se deixa confundir com diatribes jornalísticas de baixo teor nem com romances de valor duvidoso, embora rentáveis para os seus autores e editores.
Numa época (dita) de crise seria de propor um novo imposto para recuperar da dívida pública nacional, se este livro agora publicado esgotasse ou fosse um sucesso de vendas, pois teríamaos de concluir que, afinal, ainda há quem gaste dinheiro com coisas supérfluas, embora resmungando por lhe ter sido retirado um montante do subsídio de Natal... em favor dos outros.
Fé cristã – esclarecida, amadurecida e comprometida – a quanto obrigas, agora e no futuro!

António Sílvio Couto

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