Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

‘Roma não paga a traidores’

 


Reza a História, que, em 139 a.C., depois de uma longa guerra contra os romanos, Viriato enviou Audax, Ditalcus e Minurus (que não eram lusitanos) para negociarem os termos de um possível tratado de paz. Mas, tendo estes sido subornados pelos romanos, apunhalaram à traição Viriato enquanto este dormia. Após o crime, dirigiram-se os três a Roma onde pretendiam receber a recompensa prometida. Porém, segundo diz a mesma história, o general romano Servilius Caepio, em vez de pagar o suborno, ordenou a sua execução na praça pública, ficando os corpos expostos com a seguinte inscrição: ”Roma traditoribus non premiae” – Roma não paga a traidores.

1. Ora, vários episódios na nossa história coletiva (mais antiga ou até recente) trazem-me à lembrança esta espécie de axioma – a traição não tem preço! De facto, em diversas áreas vemos emergirem situações que podem configurar o cumprimento daquela frase: na justiça – delação premiada, na troca de clube por outro melhor pago, na mudança de seguimento religioso, na alteração de candidatos, tanto nas listas gerais quanto (e são cada vez mais) se pode captar nas de incidência local e autárquica. Sem pretender entrar nas causas e tão pouco antecipar as consequências destes atos de quase cobardia, traição ou deslealdade, sinto por certos transfugas mais do que pena, antes um certo desdém, pois tendo estado com aqueles de quem eram (ou foram) comparsas, tornam-se adversários, senão inimigos para sempre.

2. Deixo de novo aqui uma referência a uma conversa ecuménica que tem quase trinta anos. Um dia, em Viena, um pastor senior de uma Igreja protestante disse-me: em nós, os protestantes, um pensa de um modo, faz uma Igreja, onde exprime a sua forma de pensar e de ser; outro apresenta outra coisa diferente e faz outra Igreja e por aí adiante... Vós, os católicos, sois muito interessantes – um pensa de uma maneira, faz um movimento; outro pensa de outra forma, faz uma congregação religiosa; outro não se entende com os do seu grupo, cria outra coisa qualquer, onde continua a mandar... e dizeis-vos todos católicos porque dizeis obedecer todos ao mesmo Papa... Vejamos, como católicos, a imagem que damos inconscientemente!

3. Efetivamente, estamos cada vez mais esfacelados, querendo cada um manifestar a diferença, sem se integrar no conjunto com outros, unindo esforços e criando laços que se fortalecem para conseguir conquistas comuns e – no caso de quem está na vida política (no sentido premigénio do termo) – servir aqueles a quem querem atrair para o seu projeto de bem comum. É aqui que sinto repulsa e quase repugnância: os (pretensos) independentes, na sua maioria, não passam de alguém ressabiado, que quer fazer o seu caminho ‘a solo’, quando só brilhava no contexto com outros, nessa tal orquestra mais ou menos afinada a que já pertenceram. Grande parte dos ‘independentes’ – nalguns casos renegando a agremiação a que deram contributo e da qual muito auferiram – deveriam repensar o seu posicionamento, pois, ao dividirem forças e votos, correm o risco de entregar o ‘poder’ àqueles de quem já foram adversários, e criarão cisões irreparáveis no futuro...nem sendo sequer eleitos. De pouco interessa apelar à unidade, quando, quem se separou, dividiu!

4. Os tempos não são de tentativas de exaltação de egos, mas de consertação de forças, pois será nesta união que poderemos todos construir algo melhor e mais consentâneo com as aspirações daqueles a quem querem servir. Até onde irá a capacidade de impor ‘projetos pessoais ou de grupos’ ao resto das populações? Certos afãs de protagonismo não esconderão lóbis subterrâneos ou pouco claros? Que adianta dizer-se democrata, se o objetivo é vingar as suas pretensões nem sempre claras?

5. O futuro se vai encarregar de premiar ou de castigar – verdadeiramente – quem traiu Roma! Por episódios idênticos sabemos as consequências, não seria melhor ter colaborado na renovação do que ter idealizado a irremediável cisão? O tempo esclarecerá as pretensões de todos!



António Sílvio Couto

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Marionetes em jogo ou jogo de marionetes?

 



Muito daquilo que vemos na comunicação social – televisão, redes sociais, aplicações subsidiadas ou compradas, nos programas de entretenimento ou mesmo nos (ditos) noticiários – quase mais parece um jogo de marionetes do que a apresentação – tanto ou quanto real – da vida das pessoas, dos grupos sociais e de interesses, da sociedade em geral e das populações em particular.

1. O sucesso de certos programas em circuito aberto ou em conceção codificada vão-se arrastando quase até à exaustão. Desde o já longínquo ano de 2000 até ao presente desfilaram – quais bonecos articulados sob o comando de uma abstrata ‘voz’ – dez edições do ‘big brother’ com outros programas afins, desde o dos famosos, o VIP, duplo impacto, desafio final… posteriormente apareceram a ‘casa dos segredos’ (treze edições) e outros ainda mais rurais ou pretensamente citadinos…em tentativas de prender público e de conquistar audiências. Muitos anónimos emergiram para famosos e certos famosos entraram na linha dos banais e vulgares. Dos trinta e tal anos da estação que tem exibidos tais programas, três quartos do tempo da sua existência tem sido gasto com tais entretenimentos a puxar para baixo a cultura e a educação do país, nivelando pela mediocridade o espírito da nação. Numa palavra: pelo muito mal que tais programas têm feito à população em geral seria de pedir conta pelas malfeitorias praticadas de forma direta ou indireta…A asneira compensa, mas nem sempre pode ganhar pelo mal feito.

