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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

‘Pai-nosso’ muda...em França


A partir do próximo primeiro domingo do Advento, 3 de dezembro, as palavras do Pai-nosso mudam em França. Assim em vez de «Ne nous soumets pas à la tentation» (não nos submetais à tentação) passará a rezar-se: «Ne nous laisse pas entrer en tentation» (não nos deixeis entrar/cair em tentação).
Esta decisão da conferência dos bispos franceses foi tomada em março passado, após aturado processo de diálogo – mais de dezassete anos de trabalho – com a Congregação para o culto divino em Roma.
Será uma questão de palavras ou estará subjacente outra leitura teológica e religiosa nesta mudança das palavras da 6.ª petição do ‘Pai-nosso’ em francês?
Ora, na tradução litúrgica portuguesa já seguimos a linha de pensamento e de oração agora avalizada para França, colocando o acento em ‘não cairmos na tentação’ e rejeitando a leitura de sermos submetidos, por Deus, à tentação.
Em latim a sexta-feira petição do Pai-nosso, extraído do texto de Mt 6,9-13 diz: «et ne nos inducas in tentationem». Se atendermos ao verbo grego que está em causa nesta etapa da oração - ‘eisphèrô’ (levar a, fazer entrar) poderíamos traduzir por: ‘não nos induzas ou leves à tentação’ ou ainda ‘não nos faças entrar em tentação’... Ora a tradução usada, em França desde 1966, - ‘não nos submetas à tentação’, parecia-nos fazer supor uma certa responsabilidade de Deus na tentação que levaria ao pecado, como se Ele pudesse ser o autor do mal... Os protestantes franceses (luteranos e reformadores) já tinham modificado, em 2016, a sua tradução sobre esta petição do Pai-nosso.
= Atendendo a todo o processo que levou a Igreja católica em França a fazer esta mudança na 6.ª petição do Pai-nosso, podemos e devemos sugerir que se faça uma reflexão sobre este assunto: a quem compete atribuir a vivência/experiência da tentação? Como podemos incluir Deus nesta atribuição, se é Ele quem, pela força do seu Espírito em nós, desde o batismo, nos concede as graças necessárias e suficientes para resistirmos e vencermos a tentação?
Mesmo sem ainda fazermos ligação à 7.ª petição - ‘mas livrai-nos do mal’ - poderemos já questionar quem é essa ‘força’ que nos cria enredos, em nós e à nossa volta, para cairmos na tentação. O próprio termo ‘satanás’ – cujo significado etimológico quer dizer: adversário, opositor, tentador – pode e deve ser incluído nesta experiência de tentação em que somos, tantas vezes, colocados pelas forças do mal… de forma explícita ou camuflada.
Ao pedirmos para ‘não cairmos na tentação’ estamos a reconhecer que há alguém mais forte do que as forças humanas que nos faz reconhecer que precisamos de ajuda para vencer a tentação...essa contínua condição em que vivemos enquanto estivermos na contingência terrena de fragilidade e até mesmo de fragilização.
= Talvez o percurso que fez a Igreja francesa nos possa servir de alerta em ordem a adequarmos as fórmulas litúrgicas e de oração comunitária às condições de vida, sabendo que a oração emerge da vida e a vida se repercute na oração.
Passados mais de cinquenta anos sobre  Concílio Vaticano II continuamos a precisar de ir à fontes que nos fizeram rever, aprofundar e acertar o nosso modelo de Igreja – ‘santa dos pecadores’ – onde cada um faz a descoberta da riqueza que nos une, nessa adequação a cada tempo da mensagem do Evangelho.
Do muito já feito, precisamos de mergulhar na graça, em ordem a sermos, verdadeiramente, um povo messiânico e com critérios de renovação em que cada circunstância. Parar será andar para traz e, desgraçadamente, temos muito a recuperar em tantos dos fiéis, sejam clérigos ou leigos e até religiosos! 

= Aprender a rezar, consciente e atentamente, o Pai-nosso faz com que vivamos numa atitude de humildade para connosco mesmos e para com os outros, pois estes ajudam-nos a estarmos sempre mais abertos aos outros, deixando-nos ajudar a rezar o Pai-nosso como oração da família de Deus, sendo todos filhos do mesmo Pai e irmãos uns para com os outros…

 

António Sílvio Couto

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