Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 29 de junho de 2023

Droga: negócio e/ou vício em expansão?

 

As notícias de apreensão de droga são quase diárias. Os números em toneladas quase escandalosos e os valores referidos escabrosos. Se há negócio é porque há venda, se esta acontece verifica-se consumo e este justifica-se com que razões? Quem são as vítimas e os fautores? Até que ponto os riscos de serem apanhados (os traficantes) consegue suplantar os proventos?

1. No passado dia 26 de junho ocorreu o ‘dia internacional contra o abuso e tráfico ilícito de drogas’, tendo sido publicitados números sobre apreensões só neste ano… até àquela data: onze toneladas de cocaína, trinta toneladas de haxixe e de outos estupefacientes. Os dados de 2022 dizem que tinham sido apreendidas cerca de dezassete toneladas de cocaína… foram ainda confiscados aos traficantes mais de trezentos automóveis, sobretudo de gama alta, nove veleiros, quase dois mil e quinhentos telemóveis e 2,4 milhões em dinheiro vivo… Portugal encontra-se, desde 2018, nos cinco primeiros países europeus com mais cocaína capturada.

2. Mesmo que de forma aleatória há notícias que nos podem e devem deixar perplexos: em cada dois dias, em média, as forças de segurança são chamadas a intervir numa qualquer escola do nosso país devido a problemas com drogas ou ainda que o tráfico e consumo de drogas junto das escolas cresceu 74% em 2022. Estes e outros dados exigem que não deixemos o problema sem solução, mesmo que possa haver demasiados interesses em jogo, por dentro ou por fora do sistema…

3. Perante a complexidade deste tema dos estupefacientes há perguntas que podem ser feitas, tentando encontrar as respostas mais adequadas e simples: Quais os motivos que levam uma pessoa a usar drogas? Quais as consequências das drogas? O que leva os jovens a entrarem no mundo das drogas? O que é o traficante consumidor? Em que contexto é que a droga surge mais frequentemente? Como ajudar uma pessoa a livrar-se do uso de drogas? Como prevenir o uso de drogas? Qual a relação entre toxicodependência e criminalidade?

4. O consumidor tipo de substâncias à base de canábis é homem, licenciado, trabalha, vive com os pais e diz consumir estes produtos para reduzir o stress, melhorar o sono e tratar a depressão – revela um estudo, feito em cerca de trinta países europeus, entre os quais Portugal, através do ‘serviço de intervenção nos comportamentos aditivos e nas dependências’.

5. O que é considerado tráfico de estupefacientes? Tendo em conta o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 49/2021, de 23 de julho, artigos 21.º; 23.º e 24.º; 26.º; 34.º– 40.º; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, Diário da República, 2.ª série, 2 de Abril de 1992; Acórdão para fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008, Diário da República, 1.ª série, 5 de Agosto de 2008: Considera-se que comete um crime de tráfico de estupefacientes quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou detiver plantas, substâncias ou preparações. Para se verificar este crime, basta apenas que alguém, com conhecimento e vontade de o fazer, compre, transporte ou detenha um produto estupefaciente não destinado ao seu consumo privado, nem dentro das quantidades entendidas pela lei como consumo.

A punição destas actividades visa defender a saúde pública e proteger a vida em sociedade, na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e leva ao cometimento de crimes associados (por exemplo, furtar ou roubar para consumir, ou crimes que resultam da violência ou distúrbios causados pelo consumo). O tráfico tipo é punido com prisão de 4 a 12 anos ou de 1 a 5 anos, conforme as substâncias que estiverem em causa. A pena pode ser aumentada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo em situações de tráfico agravado.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 28 de junho de 2023

A quem interessa não promover a poupança?

