Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 29 de abril de 2025

Do apagão virá a luz?

 


Das 11.33 horas às 20.45 horas do dia 28 de abril estivemos sem energia elétrica em todo o país e extensível a Espanha ainda com parte de França. Foram longas e quase silenciosas nove horas, onde só os aparelhos de rádio-a-pilhas nos davam informações e até a maior parte das redes móveis de comunicação colapsaram.

O chefe do governo só falou ao país – já alumiado nalgumas localidades, sobretudo do norte – onze horas depois, decorridas sobre aquilo que ele classificou como ‘uma situação grave, inédita e inesperada’.

– Sendo uma situação inesperada como reagiram as pessoas? Boa parte de forma serena e civilizada foi esperando as informações – à exceção dos ávidos em tudo querer saber mesmo que forma distorcida – à mistura com atos de corrida aos locais de compra de comida – desta vez foi o açambarcar de água – numa correria o roçar a pilhagem desenfreadamente egoísta. Quando há tempos se falou do ‘kit europeu de sobrevivência’ alguns troçaram da sugestão, mas agora, por breves horas, se pôs a manifesto que precisamos de estar melhor preparados para enfrentarmos mais momentos de crise e de contingência… com a duração mais prolongada.

– Sendo uma situação inédita como se explica este acontecimento? Um tanto aos poucos vão surgindo explicações para o fenómeno, que tem tanto de raro quanto de pouco habitual no nosso contexto europeu. Aqui se viu a teia de influências e de negócios entre os vários países e que todos devíamos saber e ser-nos explicado de forma preventiva e esclarecedora. Uns mais técnicos já esperavam que isto acontecesse há vários anos, até pelas opções tomadas em tempos eivados de um ecologismo populista e que teria de ser pago, quando se devesse, como agora, um apagão. Este acontecimento pode ser ainda a fatura da globalização económica, que uns contestam, mas que usufruem como os outros…nas regalias e comodidades.

– O que houve de grave nesta situação? A gravidade estará mais nas causas do que nas consequências até agora vistas e sentidas, pois não podemos continuar a ser entregues nas costas a interesses cujas malfeitorias se pagam a longo prazo. A emersão dos papagaios do costume logo fizeram perceber que nem tudo era só avaria ou seja qual for a causa: submetidos aos conluios de certas forças podemos irem descobrindo que nem tudo é tão limpo como pretendiam vender da ‘energia limpa’ eu talvez tenha sido mais para limpar os cofre do Estado do que para deixar um ambiente mais saudável como seria aceitável.

= As parcas horas de apagão devem ser refletidas em matéria de eleições…no próximo dia 18 de maio. Quem gerou este problema saiu de cabeça à surfista – asseado e limpo – do outro lado da onda, mas foi o causador – por atos ou por omissões – de que tivéssemos chegado a experimentar esta prova, comparável àquilo que deixámos nos países africanos que estiveram sob a nossa tutela até há cinquenta anos: lá os apagões são constantes, por aqui têm sido ocasionais…

De pouco ou nada adianta fazer barulho para disfarçar com a ausência de energia elétrica, quem nos colocou neste estado decidiu há quinze anos – lembrem-se quem era! – sobre quais as razões que nos fizeram chegar agora a esta situação.

= O apagão – felizmente – não cobriu a noite e pudemos ser informados, ouvir os comentários e quase delirar com as declarações de alguns dos intervenientes, onde para além da fraca seriedade sobre o problema destilaram o que lhes vai na alma: azedume, oportunismo e, porque não, aproveitamento das fragilidades de toda a Nação, desde que isso lhe permita tentar conquistar votos… Brevemente saberemos a verdade do apagão e de quem foi apagado com ele! Assim se faça luz.

 

António Sílvio Couto

sábado, 26 de abril de 2025

Liberdade – mito, direito ou dever?

 


Mais de meio século depois da revolução de 25A parece que estamos na estaca zero do conceito e da vivência de algo tão sagrado como a liberdade. As imagens da macrocefalia da capital deixaram-nos um travo amargo sobre o modo como essa tal liberdade é exercida, promovida e celebrada: exercida como algo exaltado pela ditadura do eu; promovida em razão dos que estão do mesmo lado, sem respeito pelos outros; celebrada como se fosse um absoluto sem retorno.

1. Cinquenta e um anos depois sinto vergonha por haver uns tantos deste país que acham que são donos da liberdade, que foram só eles que a recuperaram, que aquilo que não seja da sua cor ou ideologia já não é considerado liberdade. Que tendo sofrido os seus antepassados para que haja liberdade não pode menorizar os que pensam de forma diferente, levando a que quase sejam considerados inimigos da dita liberdade. O monopólio sobre este direito cheira a ditadura tanto pior quanto se reclama de ‘democrata’ em contraste com quem não pensa nem age como eles…

2. Na habilidade da manipulação da liberdade podemos ver este ano de forma clamorosa que uns tantos só consideram estarmos em ambiente de liberdade se se cumprirem certos ritos que mais parecem rituais de uma defuntês anunciada. Disseram que foram suspensos os atos festivos da efeméride. Mas o que foi adiado foi tão-somente um concerto de um cantor a roçar o pimba e a abertura dos palácios à população, dado que a sessão (dita) solene aconteceu, o desfile na avenida foi realizado e as corridas locais de atletismo tiveram lugar. Outros consideram que a música do Zeca foi trocada pelo choradinho do Tony e que isso constituiu uma adulteração ao cerimonial. Se pensarem bem houve um razoável ridículo da festança deste ano… à exceção dos distúrbios e contendas entre fações, reivindicando protagonismo barato e barulhento.

3. Quem tenha menos de cinquenta anos só conhece do 25A aquilo que lhe mostram sob a lente ideológica do exibidor: muitos dos militares operacionais já desapareceram e os que estão vivos já treslem na memória, alguns deles servem de trucida que ainda fumega do tempo revolucionário. Cinco décadas de liberdade são pouco tempo para haver maturidade democrática, mas pior, o mundo mudou e os saudosistas do regime pós-revolucionário não passam de fantasmas, em contrapartida com os riscos da exacerbação dos extremismos populistas, que não olham a meios para atingirem os seus fins, mesmo que arrastando tudo e todos para o lamaçal mais fedorento.

4. Nas comemorações deste do 25A pairou uma figura que, ora ensombrou, ora foi exaltada e porque não dizê-lo manipulada sobre o conceito de liberdade e da forma de a viver. O defunto Papa Francisco foi citado a propósito e despropósito – nalguns casos de forma abjeta e tendenciosa – sobre questões atinentes à liberdade… normalmente sob o sinete mais do social do que do espiritual e na visão holística da pessoa humana. Citamos o Papa: «Esta é uma regra para desmascarar qualquer liberdade egoísta. Aqueles que são tentados a reduzir a liberdade apenas aos próprios gostos. A liberdade guiada pelo amor é a única que liberta os outros e a nós mesmos, que sabe ouvir sem impor, que sabe amar sem forçar, que constrói e não destrói, que não explora os demais para a sua conveniência e que pratica o bem sem procurar o próprio benefício. Em suma, se a liberdade não estiver a serviço do bem, corre o risco de ser estéril e de não dar frutos. Por outro lado, a liberdade animada pelo amor conduz aos pobres, reconhecendo no seu rosto o de Cristo» (audiência de 20.10.2021).

