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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Cegueira da indiferença


«A mundanidade é como um buraco negro que engole o bem, que apaga o amor, que absorve tudo no próprio eu. Então só se veem as aparências e não nos damos conta dos outros, porque nos tornamos indiferentes a tudo. Quem sofre desta grave cegueira, assume muitas vezes comportamentos estrábicos: olha com reverência as pessoas famosas, de alto nível, admiradas pelo mundo, e afasta o olhar dos inúmeros Lázaros de hoje, dos pobres e dos doentes, que são os prediletos do Senhor».

Foi desta forma incisiva e simples que o Papa Francisco se dirigiu aos milhares de participantes no ‘jubileu dos catequistas’, que decorreu, no passado domingo, em Roma, integrado no ano da misericórdia. 

= Atendendo às mais diversas advertências com que o Papa nos vem conduzindo, nestes três ano e meio de pontificado, poderemos considerar que esta expressão – ‘cegueira da indiferença’ – pode ser muito mais do que um conceito moral ou religioso, para se poder tornar uma faceta por onde podemos ler a nossa sociedade e as mais diferentes situações em que vivemos. Com efeito, tem vindo a crescer uma indiferença impressionante nos múltiplos campos da atividade humana, podendo esta como que vir a tornar-se desumana tal é a indiferença com que nos tratamos e até somos tratados.

Se quiséssemos usar uma imagem tirada das lides do campo e do trato com alguns animais, poderíamos considerar que temos vindo (ou têm-nos vindo) a pôr umas certas talas – em certos círculos diríamos: antolhos – que condicionam a nossa visão do mundo e dos outros, reduzindo a nossa capacidade de ver, reduzindo-a ao que queremos como que ver…Esta espécie de cegueira reduz a nossa essência humana, desumanizando-a.  

= Com que facilidade vem sendo desenvolvido um razoável servilismo cultural, onde algumas ‘modas’ de pensamento são protegidas e outras formas de viver menosprezadas. Normalmente o que é privilegiado é do âmbito do hedonismo, senão explícito ao menos tácito: desde o incentivo ao epicurismo até às formas mais bizarras de ‘viver a vida’, vamos assistindo a uma tentativa de desconstrução dos valores pessoais e sociais alicerçados no cristianismo... tudo numa programação e execução mais ou menos concertada com uma comunicação social promotora e servidora desses ideais.

Quem duvidará que a onda de telenovelas e de reality shows, de literatura cor-de-rosa ou de escândalos ‘encomendados’, de regalias e de ofertas... não passam, afinal, de sinais dessa cegueira da indiferença, pois o que interessa é exaltar o ‘eu’ em detrimento do ‘tu’, pois a cultura do ‘nós’ não tem espaço nem significado... Aqui se insere a batalha (sem quartel nem tropas) contra o casamento e, sobretudo, o matrimónio entre um homem e uma mulher... ao contrário da exaltação da ideologia de género e da descarada influência do lóbi gay e afins!  

= Mesmo quando se tenta abordar a ajuda – simples, fixada ou institucional – aos mais desfavorecidos podemos descortinar tentáculos de setores onde a visão personalista da pessoa humana nem sempre conta ou está claramente presente. Nota-se uma razoável proliferação dumas certas ‘carraças’ sociais, que vão desenvolvendo o seu papel à custa da fraqueza alheia. Tais intervenientes pululam desde a área política (governativa ou autárquica), passando pelo setor (dito) sócio-caritativo da intervenção das Igrejas, sem esquecer alguns dos reivindicativos do sindicalismo e mesmo dos partidos políticos. Esta cegueira da indiferença faz com que as pessoas só pareçam ser números e não rostos e histórias de vida... sofrida e necessitada de compaixão e de misericórdia.

Porque ainda acreditamos nalguma réstea de bondade das pessoas, das famílias e das instituições, gostaríamos de auspiciar que todos sejamos capazes de exorcizar a indiferença do nosso coração, da nossa mente e, sobretudo, da nossa vida... do dia-a-dia.    

      

António Sílvio Couto



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