De muitas e variadas formas vemos promover mais o consumo do que a poupança. Certos episódios do coletivo recente vieram trazer ainda mais à luz do dia que estamos sob uma forma de governação que prefere incentivar o consumo do que favorecer sinais e ações de poupança, tantos das pessoas como das famílias. Aquilo que foi a desvalorização abrupta e decidida pelo poder em exercício dos juros nos ‘certificados de aforro’ pareceu apenas mais um indício de que a governação prefere lançar dinheiro para gastar do que criar condições de poupança, seja qual for a valorização…

1. A desacreditação sobre o poupar já nos deixou imensos prejuízos, em tempos mais ou menos recentes, pois incentivar o endividamento fez-nos cair nalguns fossos económicos, quase sempre construídos pelo mesmo setor ideológico: as crises cíclicas depois de passarem os socialistas pela governação são sinais evidentes de algo mais profundo do que mera coincidência. A fórmula ardilosa como as entidades bancárias tentam impingir créditos deixarão marcas idênticas naqueles que caírem no logro…Como se fôssemos um povo rebelde, que não aprende com os erros do passado, estamos a dar os mesmos passos, que trarão idênticas consequências para todos.

2. O endeusamento da economia – mais parece de economicismo – como a nova religião, com a panóplia de servidores e de fregueses faz com que vivamos mais em ordem ao materialismo do que tendo em vista os cuidados para com o futuro, pessoal, familiar ou comunitário. As catedrais do consumismo são mais atraentes do que as das religiões tradicionais, pois naquelas se veem os fatores de produção quantificáveis numa experimentação emotivo-sensorial que cativa quem se reduz a viver para o prazer mais ou menos lícito.

3. Veja-se como, hoje, muitos fazem sucesso com o desperdício dos outros, desde as roupas trocadas pelos indícios da moda, as comidas esbanjadas que podem fazer proveito a desfavorecidos, as diversões que atiram para a berma da vida os desqualificados, os descartáveis e descartados pela família e a sociedade, os empurrados para fora da pista porque não alinham nas pretensões da maioria… São imensos os sinais de imaturidade de boa parte das pessoas do nosso tempo, pois julgam creditar-se pelos bens que ostentam, pela fachada que cultivam ou mesmo pela incongruência com que vivem. Para além de um novo-riquismo estamos confrontados com misérias morais normalizadas pela sociedade de consumo e de egoísmo…

4. Dizia recentemente o Papa Francisco: «De facto, também hoje, podemos ser ridicularizados ou discriminados se não seguirmos certos modelos em voga, que, no entanto, colocam muitas vezes no centro realidades de segunda categoria: por exemplo, seguir coisas em vez de pessoas, desempenhos em vez de relações (...) Tudo isto implica alguma renúncia perante os ídolos da eficácia e do consumismo, mas é necessário para não nos perdermos nas coisas, que depois são deitadas fora (...) Permanecer fieis ao que conta custa; custa ir contra a maré, custa libertar-se dos condicionamentos do pensamento comum, custa ser afastado por aqueles que “seguem a onda”» (Angelus de 25 de junho de 2023).

Retenhamos nestas palavras aquilo que é denúncia de uma sociedade podre e apodrecida, que coloca mais a sua confiança nos bens materiais do que nas causas humanitárias, nas vertentes hedonistas do que nos projetos humanistas, nas tricas de gabinete do que no compromisso em favor dos outros…

5. Desgraçado país (família ou pessoa) que viva na lógica do ‘chapa-ganha-chapa-gasta’. Pior ainda se se guiar pelo gastar o dobro daquilo que ganha… tudo colapsará. Neste país em saldos torna-se difícil – senão impossível – dar conta do recado de podermos sobreviver aos desejos incomensuráveis desta sociedade de consumo, que faz do ter a forma de viver, ainda que seja pelo disfarce e a mentira. Temos boca de rico e bolsa de pobre. Haja quem nos diga a verdade e por ela nos governe com simplicidade e coerência!



António Sílvio Couto

terça-feira, 27 de junho de 2023

Que Pedro celebramos nos ‘santos populares’?

 

A terminar o mês de junho encontramos a festa (popular) de São Pedro. Se bem que seja celebrado em conjunto com São Paulo, só Pedro merece atenção das diversões. A celebração de São Pedro e São Paulo comemoram o seu martírio, por isso, não seria de bom-tom vulgarizar tais festanças. De alguma forma para o incluir nos festejos populares, cuidou-se de despir São Pedro da solenidade papal e fazê-lo um pescador, que era de origem, colocando-o mais ao nível dos que o pretendem festejar. É, por isso, significativo que São Pedro seja celebrado nas localidades com proximidade ao mar ou aos rios, naquilo que tem de linguagem e de diálogo com esses meios e formas de estar, com procissões marítimas e outros festejos com sabor a sal.

