Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Quem festeja e quem é incomodado

 


Terminados mais de dez dias de festança, a Moita volta à normalidade. Os milhares de forasteiros vieram à procura dos seus interesses. Ocuparam os espaços, obrigaram a reconfigurar os dos residentes, fizeram barulho até alta horas da noite e muito lixo, sacudiram alguma da pacatez, possivelmente criaram riqueza, mas sobretudo incomodaram sem olhar a meios… Uns dizem que é cultura, outros quedam-se pela (dita) tradição e outros talvez aproveitem (se têm possibilidade e tempo) para sair da imensa e atribulada confusão…

1. Sem qualquer pretensão de fulanizar o assunto considero que esta matéria das ‘festas populares’ revelam muito daquilo que somos e do que damos a conhecer sem tal ser desejado. O povo – essa entidade anónima que aprecia ‘pão e jogos’ – precisa de aliviar as agruras da vida, dando largas as suas motivações de festejar. Por vezes dá-se-lhe mais do que aquilo que pede, pois com isso se pode alienar mais uns tempos e regozijar por outros momentos…sem pensar naquilo que tenta esconder. As festas podem ser rituais (religiosas ou sociais) ou cíclicas, umas configuram uma vivência geral e outras vinculam mais os que as sentem como as ‘suas’ festas. Sobretudo estas têm uma valorização acrescida se tentam serem diferentes no contexto geográfico onde se inserem. Cada qual (pessoa ou entidade) acha-se, por algum tempo, centro do resto da história… As festas são necessárias, mas precisam de outra tonalidade menos brejeira…

2. Em muitas circunstâncias quem esteja em festa absolutiza as suas referências e ofusca quem não está no mesmo cumprimento de onda. Assim podem aparecer os ‘lesados da festa’, isto é, aqueles a quem ninguém pediu autorização para os eventos, mas que têm de os aturar mesmo que contrariados. São os que têm de aprender a estar com o barulho – literalmente – noite e dia; os que veem os lugares de estacionamento ocupado com barracas – sem tirar o conceito mais primário – de comes-e-bebes, sorvendo os odores por longos dias; são os que, ainda que contrariados na forma, aguentam com o conteúdo das festas.

3. Os promotores das festas deviam tê-las ao pé de casa e não engendrarem complicações para onde as querem fazer. Deviam, por breves momentos que fossem, terem de confrontar-se com os atropelos ao sossego na sua própria casa. Os que executam as festas podiam considerar a possibilidade de fazerem o programa das festas sob as condicionantes de virem a esvaziar-se os estabelecimentos comerciais – cafés e não – para não terem de confrontar-se com má-criação e faltas de respeito… Quantos dias serão precisos para aferir à normalidade a vida dos incomodados pelos dias das festas? Quem compensa as noites de insónias devidas aos barulhos de grupos mal avinhados? As consequências levam dias a recuperar…

4. Breves questões de teor sociológico podem ser colocadas perante certas atitudes e comportamentos da maioria dos que participam nas festas. A ver pela forma contínua e quase ávida de andarem sempre a comer, poder-se-á questionar: muita fome anda escondida no resto do ano? A avaliar pelo consumo de bebidas alcoólicas algo se passa de preocupante na saúde de tanta gente, com particular preocupação para o setor mais novo da nossa sociedade: a beber desta forma desregulada pagaremos todos a médio prazo a fatura na saúde pública… doenças já debeladas voltarão em força.

5. Embora parecendo uma nota de rodapé considero que a vertente religiosa – que dá cobertura à maior parte das festas populares – não se percebe, para além da irrelevância que lhe é dada, mas também pela menos boa participação dos que à dimensão religiosa se rotulam. Os festejos são em honra dos santos ou de Nossa Senhora, mas o proveito é dos que a eles menos ligam ou se sentem comprometidos. Não andaremos a usar os santos ou Nossa Senhora para que possamos fazer o que nos dá na real-gana?

Coerência e verdade ‘noblesse oblige’!



António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário