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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Voltar a levar Deus ao homem de hoje


«A Igreja é chamada, de facto, a confrontar-se com uma condição eclesial, social e cultural totalmente inédita em relação ao passado. Sabemos que vivemos dentro de um contexto caraterizado pela indiferença e pelo ateísmo prático. O secularismo defendeu a tese de viver no mundo, como se Deus não existisse» - referiu D. Rino Fisichella, nas jornadas de atualização do clero, que estão a decorrer em Albufeira, Algarve.

Subordinadas ao tema: ‘o homem caminho de Cristo e da Igreja’ estas jornadas reúnem mais de uma centena de padres e diáconos das dioceses ao sul do Tejo.

Nos primeiros dias – 28 e 29 de janeiro – teve especial intervenção o responsável do Conselho Pontifício para a promoção da nova evangelização, que apresentou duas conferências – ‘o homem em crise: o desafio das antropologias’ e ‘a autonomia das realidades temporais: secularismo e/ou secularização. Que evangelização para o mundo hodierno’.

Nesta segunda conferência, D. Rino Fisichella salientou que «tendo deixado Deus de parte, o homem do nosso tempo perdeu-se a si mesmo. Deus perdeu o seu lugar central e, consequência disso, também o próprio homem perdeu o seu lugar. É preciso voltar a levar Deus ao homem de hoje. É urgente mostrar a exigência de uma renovada apresentação da fé, que seja capaz de responder à pergunta escondida no mais profundo do coração de cada pessoa: como posso encontrar Deus?».  

= Questões essenciais de antropologia

Partindo da abordagem de questões de antropologia, o presidente do Conselho pontifício apresentou alguns aspetos para a reflexão dos clérigos reunidos em Albufeira.

Respigamos algumas das frases proferidas:

- ‘Não esqueçamos que o contexto cultural em que vivemos se alterou profundamente em relação ao passado. Nas últimas décadas podia falar-se legítima e facilmente de antropologias no plural, porque a visão do mundo era multiforme. O contexto de globalização e a cultura da internet impõem um modelo uniforme em que as diferenças são superadas pela perspetiva de uma antropologia de sentido único’.

- ‘A cultura digital, além de ter relativizado o conceito de verdade, parece que varreu os próprios conceitos de tempo e de espaço… A cultura da internet usa exatamente os nossos [da Igreja católica ]termos, mas com significados diferentes’.

- ‘Já está a caminho uma outra revolução, a individualista. Eliminada cuidadosamente a escatologia demasiado imanente do pensamento socialista, o fenómeno individualista avança com as suas pretensões, que vão impondo nas legislações, sem a mínima perceção do limite que consigo transportam. A escatologia individualista alimenta-se do alargamento da esfera privada, da progressiva erosão do compromisso social, da permanente exigência dos direitos e do desamor por toda a espécie de responsabilidade política’.

- ‘Lado a lado com o egoísmo e o individualismo apresenta-se hoje o fenómeno cultural do narcisismo… O que se está a verificar, de facto, é o cume do individualismo que, no caso do narcisismo, evidencia o nascimento de um traço até agora inédito do indivíduo nas relações consigo mesmo, com o próprio corpo, com os outros, com o mundo, enfim, um recurvar-se do homem sobre si mesmo, numa forma de autorreferencialidade que se torna norma de vida e critério de julgamento’.

- ‘Uma transformação antropológica que contempla a promoção de um puro individualismo que tende apenas para a valorização de si mesmo. Em poucas palavras, o ‘eu’ torna-se o umbigo do mundo, à volta do qual tudo gira… São vários os exemplos que se pode dar para evidenciar a tendência narcisista deste momento cultural. Uma primeira referência pode ser feita certamente à moda da selfie… Não podemos subestimar a elevação do corpo à condição de um verdadeiro objeto de culto… A condição narcisista não exclui o outro, mas deseja vê-lo contruído à sua medida e a seu gosto… As relações deixam de ser interpessoais para passar a ser inter-individuais’.

Numa palavra: ‘a Igreja é chamada a revigorar-se a si mesma naquilo que tem de essencial, como é o caso do anúncio missionário’… O caminho está em aberto, é longo e precisa de ser bem estudado, conhecendo o melhor possível homem/mulher deste tempo, a sua cultura e circunstâncias!

 

António Sílvio Couto

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