2. Se este panorama da comunicação social revelou o complexo de marionetes em que temos vivido, o que dizer do clima de carnaval que se aproxima. Será que cairá a máscara de quantos se tentam apresentar como paladinos de uma sociedade democrática, mas cujo conceito só por eles mesmos é ratificado? De muitas e variadas formas temos vivido sob a alçada de um regime que promove mais o compadrio do que a competência, que alevanta mais quem nada vale do que aquele que tem mérito, embora este possa colidir com as pretensões dos concorrentes. Com a aproximação do tempo carnavalesco podemos aferir um tanto melhor como o disfarce – feito, assumido ou o pretenso – tem mais culto do que a verdade ou como se torna tão fácil ser manipulado do que pode parecer.

3. Se há caraterística que hoje sobrepuja muita da nossa compreensão é a racionalidade da conduta das pessoas, pois, na maioria dos casos, a emotividade suplanta a valorização da razão, criando-se um ambiente que fervilha de sentimentos, mas que, com alguma dificuldade, explica os comportamentos. Reparemos nas turbas que se deixam fascinar pelas questões do futebol, com que vulgaridade se defendem as questiúnculas clubísticas e quase se fomentam guerras por ninharias sem grande racionalidade. As horas e horas que são gastas à volta do futebol – do jogo ao comentário, da dúvida dos lances às explicações das decisões dos árbitros, das conjeturas sobre o incerto às provocações quanto ao mais assegurado – faz-se todo um ‘espetáculo’ que por ser quase ridículo deixa muito a desejar sobre quem manobra quem ou quais são os diretos intervenientes, se os que vemos, se os que nos manipulam na sombra…

4. O jogo das marionetes faz-nos sentir usados e coloca-nos na instância menos sincera do relacionamento das pessoas umas com as outras. Por muito hábeis que nos sintamos, estamos continuamente sujeitos e múltiplas formas (ou fórmulas) de manipulação: umas vezes tendo como palco aqueles, considerados importantes, com quem nos damos e dos quais podemos usufruir desse conhecimento ou ‘amizade’; noutras situações são os outros que nos podem usar para se promoverem à nossa custa ou ainda quando, não valendo nada e sendo insignificantes, tentamos usar tais conhecimentos para nos vangloriamos perante os incautos. Quem não viu já este aproveitamento algo mesquinho e quase sórdido? Quem não se apercebeu destas manobras no trato das pessoas, na política, na sociedade, na religião, na vida económica, etc.?

5. Com a aproximação das eleições autárquicas veremos muitos destes e mais casos. Saber distinguir o que é verdade da jogada menos correta será arte para se não deixar cair na artimanha... Marionete, não obrigado!

António Sílvio Couto

domingo, 23 de fevereiro de 2025

A preguiça compensa... na nossa mentalidade

 

Os acontecimentos sociopolíticos mais recentes no ‘nosso’ país como que nos deixam a sensação - agora diz-se ‘perceção’ - de que quem não faz nada - nem antes, tão pouco durante e muito menos depois - tem o reconhecimento (tácito ou explícito) de que isso (será preguiça ou capacidade de adaptação?) compensa. Explicando: não ter iniciativa nem investir é muito melhor do que arriscar; viver à sombra dos subsídios é muito mais rentável do que tentar fazer melhor do que o resto (isto é, a maralha e/ou a arraia-miúda); não ser criador de riqueza é muito mais benquisto e reconhecido do que permitir que as pessoas cresçam porque houver quem quisesse sai da banalidade, investindo na valorização dos outros e para os outros...

1. Portugal tem ainda uma mentalidade assaz retrógrada em muitos mais aspetos do que pensamos: quando alguém destoa da multidão anónima e anódina corre o risco de ser trucidado pelos beneficiados do manjar do Estado... lauto nas horas de recompensar os aduladores. Com efeito, o Estado reconhece com prebendas quem contribui para a narcotização mais ou menos generalizada: os medíocres crescem como cogumelos no lamaçal da conformidade com tudo e com todos. Em tempos considerei que esta era a cultura da tartulhocracia - esses fungos que infestam e medram nos pântanos, condicionando o desenvolvimento de outras espécies que não sejam os que menos valem... Assim no espetro político-partidário: há quem nada faça, mas tudo colha sem fazer o que quer que seja para isso... ter sucesso.

2. Não deixa de ser sintomático que os executores do regime - seja qual for o partido - no parlamento se acomodem com tal destreza que os ditos partidos novos têm todos (já conhecidos) e mais alguns dos tiques dos que por deambulam pelos passos perdidos há anos a fio: com que velocidade vemos certos arautos da moralidade a incorrer nos mesmos (ou piores) erros dos que se dizem fundadores da democracia. Dá a impressão que desaguaram na assembleia da república os mais desgraçados da sociedade, permitindo que se exibam sem vergonha nem pejo para o público-eleitor ao ritmo da impunidade mais básica e nefasta.

