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quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Quando uma mãe abandona o filho


Desde o final da tarde do dia cinco de novembro que uma criança, encontrada por um sem-abrigo, num ecoponto do lixo, tem sido noticia constantemente. Soube-se depois que uma mãe, também ela a viver na rua, tinha dado à luz e, posteriormente, deixado o recém-nascido naquele local…
Os momentos de socorro dados à criança tornaram-se quase façanhas heroicas à mistura com alguma estupefação (condenação, questionamento e compreensão) quanto à mãe e às razões de tal ato.
Encontrada a autora do ato foi colocada em prisão preventiva – deixou de estar na rua, passando a ter um teto e condições de habitabilidade – alertou que falaria sobre as razões que a levaram a tal, quando for oportuno perante a justiça…
Não deixa de ser sintomático que este episódio da criança abandonada tenha ocorrido quando não muito longe – a distância entre a estação de Santa Apolónia e o Parque das Nações, em Lisboa – acontecia uma dita ‘web summit’ de novas tecnologias, com perfumes e laivos de riqueza… Deste acontecimento passou a falar-se menos, quando emergiu um facto humano tão básico, simples e trágico.
Poder-se-á dizer que somos um país a várias velocidades: num canto da sala uma cimeira para uns tantos instruídos na arte intergaláxica, nos fundos da divisão de arrumos algo tão triste quão ignóbil, nefasto e dramático… pelo meio certos fantasmas movem-se como autómatos ou como beneficiados nas notícias, sob os holofotes de uma certa comunicação social ávida de escândalos e de casos sensacionalistas. 
= Múltiplas perguntas se colocam perante a atitude desesperada daquela mãe… dada a conhecer como uma imigrante cabo-verdiana ilegal, com cerca de vinte e dois anos, a viver na rua e (talvez) sobrevivendo com expedientes menos lícitos, sem ligação com a família também a viver por cá…está ainda a ser investigada acerca de poder ter outros filhos no país de origem…
* Qual terá sido o desespero de uma mãe para abandonar daquele modo o filho? Fê-lo por debilidade (psicológica ou social) ou para chamar a atenção alheia? Como poderemos explicar este episódio num tempo onde se podem encontrar tantas soluções mais humanas e familiares?
* Aquela criança não ficará afetada para toda a sua vida? Atendendo a que nem foi acompanhada durante a gravidez, que sequelas ficarão? Sobrevirá à falta de colo, esta criança marcada desde o nascimento (e mesmo a sua gestação), pelo frio exterior e humano? Como se podem equilibrar os direitos da criança com os deveres da mãe?
* Socialmente estaremos capazes de saber responder a estes desafios com justiça e caridade? As posições sobre o caso têm valores um pouco mais do que materialistas? Como se pode conjugar cuidar com proteger, dar ambiente familiar e responsabilizar? Por que é que quase nunca vemos pronunciamentos de teor espiritual em casos desta natureza? Será por negligência ou por ausência de respostas no terreno? 
= Esta mãe precisa de ajuda, não a que lhe queremos dar ou consideramos que necessitará, mas a que ela precisa correta, digna e humanamente. Esta criança precisa de uma família e não de ser institucionalizada, já.            

António Sílvio Couto

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