Nos
últimos tempos, Portugal tornou-se uma espécie de reino da gritaria, onde quem
mais alto fala – na maioria dos casos é só gritos e barulho ruidoso... mas, na
maior parte dos casos, inconsequente! – pensa que ganha razão. Houve até quem
dissesse que a participação em manifestações, gritando de forma ostensiva, era
uma espécie de terapia socio-psicológica...
Numa
tentativa de darmos alguma ajuda de reflexão sobre este clima crispado em que
estamos a viver, servir-nos-emos de alguns adágios populares ou
frases-chavão... para incluirmos breves referências a situações delicadas do
nosso viver coletivo:
A
austeridade trouxe à luz da consciência muitos problemas, que o recurso ao
consumismo foi iludindo, pois enquanto se podia entreter o povo com coisas não
se colocaram os verdadeiros problemas das pessoas... muitas delas vazias dos
valores mais elementares. ‘Pão e jogos’ foram entretenimento para muitos,
deixando a manifesto que não será com coisas meramente materialistas que
conseguiremos enganar os mais incautos... por muito tempo. Construiram estádios
de futebol, por ocasião do ‘euro 2004’, que agora estão às moscas, farejando o
mau cheiro das dívidas... Enquanto houve dinheiro ensinaram-nos –
manipulando-nos de forma contundente e sórdida – ter hábitos de gastar e
incutindo-nos vícios de pequenos ricos sem cultura nem critérios...
Um
fato: num trabalho que temos estado a desenvolver, na paróquia, temos visto
imensas situações em que as pessoas trazem para partilhar dezenas e dezenas –
não é exagero! – de peças de calçado e
de roupa de crianças que nunca foram usadas... tudo de marca e do
melhor. Talvez se tenha verificado, agora, um qualquer arrebato de consciência
para que outros possam receber doado o que, antes, foi comprado de forma
descontrolada, compulsiva ou mesmo por concorrência para com outros, sejam eles
vizinhos, familiares ou até companheiros de trabalho! Havia uma imagem a
defender... e as consequências estão à vista!
Questões:
Por que será que não nos educaram para saber comprar só o suficiente e
necessário? Quando estamos a dar, hoje, a quem nos procura e que precisa de
ajuda, temos aproveitado para que as pessoas saibam viver em espírito de
pobreza, segundo o Evangelho? Ao atendermos os mais desfavorecidos – hoje eles,
amanhã poderemos ser nós – procuramos descobrir as razões, que levaram àquela
gravidade do problema ou continuamos a pôr cataplasma sobre as feridas, sem
tratarmos as causas mais profundas?
Perante
as dúvidas da geração atual como será para as próximas gerações?
- “O bem não faz barulho; o barulho não faz bem”.
É,
hoje, recorrente, assistirmos – senão mesmo fazermos o mesmo! – a conversas,
que bem depressa redundam em discussões, onde os contendores não se escutam,
pois a meio da frase de um já se sobrepõe a conversa do outro... acontecendo,
nalguns casos, várias conversas cruzadas e sem qualquer resultado: há muito barulho,
mas pouca conversa. Bastará ver as sessões do Parlamento e pouco teremos a
aprender, antes veremos o retrato da confusão a que chegamos... rapidamente! A
doença tem-se espalhado como epidemia, pois, com normalidade, vemos as pessoas
a ‘lançarem bocas’, quando outros falam... e nem o setor eclesiástico tem
escapado à moda!
Nesta
conjuntura adversa à aceitação da comunicação pela palavra, temos de saber
fazer silêncio – mesmo que um telemóvel toque a despropósito! – para
respeitarmos quem nos fala, para sermos respeitados quando falamos, pois na
medida do que fizermos isso para com os outros talvez sejamos aceites (a bem ou
à força) no que tentamos dizer, comunicar e fazer! Também, neste aspeto, se
trata de uma questão educacional!
- “Nunca o invejoso medrou nem quem junto dele
morou”.
Na
medida em que o nosso ambiente é algo mais do aquilo que pretendemos, este
ditado popular como que nos condiciona, mesmo que de forma inconsciente. O
invejoso pode ser da família, alguém com quem nos cruzamos na escada do prédio
ou na rua, na convivência profissional ou social, nos espaços de partilha, seja
no convívio, seja até na expressão da fé... sobretudo em Igreja. De fato, a
inveja – elevada à categoria mais malévola da ruindade – povoa o nosso mundo
muito para além daquilo que somos capazes de dominar. Digamos que a situação
calamitosa do nosso país retrata uma conjugação de várias invejas... onde os
mais preguiçosos tentam reinar, invejando o trabalho leal, sério e aturado de
tantos outros, que por sentirem animosidade alheia desinvestem em favor dos
outros. Quantos sindicalistas nada mais fazem do que destruir por inveja
camuflada e destruidora! Quantos contestários aos gritos nas ruas, mas que não
mexem nem uma palha para minorar o o lixo à porta de casa! Quantos salvadores
pelo insulto, cuja memória devia estar mais atenta a quem lhes deu a mão...
mesmo nas horas de dificuldade.
A gritaria
poderá vingar na contestação, na reivindicação e até no insulto, mas não construirá laços de
compromisso para a recuperação do nosso país a curto e a médio prazo. Ó serenidade,
tenta dar-nos doses de sensatez, já!
António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)
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