Por estes dias ouvi: ‘o senhor é sempre assim ou só quando está de farda’! Parece claro que, de quem tal se dizia, talvez não seja suficientemente de bom trato, sobretudo se, através, do exercício da profissão exagera na ‘autoridade’... enfardada.
Neste nosso país vemos com frequência atitudes que revelam excessos, tanto na forma como no conteúdo, podendo nós questionarmos se não estaremos – todos e cada um – a viver uma espécie de crise de identidade, onde cada pessoa não se aceita como é, antes parece querer dar uma ‘certa imagem’, seja pelo que diz (ou cala), seja pelo que ostenta (ou ambiciona), seja ainda pela confusão que pode revelar entre o que é, foi e deseja vir a ser...
Vejamos alguns exemplos a merecer reflexão mais do que acusação:
- Estando nós a viver sob o signo do protesto e tendo em conta mais a superior defesa dos nossos interesses do que estamos, normalmente, a atender ao bem-estar dos outros, como que somos desafiados a perguntar: as greves – gerais, setoriais ou de classe – serão ainda um processo de protesto adequado aos nossos tempos? Não andaremos a ser manipulados e/ou prejudicados e sem qualquer proveito atual e no futuro? Os que são vítimas não são os mais os próprios em vez dos (pretensos) patrões... alguns de quem nem se lhes conhece o rosto? Até quando continuaremos a reproduzir processos de greve ultrapassados (na forma, no conteúdo e na organização) e sem resultados visíveis para o bem comum?
- Perante uma tendência cada vez mais acentuada para o egoísmo, fechando-nos à vida e às consequências de a sabermos servir, como que ousamos perguntar: as profissões no setor da educação – pois sem filhos não há alunos! – já vivem a consciência da falta de natalidade? Com certas teorias anti-natalidade ainda será viável a segurança social a curto prazo? Com a progaramação de certos projetos hedonistas teremos capacidade de cuidar das gerações franja – crianças e velhos – ou não estaremos condenados culturalmente ao colapso social, cultural e económico?
- Questionando-nos na vivência da fé, sobretudo de expressão cristã, onde muito se pode quedar pela exterioridade religiosa, como que sentimos a urgência em perguntar: não estaremos, no âmbito sócio-religioso, a regredir no espírito de fé e de consciência cristã? Com certas posições de teor rubricista e hierático não estaremos a afastar a expressão da fé comunitária celebrativa? Os intérpretes das celebrações terão, verdadeiramente, vida – espiritual e psicológica – que possa ser comunicada com simplicidade e alegria? A quem interessa uma certa posição de númia quando participamos nas celebrações católicas? Será denúncia da falta de vida ou defesa por exageros mal digeridos?
- Atendendo ao crescimento da apelidada ‘economia paralela’ – dizem que envolve um quarto do dinheiro em circulação, em Portugal – como que sentimos que não pode continuar a vingar – à boa maneira latina – a culpabilização dos outros e a auto-absolvição de nós mesmos, então perguntamos: até onde irá este país que se queixa do custo de vida, mas vive em grandes luxos e passeios, férias e devaneios de ricos empobrecidos? Quando se dará a assumpção coletiva, consciente e assumida, dos impostos pessoais e empresariais? Como poderemos recuperar a confiança uns nos outros se desconfiamos da própria sombra?
É urgente que sejamos capazes de viver a nossa identidade – pessoal e familiar, social e nacional – em ordem a sermos um povo com futuro, uma nação com esperança e um país com verdade... onde todos nos empenhamos em construir e nos deixamos envolver por causas comuns... de valor humanitário. Assim sejamos dignos de viver em conformidade com o que dizemos no ‘hino nacional’... onde a luta começa em cada um de nós contra o nosso mais profundo egoísmo!
António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)
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