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domingo, 19 de maio de 2024

Liberdade de expressão’: do direito ao bom senso

 


Lemos na Constituição da República Portuguesa sobre a liberdade de expressão e de informação:

«1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos» (artigo 37.º).

1. Diante deste articulado da designada lei básica do país, podemos e devemos questionar a mais recente polémica vista no Parlamento quanto à atitude do presidente do mesmo que considerou que não iria exercer qualquer censura para com nenhum deputado na expressão das suas ideias, sejam elas quais forem, usando a linguagem que ele considere mais adequada à sua liberdade de expressão...
O que vimos foi uma caterva de defensores de pequenas censuras – dessas que não se dá por elas, mas que farão engulho na engrenagem da comunicação – segundo uns certos critérios mais ou menos consagrados como tabus, como se estes fossem mais importantes do que a forma de viver e de se exprimir em liberdade. Dá a impressão que se pode falar de tudo, à exceção daquilo que uns tantos não querem que se possa falar livre e responsavelmente... A tala da censura continua a fazer vítimas, desde que sejam do outro lado da barreira ideológica mais primária e quase deprimente.

2. Onde fica, então, a fronteira entre dizer que o apetece e o assumir das consequências daquilo que é dito? Por onde anda a certeza de que os outros têm os mesmos direitos que reclamo para mim? Não será que certas posições sobre a liberdade de expressão ainda não sacudiram os preconceitos dos tempos que mediaram entre 25 de abril de 74 e 25 de novembro de 75? Não faltará uma boa dose de bom senso para que as armas usadas contra os adversários podem voltar-se contra quem as empunha?

3. Os tempos – sociais, culturais, económicos, laborais e cívicos – mudam, mas há quem seja tão fixista que só tente usufruir daquilo que lhe convém, podendo impedir que outras ideias sejam confrontadas, ao menos quando formos chamados a votar, por ocasião das eleições. Quantas vezes e de forma bastante rápida mudam as maiorias, tornando-se quase residuais quando sufragadas. Quem não se recorda da força de certos partidos de esquerda em vários países da Europa (democrata há decénios) e hoje nem lugar encontram nos resultados obtidos nas votações? Certos saudosistas desse passado (para eles) glorioso, continuam a fazer a mais triste figura do ‘velho do Restelo’, lamentando-se e definhando amargurados...

4. Na sua sabedoria provada pela experiência de vida, o nosso povo diz: não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe! Assim, quem antes cantou vitória, em breve poderá chorar na derrota. Quem subiu também pode descer mais depressa do que julga. Quem não cuida dos interesses alheios com dignidade não espere que cuidem dos seus quando estiverem na mó de baixo ou mesmo debaixo da mó...

5. Num país, que se alguma coisa é no contexto europeu e mundial, o deve aos que daqui saíram e foram em busca de melhores condições de vida, não se concebe que não saiba acolher quem aqui chega nem deixe de fazer aos outros o que exigiram que fizessem aos nossos quando emigraram. Faz-me lembrar novamente a estória do neto que pergunta ao avô: é verdade que nós já demos novos mundo ao mundo e agora estamos pior do que os outros? Ao que o ancião respondeu: sabes, neto, nós somos descendentes dos que ficaram... isto é, dos que não arriscaram e, por isso, não saíram de cepa-torta...



António Sílvio Couto

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