Quem quis instrumentalizar o Papa para as suas ideias, será que alguma vez leu alguma coisa que ele disse? Basta de hipocrisia!

5. A liberdade não pode continuar a ser um mito, mas deve ser um dever que nos faz testemunhar o direito…até para com aqueles que não respeitam a nossa liberdade!



António Sílvio Couto

terça-feira, 22 de abril de 2025

‘Agora que nos fazias falta, vais-te embora’

 


Esta frase lia poucos minutos após o anúncio do falecimento do Papa Francisco, na manhã do dia 21 de abril, segunda-feira da oitava da Páscoa.

Deste modo nos ficou a sensação de orfandade com que lemos e podemos interpretar a partida do ‘mundo dos vivos’ do Papa Francisco no exercício do seu ministério petrino.

De 13 de março de 2013 a 21 de abril de 2025, Jorge Mario Bergoglio assumiu a tarefa de ser bispo de Roma e Papa da Igreja católica. Com a vetusta idade de 88 anos, Francisco partiu para a ‘casa do Pai’, elogiado por muitos (quase maioria) e criticado por outros (uma ínfima minoria), mais por razões de (alguns) costumes do que do plano da fé… Sobre esta introduziu temas que perdurarão na vida e na conduta da Igreja, dado que já estavam enunciados no Concílio Vaticano II, terminado há quase sessenta anos.

Vinda do outro lado do mundo – como referiu no dia da sua eleição – aportou à Igreja coisas novas e situações velhas – para usarmos a expressão bíblica – à mistura com problemas sangrentos para a vida e a missão da Igreja: sobretudo o tema dos abusos – durante muito tempo incidindo sobre os de teor sexual, mas que agora emergiam outros talvez mais gravosos para tudo e envolvendo muitos mais… Não podemos esquecer que foram essas temáticas que levaram Bento XVI a resignar, em 2013, com a marca da surpresa dolorosa e sob a penumbra do escândalo.

Por agora pode confundir-se poeira com lamúrias e admiração com elogios baratos. Em breve tudo assentará e poderemos perceber quem captou a mensagem trazida por este Papa, cujos gestos e sinais precisam de ser descodificados, mas não de forma preconceituosa ou enlameada de ideologia, seja ela económica, ético/moral ou mesmo teológico-doutrinal… Na rica subtileza de um homem de Deus, o Papa Francisco pode ser interpretado por diversos prismas, podendo confundir-se leituras com sensibilidades mais ou menos subtis e quase interesseiras de um certa luta pseudo-dialética… A esperança não nos engana, seja qual for a perspetiva por onde queiramos introduzir o Papa para ser apreciado.

* Encíclicas
- Lumen fidei (Luz da Fé), assinada em 29 de junho de 2013, publicada em 5 de julho de 2013. Primeira encíclica do seu pontificado, que havia sido iniciada pelo seu antecessor, Bento XVI;
- Laudato si' (Louvado Seja), publicada em 18 de junho de 2015, apela à ação contra o aquecimento global e a degradação do meio ambiente;
- Fratelli tutti (Todos irmãos – sobre a fraternidade e a amizade social), publicada a 3 de outubro de 2020;
- Dilexit nos (Amou-nos - sobre o Amor humano e divino do coração de Jesus), publicada a 24 de outubro de 2024.
* Exortações apostólicas
- Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho), publicada em 24 de novembro de 2013. Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual;
- Amoris laetitia (Alegria do Amor), publicada em 8 de abril de 2016. Exortação Apostólica sobre a alegria do amor na família;
- Gaudete et exsultate (Alegrai-vos e exultai!), publicada em 19 de março de 2018. Exortação Apostólica sobre o chamamento à santidade no mundo atual.

Embora não viajando tanto como alguns dos antecessores, fez cerca da quarenta viagens apostólicas, tendo-se deslocado duas vezes a Portugal, por ocasião do centenário das aparições em Fátima e das JMJ 2023… Viveu, como todos nós a provação da pandemia, interpretando melhor do que ninguém a angústia de todos.

Nos últimos anos clamou pela paz na Ucrânia e na Palestina e não esqueceu tantos dos conflitos em África e da desumanidade dos refugiados e das vítimas dos conflitos armados.



= A Igreja sempre foi cuidada por Papas adequados aos tempos em que vivemos. Assim cremos e desejamos que aconteça a quem venha substituir na cátedra de Pedro, Francisco… O Espírito Santo sabe!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Mulheres – primeiras testemunhas da Ressurreição…

 


Depois do sepultamento de Jesus, pelos seus amigos Nicodemos e José de Arimateia, vemos a referência a várias mulheres no contexto dos cuidados ao corpo Senhor. A surpresa acontece!

«1 No primeiro dia da semana, ao romper da alva, as mulheres foram ao sepulcro, levando os perfumes que haviam preparado. 2 Encontraram removida a pedra da porta do sepulcro 3 e, entrando, não acharam o corpo do Senhor Jesus. 4 Estando elas perplexas com o caso, apareceram-lhes dois homens em trajes resplandecentes. 5 Como estivessem amedrontadas e voltassem o rosto para o chão, eles disseram-lhes: «Porque buscais o Vivente entre os mortos? 6 Não está aqui; ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galileia, 7 dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia».

8 Recordaram-se, então, das suas palavras. 9 Voltando do sepulcro, foram contar tudo isto aos Onze e a todos os restantes. 10 Eram elas Maria de Magdala, Joana e Maria, mãe de Tiago. Também as outras mulheres que estavam com elas diziam isto aos Apóstolos; 11 mas as suas palavras pareceram-lhes um desvario, e eles não acreditaram nelas. 12 Pedro, no entanto, pôs-se a caminho e correu ao sepulcro. Debruçando-se, apenas viu as ligaduras e voltou para casa, admirado com o sucedido» (Lc 24, 1-12 // Mt 28,1-10; Mc 16,1-8; Jo 20,1-18).

A presença e o destaque dado às mulheres nas manifestações d’O Ressuscitado é uma linha permanente nas narrativas dos quatro evangelhos canónicos. É digno de realce que dos quatro evangelhos canónicos, não há dois nos quais os nomes das mulheres sejam idênticos. Os três sinóticos concordam com Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de João. O evangelho de São João só refere Maria Madalena. São Marcos menciona Salomé, enquanto São Lucas cita a presença de Joana. Dando ainda uma perspetiva de conjunto sobre os relatos das mulheres sobre a ida ao sepulcro e o seu testemunho, podemos perceber que as mulheres entraram no sepulcro por sua iniciativa e que descobriram que estava vazio: em São Mateus e em São Marcos, as mulheres são convidadas a ver o sepulcro vazio; em São Lucas, depois de descobrirem que o sepulcro está vazio, aparecem-lhes dois anjos, que lhes anunciam que Jesus tinha ressuscitado. No evangelho de São João a testemunha única é Maria Madalena, em diversas etapas.

