«De facto, os filhos deste mundo são mais
espertos do que os filhos da luz no trato com os seus semelhantes» – lê-se
em Lc 16, 8. Esta oposição – filhos deste mundo e filhos da luz – como que nos
deixa perante algo mais profundo do que um mero juízo ético/moral – bem sei que
estes termos são idênticos, mas convém associá-los, não vá alguém fazer deles
uma disfunção incorreta – é um traçar de critérios de conduta ou uma orientação
quanto aos valores essenciais.
1. Que tem a
ver esperteza com inteligência ou manha com habilidade? Como podemos considerar
a esperteza: enquanto habilidade em safar-se ou em sagacidade em
desenrascar-se? Não andará este mundo mais guiado por espertos do que conduzido
por inteligentes? Até que ponto não são preferidos – em tantas das escolhas em
votação ou mesmo na promoção para cargos de responsabilidade – os espertos aos
inteligentes? Não andará espalhada uma preferência pela artimanha, desde a mais
simples até à mais subtil?
2.
Expliquemos os termos. ‘Esperto’: perspicaz, arguto, astuto, astucioso, sagaz,
ardiloso, hábil... ‘Manhoso’: que tem manhas, malicioso, feito com manha,
matreiro... ‘Inteligente’: capaz, competente, talentoso, eficiente... Por
vezes, estas palavras são usadas como se fossem sinónimas umas das outras,
podendo confundir-se esperto com manhoso ou inteligente; manhoso com esperto ou
inteligente; inteligente com esperto senão mesmo manhoso...
3. Vejamos,
agora, situações em que será preciso não confundir as coisas nem atribuir qualidades
positivas onde o que se verifica são aspetos negativos, necessitados de
correção, associando a denúncia de casos, de momentos e de ‘figuras’ que podem
tentar armar-se em espertos para, na sua manha, disfarçarem a parca
inteligência. Com relativa frequência vemos uns tantos espertos usarem de manha
para ascenderem na promoção entre os seus pares e/ou concorrentes. Com alguma
regularidade podemos questionar certas figuras que aparecem do nada e se põem a
mandar ‘bitaites’ – termo popular para referir opiniões, palpites ou
comentários – como se fossem peritos (expertos) na matéria. Quais minhocas em
terreno húmido vemos outros tantos a serem promovidos nos partidos políticos,
nas autarquias, nos espaços da Igreja, na vida social, etc. Onde não foi o mérito
que tal permitiu, mas antes a habilidade feita manha ou a esperteza elevada à
categoria de mando...
4. Seria bom
avisar os mais distraídos de que o ‘sucesso’ só se encontra antes de ‘trabalho’
no dicionário, na medida em que o ‘t’ está depois do ‘s’, isto é, precisamos de
trabalhar muito, bem e organizadamente para obtermos aquilo que poderemos
considerar razão ou consequência do sucesso. Com efeito, para sermos
exorcizados de tantos incompetentes elevados à categoiria de manda-chuva, é
urgente sermos conduzidos pelo mérito e não pela manha ou a esperteza mais ou
menos reinante em tantos dos campos de atividade do nosso tempo e – porque não
– da nossa terra!
5. Algo de
preocupante vemos crescer nos nossos dias: quem tem qualidades, quem tem mesmo
perfil para certos lugares e funções excusam-se de os ocuparem, pois seria
equivalente a colocarem a sua vida a ser esquartejada pelas mais diversas
razões e, nalguns casos, em tempos bastante recuados. Não será esta uma
artimanha dos manhosos e/ou expertos incompetentes para assim não terem
concorrência e, deste modo, se eternizarem nos lugares...mesmo que
indevidamente?
É
um facto: temos o que merecemos. E não será que merecemos o que temos?
António Silvio
Couto
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