3. Uma razoável confusão de valores vai emergindo nos espaços que deveriam ter alguma sacralidade humanista porque instruídos e construtores de um respeito essencial à convivência de todos. Mais de meio século decorrido o ambiente que se perceciona na esfera da ‘casa da democracia’ cheira às tropelias relatadas na ‘primeira república’ (entre 1910 e 1926), já só faltando os desafios para os duelos em defesa da honra...com espadachins e capa. Valerá aqui recordar essa troca de argumentos entre dois renomeados políticos dessa época em que um dizia ao outro: o senhor tanto dá uma no cravo como outra na ferradura, ao que o provocado ripostou: pois é, o senhor não está quieto com o pé! Certas argumentações ouvidas, por estes dias, não andaram longe desta troca de palavras de antanho: pena seja que ninguém evoque a defesa da honra para que os casos tenham mais cor e sangue...

4. Incontestavelmente o nível está a decrescer e isso tem repercussão no comportamento mais ou menos generalizado da população: as pessoas não se deixam falar até ao fim, atropelam-se…como veem e ouvem na televisão, no parlamento, nas conversas, que facilmente derivam para discussões, onde as palavras ofendem, agridem e deixam marcas da má-criação generalizada. O ambiente está cada vez pior e os exemplos são pouco abonatórios do que virá…Mais do que de boas intenções precisamos de começar em casa a respeitar-nos, dando espaço e correção uns aos outros…sem lições mas com interesse na valorização positiva do outro.

5. A educação começa desde o berço e será da qualidade deste que poderemos aferir o comportamento dos nossos cidadãos. A rua mostra o que se vive em casa e avaliar pelo que se percebe, como será grande a luta lá por casa!



Antóni Sílvio Couto

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Vinga quem se vinga?

 


Às vezes nota-se mais do que noutros casos essa sensação de vingança, seja pelas palavras, seja pelos atos ou mesmo percorrendo o âmbito dos desejos. Embora possa parecer algo revelador do espírito de Caim, a vingança tem raízes culturais ‘nacionais’ bem mais profundas do que somos capazes de imaginar.

1. Em quantas situações se pode perceber que o sentimento de vingança faz mais furor do que a perceção de harmonia social. As causas de tal ambiente de vingança podem ser várias e muito diversas. Desde logo o ressentimento faz com que sejamos mais propensos para denegrir do que para elogiar ou mesmo de sermos compreensivos uns para com os outros. Recordemos o episódio bíblico dos irmãos Caim e Abel (Gn 4,1-10): Adão conheceu Eva, sua mulher. Ela concebeu e deu à luz Caim, e disse: «Gerei um homem com o auxílio do Senhor». Depois, deu também à luz Abel, irmão de Caim. Abel foi pastor, e Caim, lavrador. Ao fim de algum tempo, Caim apresentou ao Senhor uma oferta de frutos da terra. Por seu lado, Abel ofereceu primogénitos do seu rebanho e as suas gorduras. O Senhor olhou com agrado para Abel e para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a sua oferta. Caim ficou muito irritado e andava de rosto abatido. O Senhor disse a Caim: «Porque estás zangado e de rosto abatido? Se procederes bem, certamente voltarás a erguer o rosto; se procederes mal, o pecado deitar-se-á à tua porta e andará a espreitar-te. Cuidado, pois ele tem muita inclinação para ti, mas deves dominá-lo». Entretanto, Caim disse a Abel, seu irmão: «Vamos ao campo». Porém, logo que chegaram ao campo, Caim lançou-se sobre o irmão e matou-o. O Senhor disse a Caim: «Onde está o teu irmão Abel?» Caim respondeu: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» O SENHOR replicou: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim

2. Em quantas situações nós podemos ver o rosto ensimesmado das pessoas…na rua, nas fotos dos jornais, nas reportagens televisivas, nas conversas cara-a-cara…Será que isso denuncia algo idêntico ao que Caim fez a seu irmão Abel? Será que isso expõe os sentimentos de vingança subjacentes em tantas pessoas com quem nos cruzamos? Até que ponto a vingança – como sói dizer-se – se serve fria e não transparece muito mais do que seria desejável? Não estará a nossa sociedade mais alicerçada na vingança do que na compreensão e na tolerância? Esta não serve mais para aquilo que nos interessa do que para o que nos compromete?

3. Ao avaliarmos certos comportamentos sócio-políticos podemos encontrar tantos sinais cainitas – seguidores da mentalidade de Caim, lá o da Bíblia das origens – que espreitam a oportunidade de engendrar a vingança, pensando com isso vingar-se da sua incapacidade de fazer algo em favor dos outros. Com que subtileza vemos a proliferação de casos em que o que mais importa é deixar os escortinados sob a alçada da má-fé popular. Quantos que nada fazem nem investem, mas que escarafuncham a vida alheia até que se possa desacreditar o adversário, na maior parte dos casos consagrado como inimigo…ao menos da incompetência e da mediocridade.