Eis como o Catecismo da Igreja Católica se refere às mulheres, que designa de ‘primeiras mensageiras da ressurreição’: «Maria Madalena e as santas mulheres, que vinham para acabar de embalsamar o corpo de Jesus, sepultado à pressa por causa do início do «Sábado», no fim da tarde de Sexta-feira Santa, foram as primeiras pessoas a encontra-se com o Ressuscitado. Assim, as mulheres foram as primeiras mensageiras da ressurreição de Cristo para os próprios Apóstolos. Em seguida, foi a eles que Jesus apareceu: primeiro a Pedro, depois aos Doze. Pedro, incumbido de consolidar a fé dos seus irmãos, vê, portanto, o Ressuscitado antes deles e é com base no seu testemunho que a comunidade exclama: «Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão» (Lc 24, 34.36)» (Catecismo da Igreja Católica, 641).

Deixo, em jeito quase de sugestão, algumas questões – muitas delas ainda não resolvidas na Igreja ou que se vislumbre solução, ontem como hoje.

* Inserindo-se o cristianismo numa cultura onde o homem era a figura principal do culto e da vida social, por que se dá tanto destaque às mulheres como testemunhas da ressurreição de Jesus? Como se poderá compreender que, no judaísmo, quem era digno de crédito para jurar era o homem, surjam as mulheres como aquela que afirmam e testemunham a ressurreição de Jesus? Qual a ligação entre a Cruz e a Ressurreição: as mulheres são os fatores de presença, enquanto os homens (discípulos) fugiram por medo?

Como sugestão de resposta a estas questões citamos o Papa Bento XVI: «Diversamente, as narrações não se sentem presas a tal estrutura jurídica [só os homens eram aceites como testemunhas, juridicamente], mas comunicam a experiência da ressurreição em toda a sua amplitude. Tal como junto da cruz – se excetuarmos João – já só tinham estado mulheres, assim se destina a elas o primeiro encontro com o Ressuscitado. Na estrutura jurídica, a Igreja está fundada sobre Pedro e os Onze, mas na forma concreta de vida eclesial, são sempre as mulheres que abrem a porta ao Senhor, O acompanham até à cruz e assim podem encontrá-lo também como Ressuscitado» (Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, p. 214). Dito por quem foi e referido o que está subjacente, poderemos encontrar resposta para alguns desfasamentos entre o pensamento e vida, ainda hoje, na Igreja católica!

* À luz das manifestações nos evangelhos às mulheres do Ressuscitado poderemos questionar o papel, o lugar e o ministério das mulheres, hoje? Dado que no mundo, cada vez mais as mulheres assumem funções de relevo e de decisão – ao tempo a União Europeia é dirigida por três mulheres, de países diferentes – como deverá ser isso mesmo na Igreja católica? Até que ponto haverá visão, sensibilidade e dinâmica própria das mulheres e não do mero feminino? Será que podemos refletir sobre o ministério da mulher muito para além da mulher no exercício do ministério, particularmente sacerdotal?

Talvez estas questões possam ser um tanto de fronteira, isto é, numa transferência daquilo que se vive na condição do mundo para ler, interpretar ou discernir assuntos da Igreja, sobretudo na sua expressão católica. Com efeito, não se pode confundir a função da mulher na Igreja com funções femininas nas igrejas…

Sabendo que o assunto é árduo na reflexão e tortuoso nas consequências, deixamos alguns respigos da exortação apostólica ‘Evangelii gaudium’ do Papa Francisco sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual... mais como flashes do que como soluções.
«A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens. Por exemplo, a especial solicitude feminina pelos outros, que se exprime de modo particular, mas não exclusivamente, na maternidade. Vejo, com prazer, como muitas mulheres partilham responsabilidades pastorais juntamente com os sacerdotes, contribuem para o acompanhamento de pessoas, famílias ou grupos e prestam novas contribuições para a reflexão teológica. Mas ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Porque «o génio feminino é necessário em todas as expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho» e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais.
As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem iludir superficialmente. O sacerdócio reservado aos homens, como sinal de Cristo Esposo que Se entrega na Eucaristia, é uma questão que não se põe em discussão, mas pode tornar-se particularmente controversa se se identifica demasiado a potestade sacramental com o poder. Não se esqueça que, quando falamos da potestade sacerdotal, «estamos na esfera da função e não na da dignidade e da santidade». O sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus utiliza ao serviço do seu povo, mas a grande dignidade vem do Batismo, que é acessível a todos. A configuração do sacerdote com Cristo Cabeça – isto é, como fonte principal da graça – não comporta uma exaltação que o coloque por cima dos demais. Na Igreja, as funções «não dão justificação à superioridade de uns sobre os outros». Com efeito, uma mulher, Maria, é mais importante do que os Bispos. Mesmo quando a função do sacerdócio ministerial é considerada «hierárquica», há que ter bem presente que «se ordena integralmente à santidade dos membros do corpo místico de Cristo». A sua pedra de fecho e o seu fulcro não são o poder entendido como domínio, mas a potestade de administrar o sacramento da Eucaristia; daqui deriva a sua autoridade, que é sempre um serviço ao povo. Aqui está um grande desafio para os Pastores e para os teólogos, que poderiam ajudar a reconhecer melhor o que isto implica no que se refere ao possível lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja» (Cf. Papa Francisco, Exortação apostólica ‘Evangelii gaudium’ do Papa Francisco sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (2013), 103-104).
O caminho faz-se caminhando. Caminhemos de olhos postos naquilo que o Espírito Santo diz à Igreja…



António Sílvio Couto

sábado, 19 de abril de 2025

Mulheres no caminho do Calvário: compaixão para a conversão

 A compaixão move a estarmos em comunhão com o sofrimento dos outros... ao perto ou ao longe. Verónica e Maria, mãe de Jesus, estariam, certamente, entre estas mulheres no caminho do Calvário. Neste novo quadro da via-sacra somos confrontados com a sensibilidade feminina. Ainda a sentiremos, hoje? Não estará em crise ou em decréscimo, para não dizer, em descrédito?

«27 Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele. 28 Jesus voltou-se para elas e disse-lhes: «Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filho
s; 29 pois virão dias em que se dirá: 'Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram.' 30 Hão de, então, dizer aos montes: 'Caí sobre nós!' E às colinas: 'Cobri-nos!' 31 Porque, se tratam assim a árvore verde, o que não acontecerá à seca?» 32 E levavam também dois malfeitores, para serem executados com Ele» (Lc 23, 27-32).

Este é um texto próprio e específico do evangelho de São Lucas, evocando Zc 12,10-14: «Mas derramarei sobre a casa de David e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de benevolência e de súplica. Eles contemplarão aquele a quem transpassaram; chorarão por ele como se chora um filho único e lamentá-lo-ão como se lamenta um primogénito».

