Surgiu, nestes dias, uma publicação de um canal conotado com um certo clube desportivo, uma criança (identificada como tendo apenas onze anos) adepta dessa agremiação a proferir coisas de duvidosa educação: pela agressividade contra outros clubes, com apreciações de valor quanto a jogadores dos adversários e, sobretudo, a opinar sobre lances e jogadas de suspeita capacidade de julgamento…a não ser pela sórdida manipulação dos mais velhos. Ela enxameava grande azedume, sob o olhar de incentivo do entrevistador.
1. Se fosse apanhada a coser sapatos ou a tirar os alinhavos das roupas, diriam que era ‘trabalho infantil’, mas ao ser mostrada à porta de um estádio, antes de um jogo de futebol, e com tais preparos, isso é o quê? Pela cor das roupas se percebe que está bem instruída na arte-de-maldizer. Será desta forma que as crianças serão o futuro ou andaremos para trás na arte de conviver com a diferença? Não serão criadas, deste modo, condições de maior agravamento entre adeptos, com atitudes, gestos e palavras tão desvairadas e cheias de obstinação clubística? A quem interessa difundir tais mensagens e fascinar os mais novos com essas coberturas em público?
2. Como desporto o futebol pode ser criador de diálogo e de compreensão entre os povos e culturas, mas como competição o que temos visto e ouvido anda muito longe desse espírito humanista e conciliador. Pior ainda quando se acirram os ânimos de uns contra os outros, mesmo que por razões identitárias ou de necessidade de sobrevivência económica. Os milhões que povoam o complexo ‘mundo do futebol’ – e não ousamos entrar na rebaldaria dos números das arábias – deixam a crer que há muitas e diversas movimentações de interesses para além do jogo disputado, comentado ou discutido. Com efeito, depois do tempo dos ‘patos bravos’ – uns tantos que queriam ser importantes na sociedade à custa da exibição nas coisas do futebolês – parece que, agora, estamos na época da lavagem de dinheiro com subterfúgios – suportados por autarcas e políticos de segunda – quais marionetas de multinacionais e vendedores sonhos, que reverterão, brevemente, em pesadelos.
3. Acima de tudo há um setor que me deixa sempre preocupado, pois é o elo mais fraco da cadeia deste imbróglio em que se tem vindo a tornar o futebol: os adeptos, tanto os que são sócios como os ocasionais de ida ao estádio ou mesmo os que o são por simpatia e veem os jogos na televisão. De facto, são os adeptos que mantêm a chama da discussão, até porque os jogadores não passam de mercenários, indo para onde lhe pagam mais. Aliás a cobertura deste eufemismo de servirem quem melhor lhes paga, apelidam-na de ‘profissionalismo’… E vemos a trocas-e-baldrocas de jogadores de um para outro clube, vendidos a peso de ouro e com tempo de validade muito abaixo de qualquer outro trabalhador… ganham rios de dinheiro, fazem vida de ricos, gastam até falirem e depois caem, normalmente, na miséria tanto humana como cultural. Nota-se que boa parte dos jogadores de futebol não tem capacidade cultural de gerir as fortunas que lhe cabem em sorte, por isso, são usados por habilidosos – ditos empresários – na gestão do tempo em que irão servir de ‘palhaços’ no grande circo dos estádios…
5. O puzzle do mundo do futebol é complexo e cada vez mais enredado: dirigentes (locais ou supranacionais), treinadores (e equipas técnicas), assessorias e consultadorias, jogadores (nos mais diversos escalões e agora também sexos), sócios e simpatizantes… para além dos comentadores (nos diversos canais televisivos ou nas ditas redes sociais), os jornalistas e tantos outros/as que vivem à pala deste fenómeno, progressivamente mais económico do que desportivo.
6. Quando se esperava que as gerações mais novas seriam mais tolerantes para com os adversários parece que está a emergir uma nova vaga de adeptos radicalizada no seu clubismo, facciosismo e agressividade, tornando os outros inimigos a abater, não com a razão e a arte desportiva, mas pela força e mesmo a violência. Isto pode ser tudo, menos desporto…claramente!
António Sílvio Couto
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