4. Quando um país está assente na teoria da vingança com facilidade poderá colapsar, se nada for feito para suster esta sensação, agora diz-se ‘perceção’. Quem não recorda a ‘lenda’ ainda antes da nossa nacionalidade, quando um grupo adversário do principal lutador lusitano foi traído por alguns daqueles que o conheciam e, ardilosamente, se ofereceram aos romanos para que ele fosse eliminado. Tendo executado a pretensão foram solicitar o pagamento junto dos ocupantes romanos, ao que lhes foi respondido – Roma não paga a traidores! Não será essa costela de vingança que campeia na mentalidade de tantos dos nossos contemporâneos, muitos deles meros fabricantes de má-língua, de mau ambiente e de provocação para com quem faz avançar o país e não se entretém com lamúrias, suspeitas e críticas baratas.

5. Muitos dos que andam a excogitar infrações nunca produziram riqueza nem promovem a meritocracia, antes fomentam o clientelismo, o compadrio, o suborno e, na sua expressão mais subtil, a corrupção. Basta!



António Sílvio Couto

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Na hora da despedida

 


Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

Este belíssimo soneto de José Maria Barbosa du Bocage pode ajudar-nos a ler, a interpretar e a colher sinais na hora da despedida do ‘presidente dos presidentes’ do FCPorto.


Não está em causa qualquer julgamento mas antes uma apreciação de uma das figuras mais marcantes – despojados de cor clubística – dos últimos anos na esfera do desporto e do futebol em particular, qual ariete anti-centralismo na visão social, política ou mesmo económica.

Num tempo – e não é só ao nível desportivo no clube que sempre serviu – em que pululam sinais de não-unidade, torna-se importante que olhemos para as qualidades mais do que para os defeitos de quem procura estar ao serviço dos outros.

Sobre a figura em causa apareceram mais os substantivos do que os adjetivos. Estes costumam ser usados para adular, enquanto aqueles descrevem quem quis ou desejou incentivar outros, envolvendo-os num projeto. De facto, depois de JNLPC – na linha daquilo que preconizava o fundador do escutismo – algo mudou e ficou um pouco melhor, senão na forma ao menos no conteúdo, depois dele ter passado por este mundo.

Fique claro: não sou simpatizante nem adepto do clube a que presidiu, mas sinto que homens como este são necessários para tirar o nosso país de um certo cinzentismo acomodado e até de um cristianismo adormecido.

À semelhança do soneto de Bocage é preciso reconhecer os méritos e os erros, sem menosprezar aqueles e tão pouco negligenciar estes: o equilíbrio fará com que todos tenhamos uma missão a cumprir, enquanto estivermos nesta Terra e que saibamos acrescentar um pouco que seja à melhoria dos espaços em que nos movimentamos…

À boa maneira da vida provada pela história, que a memória desta personagem perdure na sociedade portuguesa, colhendo o que ele fez de bem em favor dos outros e que sejam purificadas as agruras próprias de quem é humano, logo frágil, limitado e (porque não) pecador.

RIP.



António Sílvio Couto

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Educação no parlamento, precisa-se

 


Já se sabia que a dita ‘casa da democracia’ – epíteto dado ao parlamento nacional ou assembleia da república – não era grande escola de boas maneiras, mas que a educação – no sentido de civismo e de respeito pelos outros – andava tão pelas ruas da amargura… ficamos a sabê-lo nos tempos mais recentes. Quais pundonores ofendidos vimos saltitar de confusão quase todos…sem olharem a meios nem pouparem nos adjetivos, que os substantivos parece estarem em saldo.

1. Embora os factos por agora relatados sejam os mais repetidos, os apartes com o microfone desligado são frequentes e quase mais audíveis do que as intervenções. O mais agravado foi que, de um certo partido nitidamente mais provocador, saíram expressões e palavras ofensivas das limitações visuais de uma interveniente anterior. Eis que se espoletou uma onda de reações cada mais agressiva do que a outra e em breve trecho o hemiciclo tornou-se um par-lamento (isto é, um espaço de lamentar o que de lá vinha e quanto por lá se dizia, mais desabrido ainda do que o antecedente) à semelhança de um ‘jardim-de-infância com gente grande e pejado de queixas e queixinhas, casos e casinhos…

2. Pior do que um realty show vimos crescerem peripécias dignas de um pais de ‘quarto-mundo’ em desenvolvimento. A peixeirada soltou-se e temos ‘a novela da vida real’ sem guião nem rede, onde vemos pessoas com instrução – doutores e engenheiros, advogados e professores – que revelam que não têm nível cultural mínimo para serem os representantes do povo, que lhes confiou o voto com maior ou menor consciência…

3. Por vezes diz-se: cada um tem o que merece! É verdade. A qualidade dos nossos ‘parlamentares’ revela o país que somos. Ainda se admiram de constarmos no lugar 43.º da apreciação da corrupção…ao nível internacional. Tudo isto que temos visto e ouvido, vindo da tal ‘casa da democracia’, faz-nos pensar que não merecemos melhor e que os que por lá andam – saber-se-á com que interesses – afinal não passam de uns disfarçados, que, quando investidos de poder, perdem a autoridade, cavando o seu descrédito e má reputação.

4. Mais do que fazer remendos à última hora, importa conhecer quem são esses/as que chegaram ao parlamento, pois o verniz agora estalado já estaria em mau estado antes de tudo isto – e o pior que virá – acontecer. Só se admirará das façanhas noticiadas quem não conheça os meios utilizados nas agremiações para acederem ao poleiro. Com efeito, as lutas de interesses confiscaram os partidos políticos e as mesquinhezes mais sórdidas campeiam entre aqueles/as que se querem fazer ‘políticos’ (profissionais ou ocasionais).