Como é possível que alguém, em extremo sofrimento – como esse que Jesus estava a viver há mais quinze horas ininterruptas e quase física e psicologicamente exausto – ainda consegue citar textos da palavra das Escrituras? Algo de muito forte O percorria e Lhe dava tal força e capacidade de leitura de tudo em ver em Deus!

Nas palavras que dirige às mulheres de Jerusalém, que O lamentam e por Ele se compadecem, Jesus cita Os 10, 8: «3Hão de, então, dizer aos montes: 'Caí sobre nós!' E às colinas: 'Cobri-nos!'», dando o evangelista uma interpretação daquele momento trágico que era vivido.

Segundo a tradição há – no desenrolar da via-sacra – a intervenção específica de duas mulheres – para além ou inseridas neste conjunto de ‘mulheres piedosas de Jerusalém’ – Maria, mãe de Jesus e Verónica: quer uma quer outra exemplificam, o mais corretamente possível, as atitudes de compaixão registadas pelas mulheres de Jerusalém. Se bem que o evangelista São João (Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, pp. 180-182) coloque Maria e outras mulheres junto da cruz de Jesus (cf. Jo 19, 25-29), não vemos referência alguma à sua presença, claramente, no caminho do Calvário. Será esquecimento ou temos de encontrar algo mais profundo no modo com que João nos querer falar? Seria possível incluir Maria na via dolorosa sem nos desviarmos do essencial? Atendendo a que dos discípulos não temos referência alguma – todos fugiram, à exceção de João – não deixa de importante que vejamos a presença de algumas mulheres no caminho do Calvário.

* Antes de mais: Maria, a mãe de Jesus, terá estado presente naquele momento trágico do caminho do Calvário (4.ª estação). De que forma, não saberemos, mas podemos supor na medida em que conheceremos o coração de uma mãe.

Deixamos, numa espécie de interpretação maternal, aquilo que o Papa emérito Bento XVI nos deixou através de orações alusivas ao caminho da cruz:

«Na Via-Sacra de Jesus, aparece também Maria, sua Mãe. Durante a sua vida pública, teve de ficar de lado para dar lugar ao nascimento da nova família de Jesus, a família dos seus discípulos. Teve também de ouvir estas palavras: «Quem é a minha Mãe e quem são os meus irmãos? (…) Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (Mt 12, 48.50). Pode-se agora constatar que Ela é a Mãe de Jesus não só no corpo, mas também no coração. Ainda antes de O ter concebido no corpo, pela sua obediência concebera-O no coração. Fora-Lhe dito: «Hás de conceber no teu seio e dar à luz um filho (…) Será grande (…) O Senhor Deus dar-Lhe-á o trono de seu pai David» (Lc 1, 31-32). Mas algum tempo depois ouvira da boca do velho Simeão uma palavra diferente: «Uma espada Te há de trespassar a alma» (Lc 2, 35). Deste modo ter-Se-á lembrado de certas palavras pronunciadas pelos profetas, tais como: «Foi maltratado e resignou-se, não abriu a boca, como cordeiro levado ao matadouro» (Is 53, 7). Agora tudo isto se torna realidade. No coração, tinha sempre conservado as palavras que o anjo Lhe dissera quando tudo começou: «Não tenhas receio, Maria» (Lc 1, 30). Os discípulos fugiram; Ela não foge. Ela está ali, com a coragem de mãe, com a fidelidade de mãe, com a bondade de mãe, e com a sua fé, que resiste na escuridão: «Feliz daquela que acreditou» (Lc 1, 45). «Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a terra?» (Lc 18, 8). Sim, agora Ele sabe-o: encontrará fé. E esta é, naquela hora, a sua grande consolação.
- Santa Maria, Mãe do Senhor, permanecestes fiel quando os discípulos fugiram. Tal como acreditastes quando o anjo Vos anunciou o que era incrível – que haverias de ser Mãe do Altíssimo – assim também acreditastes na hora da sua maior humilhação. E foi assim que, na hora da cruz, na hora da noite mais escura do mundo, Vos tornastes Mãe dos crentes, Mãe da Igreja. Nós Vos pedimos: ensinai-nos a acreditar e ajudai-nos para que a fé se torne coragem de servir e gesto de um amor que socorre e sabe partilhar o sofrimento» (Cf. Bento XVI/Cardeal Ratzinger, ‘Via-sacra - meditações e orações’, 9 de março de 2019 (4.ª estação).

* Outra figura, digamos da piedade popular, é Verónica – ‘vera icone’, isto é, verdadeiro rosto – surge na longa tradição do cristianismo como aquela que rompeu por entre a multidão e os soldados para ir limpar o rosto ensanguentado e a cabeça coroada de espinhos de Jesus. Em reconhecimento desta ousadia – diz a tradição – ficou impresso no lenço o verdadeiro rosto de Jesus. Em contraste – alguma brutalidade – com aquilo que veremos dos soldados, podemos observar a delicadeza (feminina, humana e espiritual) dessa mulher que ficou registada para sempre na memória do cristianismo.

Deixamos uma interpretação do Papa João Paulo II sobre esta figura da Verónica (5.ª estação), tanto sobre o passado, como para o presente e na dinâmica do futuro.

«A tradição fala-nos da Verónica. Talvez aquela complete a história do Cireneu. Na verdade, embora - mulher que era - não tenha levado fisicamente a Cruz nem a isso tenha sido forçada, o certo é que esta Cruz com Jesus, ela a levou: levou-a como podia, como lhe era possível fazer naquele momento e como lho ditava o coração, isto é, enxugando o seu Rosto.
A explicação deste facto, referido pela tradição, parece fácil também: no lenço com que ela Lhe enxugou o Rosto, ficaram gravadas as feições de Cristo. Precisamente porque estava todo ensanguentado e soado, podia deixar traços e lineamentos.
Mas, o sentido deste acontecimento pode ser interpretado também doutra maneira, se o analisarmos à luz do discurso escatológico de Cristo. Serão muitos, sem dúvida, aqueles que vão perguntar: "Senhor, quando é que fizemos isto?". E Jesus responderá: "Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (cf. Mt 25, 37-40). De facto, o Salvador imprime a sua imagem em cada ato de caridade, como o fez no lenço de Verónica» (Cf. João Paulo II, ‘Via-sacra no Coliseu’. Sexta-feira santa do ano de 2003 (6.ª estação). Valerá a pena recordar essa voz lancinante das procissões de Passos, que colocava nos lamentos de Verónica esse desafio: ‘ó vós todos que passais, olhai e vede, se há dor semelhante à minha dor’…

Não podemos esquecer as palavras com que Jesus adverte as mulheres de Jerusalém: «não choreis por mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos» (v. 28). Com efeito, para além de um mero sentimentalismo, é preciso conversão, na vida e com sinais de aferição a Jesus, à sua palavra/mensagem de acolhimento de Deus e uns dos outros…



António Sílvio Couto

quinta-feira, 17 de abril de 2025

28 anos depois voltei…à Sé em Braga

 

Depois de vinte e oito anos ao serviço da diocese de Setúbal – de 1997 a 2024 – regressei à celebração da Quinta-feira santa com
os membros do meu presbitério. Passei nas terras sadinas dois terços dos quarenta e dois anos de padre e agora é tempo de tentar acertar com o ritmo da nossa arquidiocese.

