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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Calçar os sapatos de outro…

 

Diz uma expressão popular: ‘calçar os sapatos do outro para ver onde o calo aperta’! Há quem considere esta expressão contendo uma referência à empatia manifestada para com alguém, tanto ao perto como ao longe. No entanto, poderemos considerar ainda a expressão em apreço como uma tentativa de imitar um alguém, de boa reputação e elevada proporção, dando-lhe o sentido de querer como que seguir os passos do anterior e o subsequente limitar-se a deixar correr para o que haverá de ser benéfico ao imitador.

1. Em muitos campos de atividade vemos como uns tantos se aproveitam de outros, mesmo que a réplica possa ser de inferior qualidade. Tentar aferir-se àquilo que já foi feito pode ser de razoável, dando protagonismo àquele que é imitado, sobretudo nas virtudes e bons desempenhos. Mal vai uma sociedade ou uma cultura se não consegue apresentar aos mais novos exemplos e testemunhos que os motivem a serem melhores cidadãos e até sinceros cristãos. Essa é a função das biografias dos santos e santas, que, tendo vivido no seu sentido tempo e em lugares concretos, nos servem de motivação para a nossa vida. Com efeito, nós, cristãos-católicos, temos heróis e santos que podem ser apresentados como fidedignos seguidores do Evangelho e de Jesus.

2. As coisas complicam-se na abordagem ao tema, quando vemos tantos a dizerem-se discípulos de Jesus, mas a atropelarem os valores do Evangelho, quando, por má qualidade da sua vivência da fé em Cristo, tentam promoverem-se à custa de quem procura ser sério, sereno e sensato, mas o que mostram é, antes, oportunismo e má reputação. Neste sentido ‘calçar os sapatos de outro’ poderá parecer uma forma de se aproveitar do bom desempenho de outro, mas vinculando-se naquilo que se poderá considerar aproveitamento dessa figura ou de se colar àquilo que lhe pode trazer benefícios não merecidos. Quando alguém aduz que pretende seguir as pisadas de outro pela simples razão que isso lhe poderá parecer caminho facilitado, será algo reprovável, seja qual for o campo de ação ou o espaço de atividade…

3. Outra vertente de interpretação da expressão ‘calçar os sapatos’ de alguém implicaria adequar os pés ao calçado, isto é, não dar a impressão de que parece haver um desejo de caminhar com aquilo que não foi escolhido à medida do caminhante. Isso se perceberá mais cedo do que tarde, pois quando ocorre algum erro na medida do sapato o melhor é trocá-lo mais que andar a gastar o que não está adequado. Dizem os entendidos que não usar um calçado correto poderá provocar calos… tanto físicos como psicológicos!

4. Li, há dias, uma frase atribuída a um jovem santo em que salientava que todos nascemos originais, mas há quem morra como mera fotocópia… Aí está o desafio a que aquilo que calcemos um sapato que esteja à medida do nosso pé, sem recorrer a outras artimanhas de querer caminhar com os sapatos de outro e não do próprio. Deste modo se compreenderá que podemos seguir pistas de caminhada de outros, mas temos de fazer a nossa caminhada no adequado caminho…pessoal e personalizado!

5. Numa visão algo otimista da expressão ‘calçar os sapatos de outro’, sobretudo daquele que sofre e tem dificuldades, poderá passar por assumir a capacidade de se fazer companheiro – na origem etimológica do termo: o que come do mesmo pão – calçando (assumindo) as dores desse outro. Seria, numa visão mais sinodal ainda, fazer caminho, levando dos outros aquilo que lhes dói ou faz atrasar na caminhada… Agora que anda tanta gente a correr – quase se tornou moda social e cultural – precisamos de alentar o caminhar alheio pelo nosso caminhar fraterno e solidário.



António Sílvio Couto

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