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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Como viver deserto na cidade?

A Quaresma é um grande desafio à vida dos cristãos/católicos de hoje. Seguindo as palavras da mensagem do Papa Francisco para a Quaresma deste ano e tomando como incentivo o título do livro de Carlos Carretto (dos finais da década de 70 do século passado): ‘Deserto na cidade’, desejo apresentar uma singela proposta de vivência da Quaresma que não seja nem rotineira (repetindo tradições e devoções) nem tão pouco ronçosa (deixando correr o tempo) no conteúdo nem na forma.

1. O título da mensagem papal da Quaresma deste ano é: ‘Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade’.
- A Quaresma é o tempo de graça em que o deserto volta a ser o lugar do primeiro amor (cf. Os 2, 16-17). Deus educa o seu povo, para que saia das suas escravidões e experimente a passagem da morte à vida.
- Acolhamos a Quaresma como o tempo forte em que a sua Palavra nos é novamente dirigida (...). É tempo de conversão, tempo de liberdade. O próprio Jesus, como recordamos anualmente no primeiro domingo da Quaresma, foi impelido pelo Espírito para o deserto a fim de ser posto à prova na sua liberdade.
(...) O deserto é o espaço onde a nossa liberdade pode amadurecer numa decisão pessoal de não voltar a cair na escravidão. Na Quaresma, encontramos novos critérios de juízo e uma comunidade com a qual avançar por um caminho nunca percorrido.
- Mais temíveis que o faraó são os ídolos: poderíamos considerá-los como a voz do inimigo dentro de nós. Poder tudo, ser louvado por todos, levar a melhor sobre todos: todo o ser humano sente dentro de si a sedução desta mentira. É uma velha estrada. Assim podemos apegar-nos ao dinheiro, a certos projetos, ideias, objetivos, à nossa posição, a uma tradição, até mesmo a algumas pessoas.
- É tempo de agir e, na Quaresma, agir é também parar: parar em oração, para acolher a Palavra de Deus, e parar como o Samaritano em presença do irmão ferido. O amor de Deus e o do próximo formam um único amor. Não ter outros deuses é parar na presença de Deus, junto da carne do próximo.
- A forma sinodal da Igreja, que estamos a redescobrir e cultivar nestes anos, sugere que a Quaresma seja também tempo de decisões comunitárias, de pequenas e grandes opções contracorrente, capazes de modificar a vida quotidiana das pessoas e a vida de toda uma coletividade: os hábitos nas compras, o cuidado com a criação, a inclusão de quem não é visto ou é desprezado.

2. Recorremos à ‘oração coleta’ dos cinco domingos da Quaresma para perscrutar alguns dos lampejos de Deus nos desafios de cada uma destas orações comunitárias, em atenção à escuta da Palavra de Deus:
- 1.º domingo: Concedei-nos, Deus omnipotente, que, pela observância quaresmal, alcancemos maior compreensão do mistério de Cristo e a nossa vida seja dele um digno testemunho.
- 2.º domingo: Deus de infinita bondade, que nos mandais ouvir o vosso amado Filho, fortalecei-nos com o alimento interior da vossa palavra, de modo que, purificado o nosso olhar espiritual, possamos alegrar-nos um dia na visão da vossa glória.
- 3.º domingo: Deus, Pai de misericórdia e fonte de toda a bondade, que nos fizestes encontrar no jejum,
na oração e no amor fraterno os remédios do pecado, olhai benigno para a confissão da nossa humildade, de modo que, abatidos pela consciência da culpa, sejamos confortados pela vossa misericórdia.
- 4.º domingo: Deus de misericórdia, que, pelo vosso Filho, realizais admiravelmente a reconciliação do género humano, concedei ao povo cristão fé viva e espírito generoso, a fim de caminhar alegremente para as próximas solenidades pascais.
- 5.º domingo: Senhor nosso Deus, concedei-nos a graça de viver com alegria o mesmo espírito de caridade que levou o vosso Filho a entregar-Se à morte pela salvação dos homens.

3. A Quaresma não nos pode deixar indiferentes, tem, antes, de incomodar-nos interiormente, pelo constante apelo à conversão a Deus e aos outros, na linha das palavras do Papa: «oração, esmola e jejum não são três exercícios independentes, mas um único movimento de abertura, de esvaziamento», de deserto na cidade.



António Sílvio Couto

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