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segunda-feira, 25 de setembro de 2023

… Por amor à seleção

Os criativos publicitários tentam sugerir temas e cunhar slogans que podem ser algo de difícil compreensão e, sobretudo, se isso não ser passível de aceitação, tanto da forma quanto no conteúdo. Um desses spots publicitários quis unir o vínculo à seleção de futebol masculina ao próximo campeonato europeu, que vai decorrer, na Alemanha, no verão do próximo ano. Diz a proposta de mensagem: ‘faz amor por amor à seleção’… e são induzidas intenções de que um casal (homem e mulher) executem o pretendido, por modo a que o nascimento se dê nessa época…

1. Partindo da interrogação de uma mãe/sogra: ‘quando me dão um netinho’, é traçado um plano a ser executado para que à data do campeonato (junho – julho) de 2024. Embora seja uma publicidade de uma operadora de comunicações, este assunto lança um tema bem grave na sociedade europeia em geral e na portuguesa em particular. Segundo uma interpretação deste spot publicitário juntam-se duas vertentes de um conhecido problema nacional: a aduzida paixão pela seleção de futebol masculina em especial e a reconhecida necessidade de rejuvenescer a população portuguesa. De permeio dá-se o incentivo a assistir ao ‘euro 2024’ de licença de maternidade/paternidade e a possibilidade de fazer algo pelo futuro do país…

2. Diante desta espécie de ousadia podemos colocar algumas questões de índole cultural, económica, social e até moral/ética. Aceitando sem pejo que a falta de natalidade é um problema muito para além do ‘inverno demográfico’ da Europa – Portugal está entre os dez países europeus onde o problema é mais grave – centrando-se na sobrevivência da nossa identidade e na fratura da não-prossecução do nível de qualidade de vida pretendido e conseguido. Será desta forma um tanto brejeira que iremos solucionar um engulho tão grave do nosso país? Não haverá aqui um quê de submissão dos interesses sociais à ditadura do futebol? Será este um critério de conduta ou um empecilho a vermos as coisas da vida para além dos interesses mesquinhos desta ditadura social crescente? Quantos filhos surgirão com este apelativo?

3. Efetivamente é preciso encontrar as razões, mais do que as desculpas, para a acentuada quebra de natalidade na cultura ocidental. De facto, perdemos, em grande parte pelo vazio de valores éticos/morais, a noção de família e com ela o acolhimento à vida. Em muitos casos encontramos casais fechados ao dom de dar nova vida, em nítido contraste com o aconchegar os (ditos) animais de estimação, que, na maior parte das vezes, constituem substitutos dos filhos que poderiam e deveriam ter. Por outro lado, vive-se, hoje, mais na ânsia da realização pessoal (profissional ou social) do que na aposta à vida em tempo de idade mais baixo… só um tanto tarde (quase na barreira dos quarenta anos). Como que se troca o pretenso certo pelo não-risco. Estamos, deste modo, colocados entre as escolhas mais materiais do que as opções onde a vida dada seja retribuída pelos filhos gerados com amor e ternura.

4. Não fossem as recorrentes vagas de imigrantes que têm chegado à Europa e a Portugal em particular e seria ainda mais gravoso o estado da substituição das gerações no contexto económico-laboral, social-segurança/direitos e psicológico. Por seu turno, a diversidade de imigrantes traz questões de âmbito ético-religioso, pois muitos deles são provenientes de países e nações de expressão religiosa nem sempre consentânea com a cultura judaico-cristã. Desde logo encontramos a temática da geração dos filhos e a respetiva educação, que em grande parte lhes queremos impor, embora isso deve-se ser alvo de diálogo. Embora nós, portugueses, sejamos quase peritos em criar miscigenação desde o tempo das descobertas, parece emergir algo que pode criar preconceitos e fazer surgir fenómenos de racismo e de xenofobia.

5. Aquela publicidade ao ‘euro 2024’, onde se faz apelo à procriação interesseira de criancinhas, além de enganosa, é substancialmente perversa, pois confunde amor com outras façanhas de âmbito explorador da boa-fé dos cidadãos, gostem ou não de futebol. Assim estaremos a continuar uma farsa de mau gosto e de pior execução!



António Sílvio Couto

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