5. Já nem as ideologias conseguem catequizar os pretendentes a irem para algum lugar de poder, pois, em muitos casos, misturam-se as correntes em luta, desde que se consiga um posto de relevo e bem pago. Não deixa, por isso, de espantar que vejamos como falantes figuras que não representam nada nem ninguém, para além da vontade de aparecerem e de continuarem a usufruir de regalias ofensivas dos votantes-eleitores. Atendendo ao escrutínio a que estão submetidos os eleitos, poderá ser fácil enganar durante algum tempo, mas não o tempo todo. Decresce deste modo o leque dos que aceitam entrar nesta dança quase-mortífera da dita ‘democracia’…

6. Até quando iremos aguentar este teatro de baixa-qualidade. Muitos dos ‘nossos’ representantes no parlamento precisam de lições de civilidade – essas que deviam ter tido na casa de família ou ao menos nas escolas por onde andaram – e de cidadania mais básica, pois não se aceita que faltem ao respeito uns aos outros, sobretudo se estiverem em causa menos boas eficiências, isto é, alguma deficiência. Onde está a inclusão? Como poderemos viver em igualdade de oportunidades sem que haja aceitação das debilidades ou incapacidades? Na diferença aprenderemos o respeito por todos, sem olhar ao que não é igual!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

43.º no ranking da corrupção

 

Segundo o índice da Transparência Internacional, tornado público recentemente, Portugal ocupa a 43.ª posição entre os 180 países avaliados, o que corresponde a nove lugares abaixo da 34.ª posição de 2023, com 57 pontos numa escala de 0 (estados altamente corruptos) a 100 (elevada integridade dos estados no combate à corrupção)... a par com o Botswana e o Ruanda, embora acima de parceiros europeus como Espanha ou Itália.

1. Quais as razões deste mau desempenho, em Portugal, no combate à corrupção? Como se explica esta queda que se vem a verificar, progressivamente, desde 2015, segundo o ‘índice de transparência internacional’? Que fatores tiveram intervenção mais nítida nesta descida da ‘nossa’ credibilidade internacional? Será só ‘perceção’ de estarmos mais submetidos à corrupção ou temos, efetivamente, de refletir sobre as causas sem negligenciarmos as consequências?

2. Uma primeira leitura desta alteração quanto à corrupção diz-nos que o declínio da não-corrupção foi impulsionado pela ‘perceção de abuso de cargos públicos para benefícios privados’, gerando conflitos de interesses, potenciando situações de favorecimento político, de nepotismo e até da falta de transparência no financiamento dos partidos políticos. Por que será que tantos se acham acima da temática da corrupção e com tanta facilidade são apanhados nas teias da mesma? Os episódios recentes de certas agremiações – partidárias e não só – deixam claro que é tão fácil prevaricar em pequenas como em grandes situações...

3. Outra faceta da leitura deste problema para explicar o crescimento da corrupção no nosso país tem a ver com a perceção internacional de que a implementação da legislação em vigor e a respetiva fiscalização continuam muito aquém do necessário, criando a sensação, fora dos nossos domínios, de que falha a eficaz luta contra a corrupção. Dizem alguns entendidos que leis temos, mas cumpri-las deixa muito a desejar e a lamentar...

4. Este péssimo resultado do combate à corrupção deve-se a uma componente cumulativa: Portugal tem identificados problemas estruturais que não têm estado a ser corrigidos, com impacto e desgaste ao longo do tempo, revelando falta de compromisso político e baixa eficácia nas ações desenvolvidas... com implicações na perceção da integridade no setor público, que contribuem para este degradante resultado. De facto, o caminho para melhorar a reputação de Portugal no combate à corrupção é só um: assumir o compromisso efetivo e agir... Depois de tanta parra de palavreado, onde está algo que se possa recolher como resultado?

5. Eis o que diz o Catecismo da Igreja católica sobre este tema da ‘corrupção’ e questões afins: «Todo o processo de se apoderar e de reter injustamente o bem alheio, mesmo que não esteja em desacordo com as disposições da lei civil, é contrário ao sétimo mandamento. Assim, reter deliberadamente bens emprestados ou objetos perdidos; cometer fraude no comércio; pagar salários injustos; subir os preços especulando com a ignorância ou a necessidade dos outros.
São também processos moralmente ilícitos: a especulação pela qual se manobra no sentido de fazer variar artificialmente a avaliação dos bens, com vista a daí tirar vantagem em detrimento de outrem; a corrupção, pela qual se desvia o juízo daqueles que devem tomar decisões segundo o direito; a apropriação e o uso privado de bens sociais duma empresa; os trabalhos mal executados, a fraude fiscal, a falsificação de cheques e faturas, as despesas excessivas, o desperdício. Causar voluntariamente um prejuízo em propriedades privadas ou públicas é contra a lei moral e exige reparação» (n.º 2409).