A celebração de São Pedro concede feriado, no dia 29 de junho, em dezassete municípios, em Portugal.

1. À descoberta de Pedro na Bíblia

Pedro é a personagem mais conhecida e citada nos escritos neotestamentários: é mencionado 154 vezes com o cognome de Pétros, ”pedra”, “rocha”, que é a tradução grega do nome aramaico que lhe foi dado diretamente por Jesus, Kefa e afirmado nove vezes sobretudo nas cartas de Paulo; depois, deve-se acrescentar o nome frequente Simòn (75 vezes), que é a forma helenizada do seu original nome hebraico Simeon, aprece-nos duas vezes: At 15, 14; 2 Pd 1, 1. (*)

Simão era de Betsaida (cf. Jo 1, 44), uma pequena cidade a oriente do mar da Galileia, da qual provinha também Filipe e André, irmão de Simão. Pelo seu sotaque se percebia que era galileu. Tal como o irmão, era pescador e com a família de Zebedeu (pai de Tiago e de João), dirigia uma pequena empresa de pesca no lago de Genesaré (cf. Lc 5, 10). Pedro era casado e a sogra, curada um dia por Jesus, vivia na cidade de Cafarnaum, na casa na qual também Simão vivia quando estava naquela cidade (cf. Mt 8, 14 s; Mc 1, 29 s; Lc 4, 38 s). O ponto de partida é o chamamento por parte de Jesus. Acontece num dia em que Pedro está empenhado no seu trabalho de pescador. Jesus encontra-se junto do lago de Genesaré e a multidão reúne-se à sua volta para o ouvir. O número dos ouvintes gera uma certa confusão. O Mestre vê duas barcas ancoradas à margem; os pescadores desceram e lavam as redes. Então, Ele pede para entrar na barca de Simão, e pede-lhe que se faça ao largo. Sentado naquela cátedra improvisada, da barca, começa a ensinar à multidão (cf. Lc 5, 1-3). E assim a barca de Pedro torna-se a cátedra de Jesus. Quando terminou de falar, diz a Simão: “Faz-te ao largo e lança as redes para a pesca”.
Simão aparece nos Evangelhos com um carácter decidido e impulsivo, estando disposto a fazer valer as próprias razões também com a força (pense-se no uso da espada no Horto das Oliveiras: cf. Jo 18, 10 s). Ao mesmo tempo, por vezes é também ingénuo e medroso, e contudo honesto, até ao arrependimento mais sincero (cf. Mt 26, 75). Os Evangelhos permitem-nos seguir passo a passo o seu itinerário espiritual.
Pedro vive outro momento significativo no seu caminho espiritual, nas proximidades de Cesareia de Filipe, quando Jesus faz aos discípulos uma pergunta: “Quem dizem os homens que Eu sou?” (Mc 8, 27). Mas para Jesus não era suficiente a resposta do que tinham ouvido dizer. Daqueles que aceitaram comprometer-se pessoalmente com Ele pretende uma tomada de posição …depois disso Jesus investe Pedro como chefe do grupo: ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja’…

2. Quais serão as razões mais percetíveis para se dar destaque a São Pedro e não a São Paulo, se celebramos de ambos, no mesmo dia, o seu martírio? Por que se presta São Pedro aos festejos populares e não São Paulo? Será que é a sua ligação às lides do mar que faz de São Pedro alguém mais popular do que São Paulo versado mais nas letras sagradas?

O que sabemos pela tradição popular é de se fazer de São Pedro um santo que está perto do povo e proporciona fazer festa, unindo tradições e criando motivos para que se possa alegrar-se… Serão os festejos a São Pedro tão católicos quanto seria desejável?

(*) Está no prelo uma publicação intitulada – ‘Chamados e enviados como testemunhas’ – onde se explica demoradamente esta figura nos evangelhos e mais quarenta e nove…também nos Atoa dos Apóstolos.