Sem querer dar quaisquer lições, deixo uma breve partilha de quem esteve fora e viu outras realidades, chegado agora tento aferir-me às condições e condicionantes da realidade e dos seus adereços.

 = Resenha do vivido em Setúbal

Embora nunca tenha deixado de pertencer ao clero bracarense, vivi com toda a intensidade possível e quase inimaginável as preocupações, necessidades e projetos de Setúbal. Tive quatro bispos no tempo que tive ao serviço de Setúbal – D. Manuel Martins, uns parcos seis meses: D. Gilberto Reis, cerca de dezassete anos; D. José Ornelas, uns sete anos… com um interregno de um ano e meio, tendo ainda estado sob a conduta de D. Américo não chegou a um ano.

Nesses tempos lá vividos servi em diversas instâncias – para além de pároco: treze anos em Sesimbra, Santiago e catorze na Moita, sede de concelho – e dada a escassez de clero, como vigário (corresponde aqui ao arcipreste), membro do conselho presbiteral e até do colégio de consultores.

Convivi com muitos dos padres mais velhos, que transitaram do tempo do patriarcado para a nova diocese, muitos deles de sabedoria e experiência pastoral, aliadas à indelével qualidade humana e espiritual. Recordo alguns desses padres: Agostinho, Ricardo, Jaime, Manuel Vieira, Manuel Marques, Júlio Nogueira, David, Sobral, Francisco Graça, Alfredo Brito, Manuel Frango e, mais recentemente, de modo surpreendente, Carlos Russo, falecido há menos de um ano com cerca de sessenta anos …

Nesses quase trinta anos vi serem ordenados – participei na quase totalidade dos momentos celebrativos – mais de trinta novos padres, alguns dos quais exercem tarefas relevantes dentro e fora da diocese. Momentos como a ‘escola da fé’ ou a celebração dos primeiros vinte e cinco anos de diocese, no ano 2000, ou até a colaboração em atos religiosos de índole popular… colaborei e ainda relevei, nas paróquias onde tive responsabilidade, como as conferências quaresmais e o revigoramento de outras tradições.

Para quem foi nomeado por um ano para prestar ‘serviço extra-diocesano’, os que vieram depois foram de aceitável fruto e boa captação…mesmo nas publicações editoriais, com mais de quarenta títulos e a participação em vários órgãos de comunicação social.

 = Expetativas atuais e para o futuro

Regressado ao espaço territorial e eclesial da arquidiocese de Braga, deu-se a coincidência de ser nomeado pároco da ‘unidade pastoral de Esposende poente’, que engloba as paróquias de Mar e Marinhas.

O tempo de diáspora foi bom para aprender outras coisas e ser confrontado com realidades diversas. Agora há toda uma necessidade de entender aquilo que ainda norteia o ‘nosso’ povo cristão, à mistura com atitudes de quase rejeição (tácita ou explícita) de alguns ‘valores’ tradicionais ou a roçar o tradicionalista. Não podemos confundir a árvore com a floresta, mas nesta nota-se mais as ervas daninhas do que as árvores que dão bom fruto…

Atendendo à velocidade a que muitas coisas acontecem torna-se sensível que saibamos discernir o essencial do secundário, aprendendo a compreender ‘os sinais dos tempos’ (GS 4) com humildade e abertura de mentalidade.

Chegado a esta idade sinto que ainda acredito numa Igreja onde os dons-carismas-ministérios podem ajudar a viver com sensibilidade ao Espírito de Deus, na sua diversidade e comunhão.

Isso de ‘Igreja sinodal’ é mais do que uma configuração circular, por oposição à visão piramidal, mas antes exige humildade e verdade cada um para consigo mesmo e de todos para com os outros…

Nunca fiz propostas para que outros executem. Quando proponho, quero e aceito fazer parte da solução e não para adiar o problema!       

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 14 de abril de 2025

‘Lava-pés’: sinal, imagem e missão

 

«Levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura. (…) Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também» (Jo 13,4-5.14-15).

Este excerto do evangelho segundo São João é de grande importância teológica, eclesial e espiritual para todos os católicos. Deixo uma breve reflexão sobre o tema, deixando ainda sugestões neste ano jubilar da esperança.

– O texto parece dever ter alguns ‘acertos’ de tradução. Onde se diz ‘levantou-se da mesa’, está no grego: ‘levantou-se da ceia’ (deipnon), como sendo a refeição principal ao cair do dia da família judaica e onde se partilhavam os momentos mais significativos ou, nalguns casos, se discutiam assuntos de interesse para os convivas.

– Outro aspeto que pode ser atendido para que não seja incluída a palavra mesa – ao menos no sentido que nós lhe damos – era a disposição das pessoas na configuração da refeição, pois os comensais comiam recostados sobre o lado esquerdo, comendo com a mão direita. Isso daria outra imagem daquilo que vemos nas representações ‘idílicas’ de tantos quadros alusivos à ‘última ceia’…

– A necessidade de lavar os pés na forma habitual era decorrente de que os caminhos da Palestina eram muito empoeirados e de que, como usavam normalmente, como calçado as sandálias os pés estariam naturalmente sujos. Repare-se nas recomendações de ablução para os atos sociais dos tempos de Jesus… Atos esses que se tornaram, em muitos casos, situações de natureza religiosa e quase de incidência ritual-legal.

– É neste contexto religioso-espiritual que escutamos o texto em que se dá o lava-pés, por certo uma grande surpresa para os discípulos, eles que até tinham estado a disputar, momentos antes, qual deles era o maior (cf. Lc 22, 25-27) e em que fervilhava na mente de Judas a forma de concretizar o projeto combinado com os sumos-sacerdotes e os oficiais do templo (cf. Mt 26, 14-16) de lhes entregar Jesus.

– De referir ainda que se nota um certo paralelo simbólico entre a unção dos pés em Betânia (cf. Jo 12, 1-9) com o lava-pés do cenáculo: ambos acontecem com um intervalo de dias dentro da semana da Páscoa: num como noutro caso dá-se oposição de Judas e de Pedro; uma e outra das ações têm uma perspetiva futura… Poderemos ver um díptico entre a unção dos pés e o lava-pés…

= A lição da toalha

Depois de se despojar do manto – na paixão será despojado das suas vestes à força – Jesus reveste-se de uma toalha (dention, em grego) que colocou à cintura, deitou água numa bacia e começou a lavar – numa posição subalterna à deles, poderemos dizer: de joelhos diante de cada um – os pés aos discípulos. Mais do que com palavras Jesus fala com gestos: Ele serve, embora seja ‘Senhor e Mestre’. Isso de lavar os pés era tarefa dos escravos e Jesus assume essa função para com os seus discípulos.