Será que já aprendemos, ao menos teoricamente, a considerer a corrupção como pecado contra os outros e ofendendo Deus na dignidade que lhes é devida? Atualizemos as nossas necessidades de conversão continua e atualizada…



António Sílvio Couto

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Desperdício alimentar – números e desafios

 


Parece ser cada vez mais grave este fenómeno do desperdício alimentar, sobretudo, no contexto europeu. Vejamos os ‘nossos’ números quase escandalosos: 131 quilogramas de resíduos alimentares anual por cidadão da União Europeia, o que perfaz cerca de 58 milhões de toneladas de resíduos alimentares por ano. Segundo percentagens fiáveis serão estes os dados por setores de atividade: 40% de desperdício doméstico; 39% da indústria agroalimentar; 14% da restauração e 5% da distribuição…

1. Será que isto quer significar que a continuidade da fome ou mesmo da má alimentação tem causas e culpados e que não houve ainda capacidade nem interesse em enfrentar quem assim procede? Qual o resultado dos projetos europeus para atenuar ou debelar esta chaga social da fome com o correspondente desperdício alimentar? Estaremos todos a fazer o nosso melhor para que todos tenham o essencial da alimentação para viver dignamente? Não será que a ‘europa rica’ esbanja o que outras partes do Planeta precisam para terem uma condição de vida humanamente respeitada? Até onde iria o contributo de cada um de nós para que o desperdício alimentar seja revertido em função dos que precisam do que esbanjamos?

2. Por diversas formas têm surgido iniciativas de combate ao desperdício alimentar, em muitos casos tornando-se ‘movimentos’ internacionais com ramificações mesmo no nosso país. Como não recordar a já consagrada fórmula de atrair, cativar ou mobilizar do ‘banco alimentar contra a fome’, que, pelo menos duas vezes por ano, faz as suas campanhas e recolhe donativos em géneros alimentícios em largas toneladas, posteriormente distribuídos por centenas de instituições que prestam serviço àqueles que cuidam – na linguagem por vezes usada – como mais desfavorecidos.

Reefood e ’zerodesperdício’, contribuem pelas suas acções para a redução do desperdício alimentar. Com base no voluntariado, estas organizações recolhem a partir de uma vasta rede de doadores – supermercados, restaurantes, cafés, hospitais, hotéis, entidades públicas – alimentos perecíveis de consumo quase imediato. Por seu turno, algumas cadeias de distribuição, em Portugal, têm também inovado neste campo, com ações como a dos ‘legumes feios’, dos ‘produtos com desconto’, das ‘receitas desperdício alimentar zero” ou da doação de alimentos...

3. Sensibilização tem havido, mas talvez falte um plano mais abrangente e/ou ousado: ensinar as pessoas – individuais ou famílias – a poupar, a reaproveitar os excedentes das refeições e mesmo das doações que lhes são facultadas. Há casos em que as pessoas/famílias recebem ajudas em excesso – não pela quantidade mas pela escassa validade dos produtos – e podem ocorrer desleixos que se tornam também desperdício para quem precisava com maior regularidade e continuação. Efetivamente é urgente dar indicações para que as pessoas não entrem numa espiral de má gestão até porque, na maior parte das vezes, têm meios mas não os sabem gerir.

4. Sem outro objetivo que não seja o do querer acautelar, reparemos nos imensos programas de confeção de comida – deveriam ser muito mais do que disputas de culinária e de concursos de conquista – em que se podiam dar ‘dicas’ para o bom aproveitamento dos meios e das promoções em que todos possam ganhar em saúde, nas economias e mesmo na valorização cultural dos espetadores. Não haverá uma espécie de contradição entre o tal combate ao desperdício e a ênfase dada a certas formas de querer entreter, quando deveriam ser também pedagógicas e abertas às possibilidades de quem segue os programas.

5. «Soluções enérgicas para enfrentar e resolver os problemas alimentares do nosso tempo exigem que consideremos os princípios de subsidiariedade e solidariedade como fundamentos dos nossos programas e projetos de desenvolvimento, para que nunca se adie a verdadeira escuta das necessidades que vêm de baixo, dos trabalhadores e dos agricultores, dos pobres e dos famintos, e daqueles que vivem com dificuldades em áreas rurais isoladas» (Mensagem do Papa Francisco para o ‘dia mundial da alimentação’ 2024).



António Sílvio Couto

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

‘Lares de idosos’ – fora do investimento do Estado?

 


Recentemente foram lançados para a praça pública números que nos devem fazer refletir no que concerne ao tema dos ‘lares de idosos’, agora mais ou menos eufemisticamente designados de ‘estrutura residencial para idosos’ (ERPI). Dizia-se na informação veiculada que, entre 2020 e 2024, foram realizadas 3245 ações de fiscalização a lares de idosos em todo o país, tendo-se chegado à ilustre conclusão que ‘um em cada seis lares fiscalizados (568) do âmbito destas ações teve ordem encerramento’, remetendo os dados do Instituto da Segurança Social ainda que, no ano passado, foram encerrados 130 lares, o número mais elevado dos últimos cinco anos.

1. Em abono da verdade podemos e devemos considerar que boa parte dos ‘lares de idosos’ são geridos pela iniciativa privada ou estão sob a responsabilidade da ‘economia social’, isto é, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e misericórdias... ao longo de todo o país. Com isso o (dito) Estado lava as mãos e entrega aos privados aquilo que socialmente lhe competia, enquanto arrecadador dos impostos dos cidadãos e numa visão de solidariedade de todos...para todos.

