As memórias natalícias são, normalmente, doces ou um tanto adocicadas. Guardamos mais as agradáveis do que as dolorosas. Lançamos nostalgia sobre as mais infantis do que as mais recentes. Recordamos talvez as vivências mais de índole material do que as âmbito psicológico/espiritual.
Na
proximidade a cada Natal como que borbulham em nós sentimentos, misturam-se
sensações, recordam-se vivências…projetam-se desejos, anseiam-se previsões, criam-se
cenários…pessoais, familiares, sociais.
Tudo
isto seria normal se não estivéssemos a viver em estado de pandemia deste
coronavírus mortífero já em larga escala. Com efeito, há coisas e situações que
seriam consideradas impensáveis, mas que estamos a viver acrisoladamente. Há
estórias e episódios que nos fazem reunir todas as forças para os entendermos,
os enfrentarmos e tentarmos vencer, unindo forças e esforços.
Quantas
pessoas e famílias estão a passar por momentos dramáticos. Muitos ainda estão a
digerir as perdas, sobretudo, quando o luto não chegou a ser devidamente feito.
De facto, o Natal traz à memória a recordação da perda de um ente querido, se for
esse o primeiro dos natais assim vivenciado. Vêm à lembrança os pequenos-pormenores,
quase desapercebidos na hora dos factos. Ganham novos recortes as palavras
ditas ou não-ditas, os gestos tidos ou menos-valorizados e até sentimentos de
alguma ‘ingratidão’ nos assaltam por estes dias…
Verdadeiramente
o Natal nos humaniza, porque nos faz ter em conta que os outros não foram
coisas, nem as coisas foram objetos menosprezados. Se houvesse mais espírito e
presença de Natal ao longo do ano talvez fossemos mais humanos porque mais
irmanados no essencial.
Deixo a
citação de um hino da liturgia das horas – ofício de leituras – do tempo de
Advento:
Erguei-vos, ó divina Claridade;
Ó Sol do novo dia, Luz, Verdade,
Vencei da noite o sono tão profundo.
O vosso nascimento em nossa história
Transforme em alegria o sofrimento;
Chegue depressa o tão feliz momento
De contemplar a luz da vossa glória!
Olhai a humanidade pecadora,
Olhai as suas dores, seus pecados;
De tantos males somos esmagados!
Abri a vossa mão libertadora!
Este é uma adaptação para português, pelo padre-poeta Fernando Melro, de um
hino francês - ‘Viens bientôtt, Sauveur du monde’, cuja autoria é atribuída à
Comissão francófona cisterciense’ (1971).
Aqui se exprimem tantos dos anseios que poderemos recentrar neste Natal de
2020: a expetativa da presença viva do ‘Salvador do mundo’, quantas vezes
atafulhado em desejos de consumismo; a necessidade de acordarmos deste ‘sono
tão profundo’ onde temos andamos enliados; de sacudirmos os preconceitos de nos deixarmos
iluminar, contemplando ‘a luz da glória’ de Jesus em cada pessoa que Ele coloca
no nosso caminho!
Nestes
dias de preparação mais próxima ao Natal deixo esta sugestão de reflexão e,
porque não, de oração diante de Jesus de braços abertos no Presépio.
Que este
Natal de 2020 deixe marcas de conversão simples, sincera e serena na nossa
vida.
António Sílvio Couto
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