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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Até onde poderá ir a gritaria?


Nos últimos tempos, Portugal tornou-se uma espécie de reino da gritaria, onde quem mais alto fala – na maioria dos casos é só gritos e barulho ruidoso... mas, na maior parte dos casos, inconsequente! – pensa que ganha razão. Houve até quem dissesse que a participação em manifestações, gritando de forma ostensiva, era uma espécie de terapia socio-psicológica...

Numa tentativa de darmos alguma ajuda de reflexão sobre este clima crispado em que estamos a viver, servir-nos-emos de alguns adágios populares ou frases-chavão... para incluirmos breves referências a situações delicadas do nosso viver coletivo:

 - “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.

A austeridade trouxe à luz da consciência muitos problemas, que o recurso ao consumismo foi iludindo, pois enquanto se podia entreter o povo com coisas não se colocaram os verdadeiros problemas das pessoas... muitas delas vazias dos valores mais elementares. ‘Pão e jogos’ foram entretenimento para muitos, deixando a manifesto que não será com coisas meramente materialistas que conseguiremos enganar os mais incautos... por muito tempo. Construiram estádios de futebol, por ocasião do ‘euro 2004’, que agora estão às moscas, farejando o mau cheiro das dívidas... Enquanto houve dinheiro ensinaram-nos – manipulando-nos de forma contundente e sórdida – ter hábitos de gastar e incutindo-nos vícios de pequenos ricos sem cultura nem critérios...

Um fato: num trabalho que temos estado a desenvolver, na paróquia, temos visto imensas situações em que as pessoas trazem para partilhar dezenas e dezenas – não é exagero! – de peças de calçado e  de roupa de crianças que nunca foram usadas... tudo de marca e do melhor. Talvez se tenha verificado, agora, um qualquer arrebato de consciência para que outros possam receber doado o que, antes, foi comprado de forma descontrolada, compulsiva ou mesmo por concorrência para com outros, sejam eles vizinhos, familiares ou até companheiros de trabalho! Havia uma imagem a defender... e as consequências estão à vista!

Questões: Por que será que não nos educaram para saber comprar só o suficiente e necessário? Quando estamos a dar, hoje, a quem nos procura e que precisa de ajuda, temos aproveitado para que as pessoas saibam viver em espírito de pobreza, segundo o Evangelho? Ao atendermos os mais desfavorecidos – hoje eles, amanhã poderemos ser nós – procuramos descobrir as razões, que levaram àquela gravidade do problema ou continuamos a pôr cataplasma sobre as feridas, sem tratarmos as causas mais profundas?
Perante as dúvidas da geração atual como será para as próximas gerações?

- “O bem não faz barulho; o barulho não faz bem”.

É, hoje, recorrente, assistirmos – senão mesmo fazermos o mesmo! – a conversas, que bem depressa redundam em discussões, onde os contendores não se escutam, pois a meio da frase de um já se sobrepõe a conversa do outro... acontecendo, nalguns casos, várias conversas cruzadas e sem qualquer resultado: há muito barulho, mas pouca conversa. Bastará ver as sessões do Parlamento e pouco teremos a aprender, antes veremos o retrato da confusão a que chegamos... rapidamente! A doença tem-se espalhado como epidemia, pois, com normalidade, vemos as pessoas a ‘lançarem bocas’, quando outros falam... e nem o setor eclesiástico tem escapado à moda!

Nesta conjuntura adversa à aceitação da comunicação pela palavra, temos de saber fazer silêncio – mesmo que um telemóvel toque a despropósito! – para respeitarmos quem nos fala, para sermos respeitados quando falamos, pois na medida do que fizermos isso para com os outros talvez sejamos aceites (a bem ou à força) no que tentamos dizer, comunicar e fazer! Também, neste aspeto, se trata de uma questão educacional!

- “Nunca o invejoso medrou nem quem junto dele morou”.

Na medida em que o nosso ambiente é algo mais do aquilo que pretendemos, este ditado popular como que nos condiciona, mesmo que de forma inconsciente. O invejoso pode ser da família, alguém com quem nos cruzamos na escada do prédio ou na rua, na convivência profissional ou social, nos espaços de partilha, seja no convívio, seja até na expressão da fé... sobretudo em Igreja. De fato, a inveja – elevada à categoria mais malévola da ruindade – povoa o nosso mundo muito para além daquilo que somos capazes de dominar. Digamos que a situação calamitosa do nosso país retrata uma conjugação de várias invejas... onde os mais preguiçosos tentam reinar, invejando o trabalho leal, sério e aturado de tantos outros, que por sentirem animosidade alheia desinvestem em favor dos outros. Quantos sindicalistas nada mais fazem do que destruir por inveja camuflada e destruidora! Quantos contestários aos gritos nas ruas, mas que não mexem nem uma palha para minorar o o lixo à porta de casa! Quantos salvadores pelo insulto, cuja memória devia estar mais atenta a quem lhes deu a mão... mesmo nas horas de dificuldade.

A gritaria poderá vingar na contestação, na reivindicação e até  no insulto, mas não construirá laços de compromisso para a recuperação do nosso país a curto e a médio prazo. Ó serenidade, tenta dar-nos doses de sensatez, já! 

António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)

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