Jesus lava os pés e enxuga-os com a toalha. Uma nova vertente se pode interpretar desta ação profética de Jesus: se o lava-pés nos faz entrar no mistério da eucaristia – é liturgicamente o sinal da Quinta-feira santa – também podemos perscrutar a necessidade do batismo o que se pode depreender do diálogo entre Jesus e Pedro (cf. Jo 13, 6-10): «Se eu não te lavar, não tens parte comigo» (v. 8b). Isto é, se Pedro não se submetesse a Jesus naquele ato, os dois não teriam comunhão. Pedro, então, respondeu: «Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça» (v. 9). Por seu turno, Jesus diz-lhe: «Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés; quanto ao mais está todo limpo».

= Da imagem à missão

Retomada a normalidade da ceia (v. 12), Jesus vai ajudar, interrogativamente, os seus discípulos a colher as lições apontadas:

– Compreender corretamente o sinal, essa imagem de um Deus que se faz servo e que lava os pés. Esse sinal exige capacidade de fé para que possa manifestar esperança pela caridade… nem Judas teve um tratamento diferente, isto é, nem mesmo os ‘traidores’ (ou cobardes) deixam de ser irmãos.

– O que significa lavar os pés uns aos outros? Por quem devemos começar? Não deveria ser por quem nos está mais próximo (família, trabalho, Igreja)? Não deveria ser a esses que conhecemos ou que pensamos conhecer nos defeitos? Nos rituais de ‘5.ª feira’ não andaremos a encenar ‘lava-pés’ para escolhidos e pré-santos? Onde estão os que nos ofendem ou pensamos que tal nos fizeram? Não andaremos a adular-nos uns aos outros em vez de nos servirmos com humildade e em verdade?

= O lava-pés, neste ano jubilar da esperança, deverá ajudar-nos a sair do conforto do ritual já feito para ousarmos viver e testemunhar a novidade de sabermos lavar, hoje, os pés e de os enxugarmos uns aos outros, à semelhança de Jesus.



António Sílvio Couto

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Discussões sobre calvície

 

Estávamos num debate frente-a-frente entre dois chefes de partidos algo antagónicos na visão ideológica e política quando um deles atirou: se perguntarmos a RR como se resolve o problema da calvície em Portugal, eu tenho a certeza que o RR dirá: baixando um imposto... Ao inquirir o que o outro faria, aquele retorquiu que o adversário (PNS) haveria de defender que a calvície se resolveria com mais um imposto... A troca de galhardetes continuou até terem atingido quinze minutos de ‘ideias’ cada um e ficar tudo igual ao antes disputado.

1. Será que a calvície se resolve com mais um ou menos um imposto? Será que com esse mais ou esse menos não trará calvície a quem seja submetido ao aumento de impostos? Este argumentário é sério ou quiseram introduzir alguma ligueireza nos temas a debater com mais ou menos cabelo? Não será que a seriedade das coisas se pode medir pelos assuntos adventícios aduzidos ao debate? Distrações servem de fait-divers para não dizer o que é preciso...

2. Os tempos não correm de feição para quem pretenda tomar as rédeas do país. Mais as coisas de fora do que as intestinas importa analisar com verdade e serenidade. Nunca por nunca haverá eleições cruciais ou que depois delas seja o fim... só se for de algum dirigente derrotado. Com efeito, cada eleição - seja qual for a instância ou a abrangência (nacional, regional, autárquica ou presidencial) - está inserida no seu tempo histórico e psicológico. As últimas são sempre as mais importantes, embora as devamos, posteriormente, analisar à luz de outras em contextos, por certo, diversos e também significativos.
Como seria fulcral que se deixasse de fulanizar as discussões e se centrassem os intervenientes nas ideias e nas propostas bem avalizadas para o futuro. Por vezes criam-se certas cortinas de fumo que só servem de distração do essencial, levando a perder tempo e a saturar quem quer ser esclarecido para uma escolha consciente e informada.

3. As máquinas de propaganda - rotuladas de gabinetes de imagem ou de comunicação social - instruem (dão indicações e ordens) aos candidatos, fazendo com que mais parece um jogo de marionetas do que uma ação humana com pessoas tiradas de entre o povo normal. Com os recentes debates isso é mais manifesto e quase se pode aferir de um para outro dos combates...

4. Já lá vai o tempo dos comícios e manifestações ou de caravanas automóveis percorrendo as ruas e as estradas…ou mesmo as arruadas. Hoje a matéria de comunicação está sob a alçada dos meios de internet. Os métodos de fazer campanha mudaram e as circunstâncias muito mais, mas os objetivos persistem: angariar votos para que o projeto apresentado seja vencedor e possa haver solução para os problemas de cada época...

5. Aquando da convocação das próximas eleições legislativas, o bispo de Setúbal fez publicar uma nota pastoral da qual vamos extrair breves excertos.
«Desejo apelar à participação política de todos vós, nas várias eleições que se avizinham: Legislativas, Autárquicas e Presidenciais. (...) Mais que slogans vazios e ocos, procuremos escutar e dialogar com quem fale dos problemas reais e das respetivas soluções, como é o caso da saúde, da educação ou da habitação; os pensionistas, os estudantes, os jovens, os trabalhadores, os precários, os migrantes, a preocupação com a sustentabilidade da segurança social, com a mobilidade, a ecologia integral. Escutar aqueles que, com verdade, não escondem a dificuldade do caminho e do processo e não embarcam em soluções mágicas, fantasiosas e imediatas. Na verdade, escutar aqueles para quem a pessoa, cada pessoa, é o centro e a razão primeira do tão nobre exercício da política».
Lendo e refletindo sobre estas palavras-escritas de D. Américo Aguiar assim consigamos esclarecer-nos, decidir e votar. A abstenção é nitidamente a arma dos cobardes, sempre!



António Sílvio Couto

terça-feira, 8 de abril de 2025

Povo cigano – identidade, cultura e direitos

 


A 8 de abril, celebra-se o ‘Dia internacional dos ciganos’ como oportunidade para a reflexão sobre a identidade, a cultura e os direitos das comunidades ciganas.

Segundo a mensagem, publicada pela obra nacional da pastoral dos ciganos «esta data é também uma ocasião para reconhecer e valorizar a história, a cultura e a identidade do povo cigano, parte integrante da riqueza e diversidade da nossa sociedade. Ao mesmo tempo, é essencial lembrar os desafios persistentes que muitas pessoas ciganas ainda enfrentam no acesso a direitos fundamentais como a educação, a saúde, a habitação e o emprego».

Eis as linhas principais que esta obra católica de trabalho com os ciganos, em Portugal, propõe:

* Promover a igualdade de oportunidades na educação é garantir que todas as crianças e jovens, independentemente da sua origem, possam sonhar, aprender e construir o seu futuro em condições de igualdade.

* Assegurar o acesso equitativo à saúde é um imperativo de justiça social, que exige o combate às barreiras, aos preconceitos e às discriminações.

* Garantir condições dignas de habitação é respeitar o direito de todas as famílias a viverem com segurança, conforto e estabilidade.

* Fomentar o acesso ao emprego é essencial para promover a inclusão, a autonomia e o desenvolvimento sustentável das comunidades ciganas.