António Sílvio Couto

quinta-feira, 22 de junho de 2023

São Tomás Moro - padroeiro dos políticos

 


Depois de várias solicitações, o Papa João Paulo II declarou ‘patrono dos políticos’ São Tomás Moro, no dia 31 de outubro do ano 2000.

Celebrando-se, liturgicamente, São Tomás Moro no dia 22 de junho - e por entre as ‘diversões’ dos santos populares - deixamos excertos do resumo da vida deste santo, até pela originalidade de ter sido declarado padroeiro de uma classe por vezes não tão (ao menos na aparência) cristã como seria desejável.

Tomás Moro nasceu, em Londres, no ano 1478, de uma respeitável família, foi colocado, desde jovem, ao serviço do Arcebispo de Cantuária, João Morton, Chanceler do Reino. Continuou depois, em Oxford e Londres, os seus estudos de Direito, mas interessando-se também pelos vastos horizontes da cultura, da teologia e da literatura clássica. Dominava perfeitamente o grego e criou relações de intercâmbio e amizade com notáveis protagonistas da cultura do Renascimento, como Erasmo de Roterdão. O seu mais célebre escrito é a ‘Utopia’ (1515).
A sua sensibilidade religiosa levou-o a procurar a virtude através duma assídua prática ascética: cultivou relações de amizade com os franciscanos conventuais de Greenwich e demorou-se algum tempo na cartuxa de Londres, que eram dois dos focos principais de fervor religioso do Reino. Sentindo a vocação para o matrimónio, a vida familiar e o empenho laical, casou-se em 1505 com Joana Colt, da qual teve quatro filhos. Tendo esta falecido em 1511, Tomás desposou em segundas núpcias Alice Middleton, já viúva com uma filha. Ao longo de toda a sua vida, foi um marido e pai afectuoso e fiel, cooperando intimamente na educação religiosa, moral e intelectual dos filhos. Diariamente, Tomás participava na missa na igreja paroquial.
Em 1504, no reinado de Henrique VIII, foi eleito pela primeira vez para o Parlamento. O rei renovou-lhe o mandato em 1510 e constituiu-o ainda como representante da Coroa na capital, abrindo-lhe uma carreira brilhante na administração pública. No decénio sucessivo, Henrique VIII várias vezes o enviou em missões diplomáticas e comerciais à Flandres e territórios da França actual. Constituído membro do Conselho da Coroa, tornando-se em 1523 presidente da Câmara dos Comuns.
Foi nomeado pelo rei em 1529, num momento de crise política e económica do país, Chanceler do Reino. Tomás Moro, o primeiro leigo a ocupar este cargo, enfrentou um período extremamente difícil, procurando servir o rei e o país. Fiel aos seus princípios, empenhou-se por promover a justiça e conter a danosa influência de quem buscava os próprios interesses à custa dos mais débeis. Em 1532, não querendo dar o próprio apoio ao plano de Henrique VIII que desejava assumir o controle da Igreja na Inglaterra, pediu a demissão. Retirou-se da vida pública, resignando-se a sofrer, com a sua família, a pobreza e o abandono de muitos que, na prova, se revelaram falsos amigos.
O rei mandou prendê-lo, em 1534, na Torre de Londres, onde foi sujeito a várias formas de pressão psicológica, mas Tomás Moro não se deixou vencer, recusando prestar o juramento que lhe fora pedido, porque comportaria a aceitação dum sistema político e eclesiástico que preparava o terreno para um despotismo incontrolável. Ao longo do processo que lhe moveram, pronunciou uma ardente apologia das suas convicções sobre a indissolubilidade do matrimónio, o respeito pelo património jurídico inspirado aos valores cristãos, a liberdade da Igreja face ao Estado. Condenado pelo Tribunal, foi decapitado a 6 de julho de 1535.
Juntamente com outros 53 mártires, entre os quais o Bispo João Fisher, Tomás Moro foi beatificado pelo Papa Leão XIII em 1886 e canonizado, com o citado Bispo, por Pio XI no ano 1935, quando se completava o quarto centenário do seu martírio.

