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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Aprender com a reprovação


Foi lançada para a discussão – mais política do que educativa – o tema de não-haver retensões (vulgo, reprovações) até ao nono (9.º) ano de escolaridade…aí pelos quinze/dezasseis anos.
Se há quem seja abertamente a favor, há quem conteste a medida: uns porque em nada se beneficia o aluno em reprovar, outros porque isso criaria facilitismo e pouco interesse nos estudos…outros ainda mais parece que têm algo a esconder do seu curriculum ou que estão a tentar iludir alguém – as estatísticas ou as entidades europeias – ao maquilharem a falta de capacidade em viverem na verdade…
Por ser uma questão algo polémica ouso deixar a uma vivência…não que seja muito diferente da de tantos outros. Efetivamente depois da quarta classe entrei, em 1969, no seminário menor de Braga. Éramos mais de cem alunos só nesse primeiro ano. Por razões várias não consegui passar de ano ao final desse tempo letivo. Reprovei a matemática e a francês. Nessas férias de verão, em 1970, tive o tratamento adequado por parte de minha mãe, perante os sacrifícios que fizera para eu poder estar fora de casa, com os gastos inerentes. Nessas ditas férias tive terapia de choque: nada de facilitações, a horas ou desoras fui para o monte carregar fagulha, mesmo que isso nem fosse necessário. Só tinha onze anos… Decorrido esse tempo voltei aos estudos no mesmo seminário e eis que as melhores notas do novo ano foram àquelas disciplinas…Obtive, ao final do ano repetido, nota suficiente para me candidatar a uma bolsa de estudos que usufrui durante algum tempo, aliviando os custos familiares no pagamento das contas no seminário…
Agora, decorrido quase meio século, vejo com alguma normalidade aquela reprovação, que me fez aprender a valorizar ainda mais os sacrifícios familiares de suporte nos estudos e, sobretudo, que, por vezes, é preciso dar um passo atrás para dar, depois, dois em frente. Com efeito, nunca mais reprovei e nem na conturbada época do ‘prec’, em 1975, fui atingido pela espada damocleana, que varreu os meus companheiros de estudo: dos cerca de cinquenta que fomos a exame ao liceu, só uma dúzia fez as duas secções (letras e ciências) e eu fui um deles, mesmo que a nota não tenha sido muito elevada…bastou tão simplesmente passar por entre os pingos do fervor revolucionário do tempo… Foi há 44 anos atrás!

= Diante desta experiência de reprovação, ainda antes da idade daquela fasquia colocada nas pretensões governativas, poder-se-ão colocar algumas questões, tentando encontrar respostas adequadas ao assunto. Desde logo temos de considerar que as escolas não podem tender a tornarem-se num mero espaço lúdico ao sabor das várias idades, mas devem ser o lugar da aprendizagem em conhecimento e instrução, onde cada um dos intervenientes assume a sua função a tempo inteiro e não só quando convém. Por outro lado, mal irá uma instituição de ensino se se converter num espaço de entretenimento, como poderá dar a entender o projeto de não-reprovação/retenção na sua expressão mais fundamentalista.
* Por que há tanto medo de exigir aos alunos que sejam estudantes, transformando-os em pequenos joguetes de intenções menos boas de alguns que nos vão governando?
* Por que temos de aceitar que tratem os nossos alunos como estudantes menos capazes, reduzindo-os àquilo que as estatísticas arranjadas querem dar a entender de bom com falsidade?
* Por que teremos de viver na construção do ‘menor-denominador-comum’ quando podíamos nivelarmos por algo mais cima?
* Será que os mentores desta passagem sem reprovação foram bajulados por passagens administrativas do tempo do ‘prec’ e afins? 
= Quando parecíamos viver num tempo de maior exigência sobre o campo da educação vemos surgirem no horizonte nuvens sombrias, que nos irão criar novos problemas no futuro próximo. Agora se compreende um tanto melhor porque quiseram tirar da engrenagem as escolas (apelidadas de ‘colégios’ ou ‘externatos’) com contrato de associação, pois aí não iriam pactuar com tão ardilosa manha e subtil artifício, dado que os alunos/estudantes seriam muito mais escrutinados pelos pais e educadores.
De facto, nesta fase a (dita) escola pública está a correr para o abismo, mesmo sem disso se dar conta. Não será que ninguém acorda os timoneiros desta barcaça prestes a afundar-se?       

António Sílvio Couto

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