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quarta-feira, 8 de maio de 2024

‘Ir a pé’ (Fátima, Santiago, etc) – leituras e interpretações

 

Por estes dias ouvimos e vemos imagens de pessoas – de diversas idades – que caminham a pé para Fátima. Perante a variedade de razões como que emergem múltiplas explicações, escutamos diferentes interpretações, podemos dar-lhe imensas leituras, razoáveis significações... tanto pessoais (individuais) como de ou em grupo (mais ou menos extenso ou simbólico). Será que esta atitude de ‘ir a pé’ – seja a Fátima, seja a outro qualquer lugar religioso ou não – pode entrar no conceito de peregrinação? Esta implica algo de específico? As novas formas de ‘ir a pé’ inserem-se nalguma outra forma de estar na vida?

Sem pretensão de julgar nada nem ninguém ouso trazer ao questionamento esta nova forma de estar...mesmo dentro de uma certa vivência religiosa, mais ou menos cristã e católica em particular.

1. Se cada pessoa pode ter a sua motivação – por vezes nem sempre fácil de verbalizar de modo que os outros entendam ou compreendam – poderemos escutar milhentas explicações para encetar e viver este ‘ir a pé’ de um lugar para outro com maior ou menor sentido religioso, cultural e cívico. Fixemo-nos na experiência das pessoas que vão a Fátima ‘a pé’. Razões de índole íntima – mais do foro da consciência – como o reconhecimento por algum favor divino – a expressão ‘pagar uma promessa’ parece um tanto primária – ou por intenção de gratidão mesmo familiar. Outros dizem fazer esta participação de ‘ir a pé a Fátima’ por curiosidade ou ainda como forma de estar com outros caminhando em idêntica atitude. A valorização deste percurso para Fátima – à semelhança do que acontece com Santiago de Compostela – nota-se que já está culturalmente organizado com trilhos e caminhos assinalados e com indicações nas estradas e povoações por onde podem ou devem passar: tanto do norte como do sul encontramos sinais e propostas que facilitam a ‘viagem’. Já vai longe o tempo em que as pessoas iam à deriva, isto é, sem nada previsto e na confiança naquilo que lhe oferecessem, tanto comida como alojamento. Hoje nota-se, na maior parte dos grupos – alguns deles, na minha visão, com pessoas em excesso – que há estruturas de acompanhamento para as refeições e as pernoitas previamente cuidadas. Nalguns casos o tempo de descanso é já em hóteis reservados com meses de antecedência...

2. Uma das designações para com estas pessoas que vão a Fátima a pé, costuma ser a de ‘peregrinos’. Mas sê-lo-ão no sentido estrito do conceito? De facto, ser peregrino implica estar em caminho – tanto andando a pé como noutra forma de deslocação – de um lugar para outro. Nesse sentido estas formas de ‘ir a pé a Fátima’ encaixa no conceito lato de peregrino, mas poderemos e deveremos não deixar cair o termo numa descrição tão ampla que se esboroe a noção de peregrinação no sentido religioso e, porque não, na vivência cristã da experiência.
De facto, certas formas de ‘ir a pé a Fátima’ dão-nos uma alguma noção de fé que move tantas pessoas. No entanto, noutros casos não parece bem o que deveria ser, dado que mais parece uma extensão das habituais ‘caminhadas higiénicas’ ou para manter a linha de emagrecimento. Ora, algo deve ser refletido sobre este assunto ou, então, poderemos cair na banalização do tema e da sua vivência, podendo ser até pedra-de-escândalo para quem não tenha um mínimo de fé e que possa humorizar com o assunto.

3. Recordo uma frase que ouvi, há anos, a uma escritora portuguesa, por sinal não me parecendo desprovida de fé católica: em muitas coisas que ocorrem em Fátima parece que falta alguma dignidade na fé! Com efeito, certos gestos e sinais, alguns trejeitos e devoções, vários recursos e manifestações deixam escapar que a fé católica é muito mais do que aquilo... e mesmo, ao vermos idas a pé a Fátima, podem enquadrar-se nesta avaliação de não tal fiel dignidade para com Nossa Senhora e Deus.



António Sílvio Couto

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