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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Das velas sem fé à fé sem velas


Por estes dias ouvi uma conversa, um tanto reveladora duma certa mentalidade (quase) ritual, podendo estar mais difundida do que nos possa parecer… Alguém desejava colocar a arder uma vela, mas, como tinha de passar pelo espaço da igreja para aceder ao local do queimador das velas, sentia alguma relutância… tendo, no entanto, cumpriu o desejo, mesmo pisando o espaço da igreja, não sabemos se convicta ou tolerantemente.

Num tempo eivado de imensos exoterismos, também as velas têm entrado nessa razoável panóplia de recursos mais ou menos conscientes. Vamos vendo tantas e tão diversas velas – de cores, de cheiros, de formatos, de intenções e/ou de ignorâncias – que cada um poderá servir-se a gosto, confundindo-se até com outras visões religiosas orientais, vemos ainda as velas incluídas – abusivamente – em iniciativas de teor mundano/reivindicativo e, por vezes, desconexas com o âmbito religioso mais essencial e simples. 

= Enquanto sinal de fé de índole cristã/católica, a vela tem um significado de fé recebida, de fé celebrada e de fé comprometida. De fé recebida, a vela é-nos dada como sinal da fé transmitida em tradição contínua e renovada no nosso batismo, acendida a vela no círio pascal, sinal por excelência de Jesus Ressuscitado. Como algo que tem a ver com a fé celebrada, a vela é referida na caminhada de cada cristão nos momentos de afirmação da sua fé pessoal em contexto comunitário… profissão de fé (catequese), crisma e outros sacramentos e sacramentais. A vertente de fé comprometida simbolizada na vela acesa é oportunidade em cada situação de testemunhar a fé assumida, esclarecida e amadurecida… nas várias etapas da vida do cristão crente.

Será que a maior parte dos que colocam velas acesas às imagens dos santos ou de Nossa Senhora – com especial incidência nos tocheiros do santuário de Fátima – tem claros e esclarecidos estes momentos e significados das velas? Não será que em muitos casos vemos mais a recomendação de religiosidade do que a vivência esclarecida de fé? Não haverá resquícios de devoção neopagã do que outras fontes de inspiração? Não haverá quem vai colocar velas porque algum sortilégio lho recomendou? Quantas velas são colocadas aos santos/santas e Nossa Senhora onde se nota a mão dalguma bruxa ou em razão do aconselhamento extra-cristão!    

= Se podemos ver – infelizmente – o uso das velas sem um possível mínimo de fé, talvez seja ainda de questionar a possibilidade de viver a fé sem a presença de velas. Com efeito, será necessário não cairmos nessa outra visão iconoclasta, rejeitando vários elementos de simbologia já veterotestamentária. De facto, já no Antigo Testamento se recorria a elementos figurativos, entre os quais as velas, dando-lhes significado religioso e espiritual. À afirmação de Jesus – eu sou a luz do mundo – podemos e devemos nós associar-nos como participantes na mesma luz.

Atendendo a estas breves questões será sempre de esclarecermos o correto uso destes símbolos, sabendo que a falta de educação para os sinais pode torná-los menos bem entendidos e talvez se possa criar ainda uma certa rejeição, correndo-se corre o risco de misturar o essencial com o factual e até supersticioso. 

= Queira Deus e não permitamos nós que a onda de tecnologia e de adereços informáticos não venham  a invadir – a curto ou médio prazo – as nossas liturgias, fazendo delas mais oportunidades de exibir futilidades do que vivências de cristãos em condição terrena... passageira. Seria de muito mau gosto que a vela do batismo fosse substituída por qualquer artefacto luminoso mesmo que mais fosforescente mas desprovido de significado e de possível leitura mistagógica.

Embora a luz não se reduza à configuração das velas, estas representam, por excelência, a visualização da luz, seja da fé, seja do conhecimento humano e intelectual. Com velas ou sem elas que saibamos ser portadores da Luz de Deus na nossa vida, reflectindo a Luz verdadeira, que é Jesus Cristo.       

 

António Sílvio Couto

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