= Considerações finais, na comunicação de João Paulo II:
* É na defesa dos direitos da consciência que brilha com luz mais intensa o exemplo de Tomás Moro e podemos dizer que viveu de modo singular o valor de uma consciência moral.
* A vida de S. Tomás Moro ilustra, com clareza, uma verdade fundamental da ética política. De facto, a defesa da liberdade da Igreja face a indevidas ingerências do Estado é simultaneamente uma defesa, em nome do primado da consciência, da liberdade da pessoa frente ao poder político.

São Tomás Moro, rogai por todos nós.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Coisas com o futebol por sujeito

Mesmo com os campeonatos já terminados, o futebol continua a provocar assunto de conversa, de discussão e de controvérsia. Aquilo que era considerado o defeso vem-se tornando matéria de notícia e, nalguns casos, de razoável confusão: tráfico de pessoas, viagens de políticos a jogos, ofensas a adversários, problemas dentro e fora dos campos…em sessões de ‘tricot-de-língua’ por horas intermináveis.

1. Para quem goste deste desporto tais assuntos cheiram a querer vender um produto de baixa qualidade, dado que da prática do mesmo pouco ou nada se fala, antes se dá destaque às intrigas e quezílias, aos problemas e conflitos, às manobras e truques…intervindo quem menos sabe do tema, embora se pretenda insinuar como esperto e sabichão… Como é possível, todas as noites e sete dias por semana, vermos canais televisivos – sobretudo de cabo – a gastarem horas a escalpelizar jogadas, intenções, provocações, insinuações, ofensas… Uns comem a carne – os que transmitem os jogos – e outros escorropicham os ossos – os comentadores – televisivos e não só? As coisas do futebol alimentam tanta gente…

2. Quantas questões emergem quando se quer trazer o futebol à liça: os milhões envolvidos na compra-e-venda do material. Como é possível falar-se, no século XXI, de comprar/vender pessoas? Isso não cheira a escravatura? Ou deixa de ter tal designação só porque envolve muito dinheiro de habilidosos com a bola nos pés? No futuro condenar-nos-ão porque estivemos em silêncio quanto a esta forma requentada de escravatura, sem olhar à tez, mas se quedou pela destreza em jogar à bola… Quais meretrizes ofendidas na sua virtude, vimos como se lamentaram tantos dos beneficiários, quando se percebeu a máquina que encobria os jovens trazidos de África e da América Latina, numa tal academia desportiva… Este foi apenas um exemplo que envolvia altos responsáveis dos comandos do futebolês…

3. Quantos dão tudo – desde a fortuna pessoal até ao futuro da família – para aparecerem associados ao algum projeto desportivo. Depois de uns tantos ‘patos-bravos’ terem perdido os bens com apostas ligadas ao futebol, vemos que este ainda seduz certos papalvos, como se uns anos de fama conseguissem livrar das responsabilidades civis e criminais. A sede de poder continua a ser mais forte do que o bom senso, a verdade e as possibilidades… Não há meio de aprenderem uns com os outros!

4. Milhares e milhares de jovens – rapazes e raparigas – quase que trocam o certo pelo inseguro para se dedicarem ao futebol, mais do que outro desporto. O fascínio por serem famosos e ricos quase lhes hipoteca o futuro: veem a nuvem da fama, mas esquecem-se dos sacrifícios. Já confrontei pais que contestam a ida de adolescentes para o seminário, mas aceitam e fomentam a possibilidade de enfiarem os filhos numa ‘academia’ qualquer de futebol, pois aí poderão ter futuro… O jogo do dinheiro e o dinheiro em jogo são mais fortes e apelativos!

5. A sagrada aliança futebol-política continua viva, desde a mais pacata autarquia até à cúpula do governo e dos dignitários da Nação. Poucos fogem desses momentos de visibilidade, antes parecem moscas atraídas ao mel. Por vezes contestam a presença de uns, mas com facilidade se percebe que é mais por inveja do que por desdém. Talvez fosse mais útil a distinção de campos e o esclarecimento de tarefas, pois a confusão favorece, normalmente, os oportunistas e incompetentes.