= Embora haja uma dita ‘Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas’ dá a impressão – pelas palavras escritas pelo diretor da obra católica – parece que se verifica algum atraso na renovação e implementação dessa estratégia no terreno… «A Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas deve representar um esforço nacional concertado para garantir às pessoas ciganas o acesso equitativo aos direitos fundamentais. Contudo, a sua eficácia depende do envolvimento de todos: instituições, sociedade civil, comunidades locais e cada um de nós».

= Agora que estamos em tempo de ‘campanha eleitoral’ seria bom que os partidos e os políticos de todas as ideologias dissessem o que pensam sobre esta etnia, sem rodeios nem preconceitos, antes de mais, se for o caso, como cidadãos nacionais e europeus, com direitos e obrigações, sem guetos nem favelas, mas integrados na sociedade e nas populações com normalidade. Os itens supra citados – educação, saúde, habitação ou emprego – deveriam fazer parte de todas as propostas eleitorais, tornando, deste modo, os ciganos, pessoas que merecem o nosso respeito e que devem respeitar os seus concidadãos.

= Quais são ou podem ser os contributos da Igreja católica para a melhor inserção do povo cigano na sociedade? Que tem sido feito já para que isso aconteça na normalidade da cidadania e na eclesialidade? O pouco que pode ter sido feito tem sido valorizado pela sociedade política e as suas implicações básicas?

Citamos, novamente, um excerto da mensagem do responsável da ‘pastoral nacional dos ciganos’: «Em plena caminhada sinodal da Igreja [católica] e no contexto do Jubileu da Esperança, este dia convida-nos a olhar com mais atenção e responsabilidade para as comunidades ciganas, tantas vezes colocadas nas margens da sociedade. O Jubileu é tempo de renovação espiritual, de reconciliação e de compromisso com os mais esquecidos. É também um apelo à construção de pontes e à abertura do coração a todos, sem exceção. Que continuemos a caminhar juntos, com espírito de diálogo, abertura e confiança no futuro».

= Todos somos chamados a fazer a nossa parte. Assim o vivamos com responsabilidade e verdade!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Morrem sós na cidade

 

Os números estão publicitados e não enganam: de acordo com os dados fornecidos pela força policial, presente nas cidades e em vilas de maior dimensão, em 2022 morreram sozinhas em casa 258 pessoas com mais de 65 anos, em 2023 outras 237 e em 2024 mais 262, num total de 757... do conjunto de mortes, 60% (455) eram de homens e 40% (302) de mulheres. Por seu turno, a GNR (força de segurança pública fora das cidades) sinalizou entre um de outubro e 15 de novembro, do ano passado, 42.873 idosos que viviam sozinhos ou isolados, ou em situação de vulnerabilidade, no âmbito da Operação Censos 2024. Os distritos de Vila Real (5.153), Guarda (5.606), Faro (3.496), Bragança (3.367) e Viseu (3.325) foram os distritos nos quais mais idosos foram sinalizados.

1. Colocados estes dados à consideração podemos interrogar-nos: quais as causas deste isolamento dos mais velhos? Tem sido pensada alguma solução para atenuar este tema ou andamos a entreter-nos com placebos e não enfrentamos as questões a sério? Mesmo que os dados nos apontem para uma litoralização populacional, o que explica a solidão (e morte) nas cidades? Serão esses idosos parte da manipulação dos mais novos sobre os mais velhos, catando-lhes a reforma e deixando-os ao abandono no intervalo? Não estaremos a semear aquilo que havemos de colher, mais depressa do que tarde?

2. Nos livros de leitura da escola primária sob o regime anterior lia-se esta velha fábula do ‘levar o pai ao monte’, situada na região do Alto Minho. Adaptando a estória à linguagem, eis um resumo:

Em tempos era costume nalgumas terras da serra do Soajo levarem os filhos os pais velhos, que já não podiam trabalhar, para um monte e deixarem-nos lá morrer à míngua. Ora um rapaz, seguindo aquele costume, levou o pai às costas, pô-lo no monte e deu-lhe uma manta para ele se resguardar do frio até morrer e ainda uma broa de pão para se alimentar. O velho disse, então, ao filho: tens por acaso uma faca contigo?
Tenho, sim, senhor, respondeu o filho, e para que a quer? Para que cortes ao meio esta manta que me estás a dar… Guarda uma metade para ti para quando o teu filho te trouxer para este lugar. O filho ficou pensativo e tomando de volta o pai às costas, trouxe-o para casa, fazendo, assim, com que esse desumano costume desaparecesse…

Nos livros moralistas daquela época se referia o quarto mandamento da Lei de Deus na referência ao honrar pai e mãe e outros legítimos superiores…

3. Nem com o crescimento da longevidade se percebe a mudança de mentalidade – no sentido etimológico do termo: ‘ser ou estado da mente’ – de tantos que propõem regras e medidas de acolhimento, de defesa e de cuidado para com os mais velhos… como se eles, a continuarem as condições de saúde e de segurança, não venham a ter também a categoria de ‘velhos’… na idade.

Segundo o resultado dos ‘Censos/2021’, Portugal tem 2.424.122 pessoas com 65 anos ou mais (23,4%) e 1.331.396 com menos de 15 anos (12,9%). Há 5.500.951 pessoas com idades entre os 25 e os 64 anos (53,2% do total da população) e 1.088.333 com idades entre os 15 e os 24 anos (10,5%).

4. Apesar destes dados sociais algo reveladores daquilo que somos e de quanto nos espera, não vemos por parte dos partidos políticos – mesmo nas propostas para as próximas eleições – grandes inovações para com os idosos no após-tempo-da-reforma. Onde estão as sugestões para que haja condições de cuidado em casa ou em lares? Teremos de estar exclusivamente sob a condução da iniciativa privada, quando muitos desses idosos se gastaram em serviço público? Por que há tanta relutância em conciliar mais abertamente as iniciativas da ‘economia social’ com os investimentos estatais? Não estaremos ainda sob uma alçada estatal para quem as pessoas não sejam o melhor do património, mas as coisas materiais de antanho, por muito valorizadas que pretendam ser? Urge, por isso, uma mudança de mentalidade, já!



António Sílvio Couto

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Quando (regularidade) me devo confessar?

Por ocasião deste tempo da Quaresma podem (ou devem) surgir questões sobre este tema da ‘confissão’, não só no sentido estrito como na dimensão mais ampla e significativa da vivência do sacramento da Penitência.

Num tempo em que percebemos um certo ‘descrédito’ ou menosprezo deste sacramento da Penitência e Reconciliação parece ser oportuno ir às raízes das questões (depois da vivência de outros tempos), sem subterfúgios nem desculpas mais ou menos consistentes.

Nos tempos mais recentes este sacramento foi ‘atacado’ de diversas formas, criando preconceitos, senão mesmo obstáculos à sua vivência de simplicidade e de compromisso em conversão. As questões derivadas dos processos de ‘abuso sexual’ geraram engulhos um tanto difíceis de ultrapassar, sobretudo por parte de quem tenha menos boas (ou mesmo más) experiências. No entanto, isso não pode servir de labéu para com todo o conjunto de graça de Deus que faz em nós a celebração do perdão.

