Atendendo
às circunstâncias sócio-políticas, aos momentos
económico-financeiros e até às motivações religioso-cristãs,
esta iniciativa poderá ser considerada vulgar – isto é, normal,
bem aceite e até patrocinada – noutras paragens, mas quase uma
ousadia em certos espaços ao sul do Tejo...
Atendendo às
condições do calendário a inauguração deste monumento público a
Nossa Senhora da Boa Viagem, deverá acontecer no próximo dia oito
de setembro... em vésperas de eleições autárquicas, no contexto
do ‘ano da fé – a decorrer na Igreja católica – e com a
difusão que for conveniente e a divulgação oportuna... Mesmo em
tempos de crise/austeridade parece que os custos não são
exorbitantes! Assim haja vontade e ousadia para não envergonhar a
padroeira da Moita.
Perante este
‘episódio’ local parece-nos um tanto incisivo abordar a temática
dos sinais da fé, na sua expressão pública, tanto na vida pessoal,
familiar, social ou eclesial como nas ruas.
= Sinais
coerentes de fé?
De muitos
modos e por várias formas, a fé se exprime por gestos e sinais, por
palavras e silêncios. Nalguns casos estes silêncios suplantam as
oportunidades de manifestarmos a nossa fé, que é muito mais do que
crença ou até do que mero sentimento... religioso. De facto, num
tempo em que se pretende privatizar a fé, em que fomos confrontados
com múltiplas sugestões de espiritualidades – muitas delas ‘à
la carte’ – e até por expressões que envolvem ignorância do
essencial da fé, os cristãos/católicos foram desafiados a viver um
‘ano da fé’. Decorridos três meses de vivência já notamos
diferença na nossa fé? Está a nossa fé mais esclarecida e é
vivida mais comunitariamente? A fé proclamada tem impacto na nossa
vida? Já entendemos as exigências do testemunho da fé, hoje?
Mais
do que a rotina de uma proposta vinda do Papa, este ‘ano da fé’
precisa de criar raízes na nossa consciência de vida, tornando-nos
sinais coerentes de fé. Precisamos de assumir muito para além dos
muros – as paredes, por vezes, esconder barreiras entre os que
dizem celebrar a mesma fé! – do templo, as implicações da nossa
fé... cristã. Não serão (somente) os ritos que nos farão
comprometer, mas antes o sujar as mãos com projectos de fé. Tal
como dizia o cardeal Ravasi, em Fátima, em Outubro passado, de pouco
adiantará ter as mãos limpas se não as sujarmos com iniciativas de
fé ou se isso significar vazio de obras...
= Sinais de
fé na rua
Em vários
locais do nosso país e mesmo na sociedade ocidental vemos estátuas
alusivas a figuras da fé cristã, tanto de santos e santas como de
Nossa Senhora (nas mais diferentes invocações e evocações) e de
Cristo. Há, na nossa cultura – para inquietação dalguns sectores
laicos mais ressabiados! – uma grande diversidade de sinais de fé
cristã. No entanto, muitos desses exemplares são de épocas
anteriores ao nosso tempo... apesar deste ser pródigo em figurações
simbólicas, muitas delas neo-pagãs.
A estatuária
reflecte não só a sensibilidade duma época como também revela
muita da devoção popular, criando um ambiente fora do templo muito
para além dos rituais esteriotipados. Quantas vezes foi em momentos
de dificuldade – económica e social – que se ergueram grandes
monumentos que perpetuam a memória colectiva. Quantas vezes foi
unindo pequenos esforços que surgiram grandes obras de simbologia
patriota e mesmo cultural. Quantas vezes gestos de pessoas simples
suplantaram a arrogância dos poderosos... políticos ou financeiros.
Neste
tempo que nos é dado viver, precisamos de ousadia para que Deus não
seja expurgado da memória pública nem que Cristo possa ser varrido
dos valores mais elementares e humanos. A rua pode e deve ser, hoje,
o púlpito da nossa fé comprometida, professada e testemunhada...
com simplicidade e amor!
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