6. Tem-se vindo a tornar uma praga: os jogadores a serem ofendidos em razão da cor da pele ou de terem já jogado noutros clubes, que não aquele onde se joga ao tempo. Efetivamente, como barómetro da conduta social, o futebol, para além de escape de emoções, está tornar-se foco de convulsões. Não será isto um sinal da má gestão emotivo-psicológica com que têm vindo a sobrecarregar o futebol? Assim, não, obrigado!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Num país de inúteis: uns comentam e outros disfarçam

 

Os tempos mais recentes têm sido prolixos em exemplos de pessoas mais ou menos ‘consagradas’ na asneira, seja pelas atitudes, seja pela omissão, sem esquecermos os erros, disfarces e mentiras acumuladas e cumulativas. Numa verbalização sem rede, como que ouso colocar certos meios de comunicação sob o epíteto de ‘jornalismo bosta’, quando se regozijam em denunciar (mesmo sem provas totais) erros dos membros eclesiásticos e se eximem de usar – no tempo correto e adequado – idênticos meios para noticiar terem sido ilibados do não-feito. Pior ainda: são uns tantos (bem colocados e cotados no ranking) que têm um especial tratamento – sabe-se lá por quê – por alguns responsáveis da Igreja… Serão julgados a condizer, tanto os beneficiados como os aduladores.

Vamos alguns factos.

1. Num país minimamente civilizado o que aconteceu com as mortes por fogo em 2017 e em 2018 teria feito cair o governo, mas, pelo contrário, conseguiram voar sobre tudo e todos, deixando as vítimas em longos tempos de espera, sem explicações razoáveis e consequentes. Centenas de mortos foram varridos para debaixo do tapete socialista (e quejandos comunistas e trotskistas – ao tempo de conluio de púcaro e pucarinho) sem pejo nem vergonha. Se o número de atingidos tivesse ocorrido na faixa do litoral – Loures/Odivelas ou Cascais/Oeiras – o trato teria sido tão superficial e inconsequente? Ficamos a saber que os cidadãos do interior valem menos do que os que os da beira-mar! Querem exemplo mais lídimo da incompetência, mesmo na hora de votar? No entanto, os que governavam ao tempo ganharam mais duas vezes nas eleições…Por que não explode a paciência nesta hora de denunciar tantos oportunistas inconsequentes? Será porque não há melhor ou parece ser melhor viver nesta rotina de vencidos?

2. Já vai longa a trama das galambices, isto é, de meias-palavras, meias-verdades, meias-declarações, meias-de-nada… Um breve episódio atingindo a transportadora aérea nacional tornou-se um facto-político obsessivo, com quase quatrocentas horas de uma comissão de inquérito, onde pouco se disse e nada se ficou a conhecer melhor. No mais elevado modelo da arte de bem-enganar temos andado entretidos com coisas inúteis, mas bem exploradas por quem delas se serve para ludibriar os eleitores. Nos intervalos fazem sair umas sondagens que nada mudam, pois sendo de encomenda resultam para quem as suporta… E, como sempre, lá estão uns certos papagaios de atalaia, não vá a voz do chefe perder sonoridade.

3. Se dúvidas ainda houvesse de que há um plano subterrâneo bem urdido quando se fala dos ‘abusos sexuais na Igreja’ bastaria atender às notícias mais recentes, pois o desmentido sobre um padre que tinha sido acusado não teve a mesma cobertura – essa de parangonas de escândalo – aquando da publicitação do assunto. O tal ‘jornalismo bosta’ não se limpa na hora de repor a verdade. No mínimo, numa comunicação social digna ter-se-ia de dar a mesma cobertura ao assunto – mesmo ao abrigo do ‘direito de resposta’ – e com a significação de repor a ofensa à honra e bom nome de cada pessoa. Daquilo que conheço do padre atingido, preparem-se para a luta que terão de enfrentar, não esquecendo as pessoas ‘políticas’ com quem se relaciona…

4. Confesso que, cada vez mais, fico baralhado com o futuro próximo: por estes dias das quatro crianças (dois e duas) que fizeram a primeira comunhão – tanto quanto era percetível – a maioria já não tem os pais a viverem juntos… e a fazer fé no leque (ou será estrato?) social de onde provêm a questão é assaz preocupante. Nota-se algo convulso no que toca à família, tanto ao nível social como religioso. É deveras inquietante o que colheremos nos próximos tempos. As crianças de hoje, como homens e mulheres de amanhã, deixam-nos grandes preocupações: o que serão estes progenitores, se viveram experiências complexas como mais novos? As marcas em tempos de infância e de adolescência serão feridas sem resposta nos seus vindouros… As prosápias atuais não resolverão os questionamentos na hora da verdade! De facto, os mercedes, os jaguares, os bmw’s com que os pais se enfeitam, não resolverão as lacunas irresolúveis!