Há décadas que se dizia: por cada confessionário que se fechava abriam vários consultórios de psicólogos ou de psiquiatras. Hoje tal realidade é ainda mais agravada e pode querer manifestar que o dom gratuito do sacramento do Perdão (envolvendo a escuta e a aceitação da absolvição divina) é, por vezes, negligenciado pelos crentes e, sobretudo, pelos católicos praticantes.

= Resumindo as etapas da celebração do sacramento da Penitência e Reconciliação naquilo que se refere aos atos do penitente. «A penitência leva o pecador a tudo suportar de bom grado: no coração, a contrição; na boca, a confissão; nas obras, toda a humildade e frutuosa satisfação» (Catecismo da Igreja Católica n.º 1450).

= Fixemos a atenção naquilo que à parte da confissão se refere:

- A confissão (a acusação) dos pecados, mesmo de um ponto de vista simplesmente humano, liberta-nos e facilita a nossa reconciliação com os outros. Pela confissão, o homem encara de frente os pecados de que se tornou culpado; assume a sua responsabilidade e, desse modo, abre-se de novo a Deus e à comunhão da Igreja, para tornar possível um futuro diferente (CIC 1455).

- A confissão ao sacerdote constitui uma parte essencial do sacramento da Penitência: «Os penitentes devem, na confissão, enumerar todos os pecados mortais de que têm consciência, após se terem seriamente examinado, mesmo que tais pecados sejam secretíssimos e tenham sido cometidos apenas contra os dois últimos preceitos do Decálogo; porque, por vezes, estes pecados ferem mais gravemente a alma e são mais perigosos que os cometidos à vista de todos» (CIC 1456).

- Segundo o mandamento da Igreja, «todo o fiel que tenha atingido a idade da discrição, está obrigado a confessar fielmente os pecados graves, ao menos uma vez ao ano». Aquele que tem consciência de haver cometido um pecado mortal, não deve receber a sagrada Comunhão, mesmo que tenha uma grande contrição, sem ter previamente recebido a absolvição sacramental; a não ser que tenha um motivo grave para comungar e não lhe seja possível encontrar-se com um confessor. As crianças devem aceder ao sacramento da Penitência antes de receberem pela primeira vez a Sagrada Comunhão (CIC 1457).

- Sem ser estritamente necessária, a confissão das faltas quotidianas (pecados veniais) é contudo vivamente recomendada pela Igreja. Com efeito, a confissão regular dos nossos pecados veniais ajuda-nos a formar a nossa consciência, a lutar contra as más inclinações, a deixarmo-nos curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito. Recebendo com maior frequência, neste sacramento, o dom da misericórdia do Pai, somos levados a ser misericordiosos como Ele (CIC 1458).

= Perante estas orientações da doutrina da Igreja católica precisamos de refletir sobre a vivência de cada um de nós deste sacramento. Vivo-o com regularidade? Sinto nele libertação e caminho de paz? Aprecio Deus misericordioso e a Igreja mãe de compaixão, quando vivo este sacramento?



António Sílvio Couto

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Imbecis à solta…

 


Decorridos vinte e cinco anos sobre a primeira edição do ‘BB’ somos confrontados com dúzias e dúzias de imbecis lançados ao conhecimento público, sem contarmos com outros tantos programas afins que foram promovendo muitos mais imbecilizados sem rota nem designação. Efetivamente, alguns canais televisivos foram pioneiros em fazer de desconhecidos ‘figuras’ da vida social, ao menos dentro de uma certa bolha mais ou menos fútil e acrítica. À média de vinte concorrentes por programa, já foram lançados pelo BB cerca de quinhentos figurões, a maior parte do anonimato para a ribalta…

1. Se atendermos a outros pseudo-programas de entretenimento no mesmo canal quase um milhar de pretendentes a desconhecidos, tornaram-se uma espécie de imbecis à procura de fama e da captação de algum dinheiro para viverem na preguiça como profissão. Com efeito, o prémio do programa atual ascende a cem mil euros, fascinando os mais incautos e/ou pretendentes a serem ‘heróis’ por uns breves segundos. Por seu turno, os apresentadores – têm sido figuras da estação em causa – enquadram-se perfeitamente na futilidade do programa, desde longa data.

2. O que faz correr tanta gente para este tipo de programas? Se no princípio se poderia justificar a ignorância sobre o modelo, agora percebe-se um tanto melhor por onde andam os critérios, os valores e mesmo a moral-ética. Por que expõem as pessoas a sua vida, por um punhado de euros ou por precisarem de sair da turba, destacando-se pelas piores razões? De facto, muitas das pessoas que concorreram ao BB e sequazes deixaram de ter vida privada, mesmo pelas causas mais banais e quase ridículas. As várias tentativas de explorar o escândalo – mesmo ou essencialmente no âmbito sexual – foram notadas, com emparelhamentos e casórios a posteriori. Poucos vingaram com honestidade, simplicidade e verdade…

3. Estes vinte e cinco anos da nossa História foram assinalados com muitas mudanças, acompanhadas com a difusão de certos meios de intromissão na vida de todos e acerca de tudo: as ditas redes sociais, com os pretensos influencers e adstritos, as campanhas de denúncia anónima em quase todos os campos da ‘nossa’ vida social e privada, a banalização do relacionamento entre as pessoas (desde o mais sério ao menos comprometedor), a saída do armário de certos comportamentos (os programas foram disso reflexo contencioso), as conflitualidades rácicas e de xenofobia, a exaltação do eu sobre o nós (como consequência da crise do covid-19), a polarização ideológica entre os extremos…foram alguns dos fatores de mudança e, na maior parte dos casos, de confusão e até de convulsão.

4. O equilíbrio entre a vida privada e a exposição às questões públicas sempre foi algo sensível e nem sempre de boa gestão. Que dizer e/ou mostrar? Como dar a conhecer e não permitir a invasão da privacidade? Qual a barreira entre o resguardo da vida privada e a aceitação da exposição pública? Onde está o bom senso e a vulgaridade? Não andaremos a substimar o que é específico para embarcar naquilo que parece excecional? Na confluência entre o que se pode mostrar e o que se deve poder ver, não andaremos a inverter as prioridades mais simples e básicas?

5. Mesmo que pareça um tema algo anacrónico para alguns, o pudor deve ser cultivado, vivido e incentivado com responsabilidade mínima e suficiente. Com se define, então, o pudor?

«O pudor protege o mistério da pessoa e do seu amor. Convida à paciência e à moderação na relação amorosa e exige que se cumpram as condições do dom e do compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia. Inspira a escolha do vestuário, mantém o silêncio ou o recato onde se adivinha o perigo duma curiosidade malsã. O pudor é discrição» (Catecismo da Igreja Católica n.º 2522).

6. Todas estas questões não serão reflexo da falta de educação e de vivência do correto sentido do pudor?





António Sílvio Couto

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