As imagens transmitidas pela televisão horrorizam qualquer ser humano mais básico: pessoas a serem transportadas pior do que gado para aviões, aplicando-lhes processos de vexame ao raparem-lhes o cabelo, amarrados com correntes, vestidos em uniforme e empurrados de modo abjeto. Por muito pouco que se possa concordar com o atual presidente dos EUA estas imagens corroem a indignidade, são mesmo aberrações da condição humana mais elementar. Independentemente do historial daquelas pessoas – dizem que podem ser criminosos perigosos, mas também meros imigrantes ilegais – nada justifica tal tratamento tão desumano.
1. Uns tentam fazer crer que aquilo é para consumo interno e fazendo parte do plano pré-eleitoral de expulsão dos milhões de imigrantes (ditos) ilegais. Outros consideram exagerado por parte de quem difunde tais castigos e consideram-nos atropelos à boa convivência social dos simpatizantes do agora ‘senhor da américa’. Outros ainda como que fazem entender a forma como aquele eleito presidente quer tratar tudo e todos, desde que lhe façam frente ou discordem dos seus intentos… Dá a impressão que está a crescer a ilegalidade das expulsões a efetuar, por estes dias, na medida em que se estará a verificar uma execução do processo de pessoas fora da cobertura da justiça, senão mesmo ao arrepio desta.
2. Por muito mau que possa ser um ser humano, não há direito de o aviltar ou ofender ainda mais na sua ferida dignidade. Quando descermos a esse estado de coisas, correremos o risco de confundir os papéis de quem quer cumprir o que prometeu, mas não tem meios nem força moral para o executar. Dá a impressão que se meteu tudo no mesmo saco – ilegais e criminosos, trabalhadores necessários para as tarefas da economia e possíveis marginais… Com tanta sanha persecutória corre-se o risco de cometer barbaridades, aberrações e de fomentar nova criminalidade, agora sob a tutela do estado.
3. Enquanto cristão sinto vergonha de que haja pessoas naquele processo que se afirmem cristãos e alguns se apelidam de católicos praticantes. Desde a primeira hora, o Papa Francisco tem denunciado e contestado aquele método de querer conduzir um país, que, afinal, se alguma coisa é ou significa, foram os mais variados emigrantes que o fizeram e o sustentam. Certas ideias já fizeram muito mal à Humanidade, com milhões de vítimas ao longo do século XX: as duas guerras mundiais, as perseguições coletivistas de pendor marxista, as lutas tribais no continente africano, as guerrilhas latino-americanas… tudo deixou um rasto de morte e de ofensa à dignidade da pessoa humana, tenha a condição ou a configuração que possa apresentar.
4. Lemos num dos evangelhos dominicais desta quaresma (Lc 13,1-9):
«Disse então ao vinhateiro: ‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontro. Deves cortá-la. Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’
Mas o vinhateiro respondeu-lhe: ‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
A maior conversão à dignificação da pessoa. A maior urgência está em levarmos a sério os avisos de Deus. O melhor resultado está em sermos, uns para os outros, sinais e presença divinizada em gestos, palavras e atitudes.
De facto, Deus espera de cada um de nós frutos que condigam com as graças, dons, possibilidades e bênçãos recebidos. Será que tenho correspondido a tudo isso que Deus me concedeu? Por que me custa tanto a deixar-me converter? Tenho sabido corresponder àquilo que Deus me dá ou desbarato tudo isso de forma ingrata?
5. Os episódios do outro lado do Atlântico fazem-nos refletir sobre a vulnerabilidade da pessoa humana, tanto de quem governa como de quem é governado: todos somos humanos e merecemos respeito, particularmente quando estamos em situação de fragilidade… e os imigrantes, refugiados e perseguidos são disso claro sinal. Hoje são eles, amanhã podemos ser nós!
António Sílvio Couto
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