António Sílvio Couto

sexta-feira, 16 de junho de 2023

São João, festa de fogo, no solstício?

 

De São João, no contexto dos «santos populares’, no mês de junho, celebramos o nascimento, três meses depois da celebração da Anunciação (Lc 1,26-38) e seis meses antes da celebração do Natal, isto é, no solstício do verão, no hemisfério norte. As festas em volta do fogo têm marcas de culturas pagãs e nem a colocação da celebração do nascimento de São João nessa ocasião do calendário conseguiu vencer cultos ancestrais, que têm estado a ser revigorados, na proporção direta do neopaganismo reinante. Repare-se na exaltação do fogo, como tributo ao deus sol, que se manifesta prolixamente na noite de São João. As fogueiras e o saltar a fogueira – como purificação pelo fogo – são mais alguns dos indícios pagãos nas celebrações sanjoaninas.

1. É digno de registo que São Batista dá ‘feriado municipal’ a trinta e quatro concelhos no nosso país, o que significa um número superior aos do conjunto de santo António (14 municípios) e de são Pedro (17 municípios). Para além deste dado sociológico outros aspetos estão em reflexão por ocasião do dia 24 de junho, solenidade de são João Batista. O culto do lazer é cada vez mais incentivado e vivido como forma de estar na vida, podendo correr-se o perigo de confundir não-trabalho com profissão de sucesso…

2. Atendendo a que a celebração de são João coincide com o solstício de verão, no hemisfério norte, as manifestações pirotécnicas sanjoaninas têm uma profunda relação com celebrações ancestrais de cultos ao ‘deus-fogo’, cujos rituais passam por acender fogueiras, saltar à fogueira e outros artefactos onde o fogo entra como elemento essencial de comunicação humano-divina… No entanto, estas manifestações ‘culturais’ podem redundar em neopaganismo, se não forem enquadradas no conteúdo e na forma. Com efeito, quando a fé esmorece surgem com frequência recursos a outros sinais ‘religiosos’, por vezes de difícil distinção entre o verdadeiro e o falsificado.

3. À semelhança do que acontece por ocasião do santo António também no são João encontramos marchas populares. Embora tenham sido um dos cartazes de propaganda do ‘Estado novo’, têm vindo a reflorescer com novos motivos e agregando populações com afinidade. Pelo tempo empregue a preparar, pelo compromisso em ensaiar e pela forma galharda como aparecem no contexto festivo do são João, as marchas populares permitem perceber a onda ‘cultural’ de cada terra e/ou região. De facto, desde as indumentárias até aos ritmos musicais e passando pelas letras, as marchas populares revelam em cada ano algo mais do que aquilo que dizem ou mostram. As marchas conseguem-se através da conjugação de sinergias e de diálogo de idades, podendo ser uma parte visível do tempo da festa…

4. O povo precisa de festa, mas não pode vivê-la a qualquer preço, sabendo o significado e quais as envolvências humano-culturais que a motivam. Por isso, urge denunciar certas subtilezas e corrigir aproveitamentos de forças menos claras sobre o assunto. Sobretudo as festas que têm por patrocínio os santos devem ser purificadas para que não estejamos a ofender quem deveríamos honrar. Sobre o são João precisamos de estar atentos aos sinais de paganização introduzidos, cultivados ou recorrentes. Este santo da austeridade de vida pessoal não pode servir para dar cobertura aos desmandos com que é torneado por ocasião dos seus dias de festejo. São João merece mais e, sobretudo, melhor.

5. Os santos populares dão cobertura ao tempo de festa que o povo espera, precisa e cultiva, mas que saibamos viver a diversão sem ofendermos Deus com os nossos excessos de nivelação dos santos aos nossos interesses!



António Sílvio Couto