2. Dado que o tema é algo complexo, será útil cogitar indicações, perceber orientações e perspetivar resoluções. Quantos ‘lares’ (na linguagem mais simples e popular) haverá em Portugal? Qual o custo de cada pessoa – na linguagem mais técnica – o ‘custo médio de utente’? Com quanto comparticipa, no geral, a segurança social para cada ‘cliente’ (este termo incomoda-me) da ERPI? Quem e como se perfaz até atingir aquele ‘custo médio’? A família sente e compreende como participa no acolhimento ao utente do ‘lar’? Qual o rácio de trabalhadores que têm de ser adstritos ao serviço da ERPI, tendo em conta o número de utentes/clientes/alojados? E se lhe acrescentarmos os serviços de ‘centro de dia’ ou de ‘apoio domiciliário’, qual o quadro de pessoal? Por que estão tão deficitários (laboral e economicamente) muitos dos ‘lares’ e como se pode resolver esta questão, cada vez mais grave e agravada na nossa sociedade? Estes ‘lares’ não denunciam algo que corre mal – embora de forma não-assumida – no contexto familiar? Terá a Igreja católica de ser o agente supletivo daquilo que compete ao Estado, servido pelo governo em exercício?

3. Estas e outras questões ocorrem-me tendo em conta os cerca de catorze anos em que tive de ser o presidente – em inerência da nomeação de pároco – de uma IPSS, onde muitos destes problemas eram constantes e diários. Quedamo-nos pelos ‘lares de idosos’ mais simples e não pelos conotados com residências de seniores e de outros produtos para quem tem dinheiro e auferiu bons ordenados e, consequentemente, pode ter regalias na idade da velhice.
Regra geral, o ‘custo médio de utente’ anda entre 1500 e 1700 euros... sem outros custos de higiene, conforto e medicamentos, inerentes à condição do idoso.
Os itens para determinar a mensalidade tem em conta três aspetos: rendimentos do idoso – a principal fonte de cálculo é o rendimento mensal do idoso, incluindo pensões, salários ou outros benefícios; rendimentos familiares – nalguns casos, também é considerada a situação financeira dos familiares responsáveis, especialmente se eles forem obrigados a contribuir; capacidade contributiva – o valor a ser pago é uma percentagem dos rendimentos, que pode variar entre 60% e 90%, dependendo da instituição e das condições do idoso.
De referir também que a comparticipação da segurança social para os idosos em ERPI é, atualmente, de 523,29 euros... por pessoa.

4. Perante estes dados – embora simples são significativos – torna-se imperativo questionar o não-investimento do Estado, pois, além de cara, a aposta seria de alto e vulnerável risco...sem resultados na hora de recolher as votações, até porque a maioria deles nem vota… Torna-se, de algum modo vergonhoso, que o Estado-providência não veja mais do que os gastos e, raramente, as pessoas, como o melhor do património.



António Sílvio Couto

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Ambição, estabilidade e ética – slogan ou programa?

 

Na despedida do programa semanal de comentário – onde esteve mais de dez anos – surgiram três palavras que bem podem ser um programa para a campanha eleitoral do candidato-opinion maker. Como seria de esperar Luís Marques Mendes (LMM) chegou-se à frente e quase já disse ao que vem, usando três palavras-ideias simples, claras e incisivas: ambição, estabilidade e ética. Ele mesmo se encarregou de as explicitar:

* Ambição – porque somos um país de um modo geral conformado, resignado e às vezes até parece deprimido, precisamos de lutar contra esta doença que temos, da pouca ambição;

* Estabilidade – não podemos passar a vida em dissoluções e eleições antecipadas… como acontece no caso da Madeira, compromentendo-se a fazer pontes para conseguir a estabilidade e para evitar crises políticas;

* Ética – uma grande parte dos portugueses está farta dos políticos, dos partidos, da classe política, sendo, por isso, necessário um maior apelo à ética na política para que as pessoas possam voltar a confiar… é necessário dar outra força à ética na vida política.

- Embora devamos exercitar algum distanciamento da opção partidária que segue e guia o emergente e assumido candidato, parece que as três linhas-força que propõe são, além de oportunas, necessárias e podem ser mobilizadoras. Efetivamente somos um país que se desmoraliza com relativa facilidade, indo do ‘oitenta ao oito’, isto é, da euforia à fossa com grande rapidez, como sói dizer-se: passa-se ‘de bestial a besta’ em segundos, caindo por terra todos os feitos mais relevantes e sendo escarafunchados os defeitos mais soezes com toda a banalização. Nota-se, em cada português, uma espécie de espírito de anti-herói sem paralelo nas culturas europeias. Os navegadores dos descobrimentos são enterrados sem honra nem préstimo e nada nem ninguém escapa…

- Desgraçadamente continuamos a ser regidos por interesses mais de facções do que pela valorização do todo e isto gera uma instabilidade atroz, tanto na esfera política como social, desportiva e até religiosa. Somos excessivamene adeptos do contra e não conseguimos despir a camisola do estar na retranca, mesmo que se reconheça que os outros têm mais valor e conseguem fazer melhor do que aqueles com que simpatizamos. Diz-se e com razão que manda mais quem não dá a cara, embora influence as decisões. O subterrâneo –sociedades anónimas e ideológicas, grupos e lóbis económicos e até fações de interesses – consegue mais vitórias do que aqueles que se pronunciam e tomam parte nas decisões…mais ou menos democráticas.

