Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 7 de abril de 2025

Morrem sós na cidade

 

Os números estão publicitados e não enganam: de acordo com os dados fornecidos pela força policial, presente nas cidades e em vilas de maior dimensão, em 2022 morreram sozinhas em casa 258 pessoas com mais de 65 anos, em 2023 outras 237 e em 2024 mais 262, num total de 757... do conjunto de mortes, 60% (455) eram de homens e 40% (302) de mulheres. Por seu turno, a GNR (força de segurança pública fora das cidades) sinalizou entre um de outubro e 15 de novembro, do ano passado, 42.873 idosos que viviam sozinhos ou isolados, ou em situação de vulnerabilidade, no âmbito da Operação Censos 2024. Os distritos de Vila Real (5.153), Guarda (5.606), Faro (3.496), Bragança (3.367) e Viseu (3.325) foram os distritos nos quais mais idosos foram sinalizados.

1. Colocados estes dados à consideração podemos interrogar-nos: quais as causas deste isolamento dos mais velhos? Tem sido pensada alguma solução para atenuar este tema ou andamos a entreter-nos com placebos e não enfrentamos as questões a sério? Mesmo que os dados nos apontem para uma litoralização populacional, o que explica a solidão (e morte) nas cidades? Serão esses idosos parte da manipulação dos mais novos sobre os mais velhos, catando-lhes a reforma e deixando-os ao abandono no intervalo? Não estaremos a semear aquilo que havemos de colher, mais depressa do que tarde?

2. Nos livros de leitura da escola primária sob o regime anterior lia-se esta velha fábula do ‘levar o pai ao monte’, situada na região do Alto Minho. Adaptando a estória à linguagem, eis um resumo:

Em tempos era costume nalgumas terras da serra do Soajo levarem os filhos os pais velhos, que já não podiam trabalhar, para um monte e deixarem-nos lá morrer à míngua. Ora um rapaz, seguindo aquele costume, levou o pai às costas, pô-lo no monte e deu-lhe uma manta para ele se resguardar do frio até morrer e ainda uma broa de pão para se alimentar. O velho disse, então, ao filho: tens por acaso uma faca contigo?
Tenho, sim, senhor, respondeu o filho, e para que a quer? Para que cortes ao meio esta manta que me estás a dar… Guarda uma metade para ti para quando o teu filho te trouxer para este lugar. O filho ficou pensativo e tomando de volta o pai às costas, trouxe-o para casa, fazendo, assim, com que esse desumano costume desaparecesse…

Nos livros moralistas daquela época se referia o quarto mandamento da Lei de Deus na referência ao honrar pai e mãe e outros legítimos superiores…

3. Nem com o crescimento da longevidade se percebe a mudança de mentalidade – no sentido etimológico do termo: ‘ser ou estado da mente’ – de tantos que propõem regras e medidas de acolhimento, de defesa e de cuidado para com os mais velhos… como se eles, a continuarem as condições de saúde e de segurança, não venham a ter também a categoria de ‘velhos’… na idade.

Segundo o resultado dos ‘Censos/2021’, Portugal tem 2.424.122 pessoas com 65 anos ou mais (23,4%) e 1.331.396 com menos de 15 anos (12,9%). Há 5.500.951 pessoas com idades entre os 25 e os 64 anos (53,2% do total da população) e 1.088.333 com idades entre os 15 e os 24 anos (10,5%).

4. Apesar destes dados sociais algo reveladores daquilo que somos e de quanto nos espera, não vemos por parte dos partidos políticos – mesmo nas propostas para as próximas eleições – grandes inovações para com os idosos no após-tempo-da-reforma. Onde estão as sugestões para que haja condições de cuidado em casa ou em lares? Teremos de estar exclusivamente sob a condução da iniciativa privada, quando muitos desses idosos se gastaram em serviço público? Por que há tanta relutância em conciliar mais abertamente as iniciativas da ‘economia social’ com os investimentos estatais? Não estaremos ainda sob uma alçada estatal para quem as pessoas não sejam o melhor do património, mas as coisas materiais de antanho, por muito valorizadas que pretendam ser? Urge, por isso, uma mudança de mentalidade, já!



António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário