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quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Bátegas de chuva ácida…


 
O país parou estupefacto: nova vaga de incêndios – nas zonas centro e norte do continente – deixou mais vítimas mortais… No espaço de quatro meses – de junho a outubro deste ano – morreram vítimas dos incêndios mais de cem pessoas, muitas delas encurraladas em suas casas, outras tentando fugir dos fogos e bastantes em consequência da deficiente ajuda que não lhes foi dada.

Os meios utilizados no socorro nem sempre foram considerados adequados. As forças de combate, por vezes, sofreram de descoordenação. As chamas reinaram horas de mais, calcinando terras, corpos, almas e memórias.

De quem tinha a obrigação moral, cívica e política nem sempre vimos – sobretudo nesta fase de outubro – pessoas com sentido de responsabilidade adulta e assumida, escondendo-se, antes, por entre números estatísticos, numa apresentação sem emoção e quase fazendo um frete a quem lhes paga e que merecia mais respeito, educação e cidadania.

Dum chefe de governo vindo dalguma prova de surf – bem penteado e num estado quase zen – não entendemos se tinha algo a comunicar ou se já caiu em coma pelo fardo de ter vencido as últimas eleições autárquicas com a incapacidade de ser e de estar com os que sofrem… Falta-lhe nitidamente ter sido provado no cadinho da dor, porque embalado nas peias – também poderão ser até as teias – do poder… a médio prazo. Talvez saiba – foi aprendendo – algo de economês, mas não tem a sensibilidade em ser cortês em palavras e em gestos humanos… mínimos e suficientes. Destes robôs de política não precisamos nem apreciamos…

Por seu turno, o inquilino do palácio de Belém tem vindo a aprender com alguns dos (seus) erros: antes, em junho, foi a toda a pressa para se mostrar nas notícias, agora conteve-se e avaliou os factos, as causas e, sobretudo, as consequências. Falou, desta vez, a partir da sua autoridade de magistrado máximo da nação e não se deixou tão facilmente enredar nas tricas de governação…embora tenha sido muito contundente sobre esta. Irmanou-se com a fragilidade daqueles que sofreram as provações…embora tenha traçado, com suficiente clareza, as linhas de condução que espera que sejam respeitadas…mesmo sem as campanhas de solidariedade apressada e desconexa anterior. Lançou razoáveis bátegas de chuva ácida para que se perceba em que época histórica estamos, se vamos mudar mesmo de ciclo ou se quem ocupa as tarefas de Estado ainda será capaz de se autoreciclar…  

= Para contentamento de quem aspira a ser mais humano, a chuva voltou. Este dom da natureza não pode mais ser considerado causa de ‘mau tempo’, pois tão necessitados estávamos dela que não a termos quase poderia ser considerado uma espécie de maldição. Espera-se que a chuva venha moderada e seja recebida com agrado…mesmo pelos mais interessados em pensarem antes em si mesmos do que no bem comum.

A chuva, a fauna, a flora (floresta e muito mais) são modos de Deus se revelar para com a pessoa humana. Esta pode viver em equilíbrio ou em abuso para com tais dons da bondade de Deus, Pai Criador. Pelo que temos visto – os incêndios são um claro sinal – os humanos nem sempre têm sabido conviver com estes acenos do amor de Deus, por vezes, entrando em conflito, senão mesmo interferindo de forma abusiva e desequilibrando a correta relação entre homem e natureza. 

= O mais grave dos acontecimentos dos incêndios é a manifesta negligência em tratar com esses elementos da casa-comum, que é a natureza. Todos temos culpa. Todos precisamos de aprender a lidar com a natureza como rosto da beleza de Deus. Ofender ou maltratar este rosto é desfigurar a presença de Deus para connosco.

Precisamos com urgência de apostar na educação dos mais novos e dos mais velhos, lançando naqueles as bases duma ecologia cristã e nestes corrigindo hábitos nem sempre adquiridos no tempo devido.

Queira Deus que os dramas deste ano (verão e outono) possam ser oportunidade para reaprendermos a lidar com a natureza, desde as situações mais simples até às mais complexas… Como foi no passado mais recente, não, obrigado!

 

António Sílvio Couto



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