- A tão propalada ‘ética republicana’ como que subjuga e captura a desmobilização nacional. Cada vez mais percebemos que a descrença na política e sobretudo nos políticos está orquestrada para que emerjam os incompetents, como salvadores de uma certa pátria perdida. Com que recorrência vemos que campeiam os cultivadores do ‘quanto-pior-melhor’, pois assim podem enganar com as suas balelas baratas e populistas, sejam de esquerda ou de direita… usam todos os mesmos truques. Por mais que tentem acusar os outros, fazem-no para não se perceba as suas artimanhas, pois os passos são idênticos e os frutos iguais.

= Estas três palavras – ambição, estabilidade e ética – corretamente conjugadas poderão permitir-nos perceber o que esperamos uns dos outros e, particularmente, de quem está na vida política. O tempo que corre não está para ver deixar passar ou mesmo perder as oportunidades sem participar ativamente nas decisões!


António Sílvio Couto

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Para uma mentalidade de poupança – ‘50-30-20’

 

Por que será que se fala (publicamente) tão pouco de poupança e se prefere exaltar o gastar? Como podemos sobreviver se gastamos mais do que ganhamos? Até onde irá esta mentalidade consumista de ‘chapa-ganha-chapa-gasta’? Estaremos a salvaguardar o futuro pessoal e familiar? Quem está tão interessado em que não poupemos, ao menos de forma consciente e prevenida? Num tempo que joga mais na sorte do que no trabalho, terá lugar ainda a poupança?

1. Fui educado – para o bem ou para o mal – segundo um princípio talvez minimalista: se tens compras, se não tens esperas até ter... Mesmo ainda de forma a contra-a-corrente parece que falar de poupança ou de algo que preveja privar-se até se conseguir os meios soa a menos ambição ou quase a roçar quedar-se pelos pés, quando tantos outros se lançam a voar mais alto, mesmo que não tenham asas para surtir o tão desejado efeito. De forma um tanto clássica procuremos a definição de ‘poupança’.

Colhi da consulta feita: poupança ou aforro é a parcela da renda ou do património que não é gasto ou consumido no período em que é recebido e, por consequência, é guardado para ser utilizado num momento futuro. Poupar exige que não se consuma todo o rendimento.
O conceito de poupança está intimamente relacionado com a redução de despesas, em particular dos gastos recorrentes. No contexto de finanças pessoais, poupar geralmente refere-se à preservação do capital em aplicações de baixo risco (confrontando a segurança de manter o saldo em uma conta de depósitos contra aplicá-lo num investimento financeiro, onde o risco é maior). Para a economia, poupança é um conceito amplo que se refere a toda receita não destinada ao consumo imediato.

2. A principal regra da poupança é pagar-se a si mesmo em primeiro lugar. O que é que isto significa? Quando receber o seu salário, deve logo separar uma parte para a poupança, antes de considerar os seus gastos. A dúvida é: quanto deve colocar de parte?
Uma das sugestões mais conhecidas é a regra dos 50-30-20, que propõe uma divisão do rendimento líquido da seguinte forma: 50% para as despesas essenciais (habitação, alimentação, transportes, entre outros); 30% para os gastos discricionários (lazer, entretenimento, compras não essenciais); 20% para poupança e investimento.

3. Diante deste panorama de conduta, será de questionar quem assim procede – ou deseja conduzir-se – e com que resultados. De facto, hoje vivemos numa espiral de gastos onde pouco ou nada fica para ‘coisas’ necessariamente previstas e muito menos para acorrer a situações imprevistas e/ou não-programadas. Talvez devamos encarar assuntos como a habitação, a educação (escolaridade e aproveitamento), vida social e aspetos de afirmação pública ou mesmo as formas de vestir, de adquirir carro ou até de sair para comer fora neste âmbito da poupança mais do que da pretensão em querer dar nas vistas, mesmo que isso possa significar falência económica ou andar coberto de dívidas, socorrendo-se de créditos para pagar outros empréstimos… De facto, ser honesto consigo mesmo e com os outros implica restrições e poupanças bem geridas. Andar de cabeça levantada, sem ter de se encolher ao passar pelos credores implica boa gestão e não mera aparência e faz-de-conta até que se descubra.

4. Enquanto vivermos nesta fachada do parecer e não do ser, continuaremos a não sairmos da cauda da Europa, mesmo que sejam deitados milhões em subsídios nas nossas contas, pois tudo isso terá de ser pago e com juros. As gerações mais novas e certos setores da sociedade estão mais vulneráveis à flutuação das contingências e com dificuldade levantaremos cabeça se nos continuarem a manipular com o espicaçar do consumo e não a sabermos deixar-nos ser educados para a poupança mínima e audaz. Basta, como diz o povo, de ‘ter boca de rico e bolso de pobre’…deste é que são pagas as contas, as dívidas, os créditos e os investimentos. Como sempre a boa educação começa em casa e nos exemplos que nos são dados e que damos aos vindouros!



António Sílvio Couto