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quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Encantamento de subdesenvolvidos


Mais uma edição da ‘web summit’ – a 4.ª em Portugal – tornou-se uma espécie de encantamento por algo que só os pequenos – ou serão mais os pequeninos de mente e de cultura? – conseguem ver-se com tanto fascínio. Os números desta cimeira como que seduzem os portugueses – ou será antes uma certa comunicação social ávida de notícias e de palco – desde as presenças (sobretudo estrangeiras) até às quantias avultadas em gastos, passando pelas ‘novidades’ desse mundo tecnológico mais ou menos exotérico, encriptado e fascinante para uns tantos/as…
Logo desde o início desta edição ficamos com a sensação de que nem tudo é objetivo e tão pouco independente, pois o primeiro ‘orador’ veio das estepes dos Urais, lançando farpas contra algum ocidente e particularmente esses que ele atraiçoou… De facto e mais uma vez a rebeldia parecer compensar, tendo à mistura quem o faça de modo a contentar outros interesses nem sempre subterrâneos.
À semelhança de outros acontecimentos centrados em Lisboa, também a ‘web summit’ dá projeção aos tentáculos da capital, tornando o governo central e os autarcas locais os que se acham donos e senhores das façanhas, embora seja todo o país a pagar os investimentos para que o evento tenha lugar num espaço privilegiado, com condições excecionais e sob regalias capitalistas…eles mentores de um certo socialismo nem sempre capaz de perceber o que é só deles e aquilo que é de todos.
À boa maneira de outros eventos, os seus organizadores tecem loas a quem recebe, mas com dificuldade explicam o que ganham e quais são as vertentes envolvidas e nesciamente explicitadas. 
= O encantamento de subdesenvolvidos manifesta-se em muitos outros aspetos, nem sempre detetáveis a olho nu, pois muitos dos programas que Lisboa ganhou nos tempos mais recentes – incluído as JMJ2022 – mais parecem fogo de vistas do que projetos com alguma finalidade. Ora, quem vive na dita ‘área metropolitana de Lisboa’ pode perceber um tanto mais proximamente como a macrocefalia alfacinha se sobrepõe a tudo e a todos. Os confrontantes com a capital – aquém ou além Tejo – vão servindo de suporte para os episódios de festança, mas pouco mais fazem do que aplaudir o que eles preparam e impingem, o que eles programam e executam, o que eles toleram que outros estejam, mas com dificuldade deixam que sejam mínimos intérpretes… E nas coisas da Igreja católica não se nota a mais singela diferença! 
= Se as autoestradas foram o símbolo do cavaquismo, os subsídios a pataco do guterrismo, as obras faraónicas não-executadas do socratismo, a austeridade troiquista do passismo, a melancolia tecnológica – onde a web summit’ é como que o expoente máximo – sê-lo-á do costismo… Isto é, muitas iniciativas de ricos, mas com bolsa de pobres; diversos capítulos de sucesso, mas com enganos a detetar e, sobretudo, fazendo-nos crer que somos um país desenvolvido, mas que não passa de ocupar o fundo da tabela da União Europeia em matéria de trabalho, de qualidade económica e de produção de riqueza… Afinal, muita parra e pouca uva, tendo ainda em conta que a produzida é de deficiente qualidade! 
= Na mesma pantalha onde se exibem oradores e participantes da ‘web summit’ aparecem reportagens de escolas em reivindicação por falta de auxiliares e com condições menos aceitáveis, hospitais que não conseguem ter as urgências abertas por deficiência de médicos e até o presidente da República, nas ruas da capital, a reclamar mais atenção para os milhares de sem-abrigo…
É isto um país de sucesso? Será isto uma sociedade de conquistas tecnológicas? Onde andam os que se dizem porta-vozes dos desfavorecidos? Hibernaram antes do tempo ou estão a contar as armas de combate sindicalista? Será que dura sempre a capacidade de ludibriar?  
Parece que o discurso, por estes dias, está entaramelado à semelhança da gaguez de certos intervenientes, mesmo que se apelidem de livres, de esquerda e talvez democratas…   

António Sílvio Couto

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