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sexta-feira, 5 de julho de 2019

Qual o lugar do silêncio nas (nossas) celebrações?


Será o silêncio uma ‘forma de participação’ ativa na celebração da liturgia e da eucaristia em particular? Até que ponto é que o silêncio, observado no devido tempo e na correta proporção, é fator de oração de todos os que participam na eucaristia? Haverá, nas nossas celebrações silêncio a mais ou a menos? O nosso silêncio é mesmo um tempo sagrado, na comunhão dos mistérios divinos?
Os documentos da Igreja, sobretudo os que têm incidência na liturgia, dizem: «Também se deve guardar, nos momentos próprios, o silêncio sagrado, como parte da celebração. A natureza deste silêncio depende do momento em que ele é observado no decurso da celebração. Assim, no ato penitencial e a seguir ao convite à oração, o silêncio destina-se ao recolhimento interior; a seguir às leituras ou à homilia, é para uma breve meditação sobre o que se ouviu; depois da Comunhão, favorece a oração interior de louvor e ação de graças. Antes da própria celebração é louvável observar o silêncio na igreja, na sacristia e nos lugares que lhes ficam mais próximos, para que todos se preparem para celebrar devota e dignamente os ritos sagrados» – Instrução Geral ao Missal Romano, 45.

Há quem considere que a ‘qualidade’ das nossas celebrações se mede, particularmente, pela intensidade e pela vivência do silêncio. Todos sabemos o que é o silêncio e o que é esse outro espaço vazio em estar calado. Este, tantas vezes, é tanto ou mais barulhento do que o trepidar dum comboio antigo em marcha ou de uma multidão em maré de feira.
De facto, hoje, as pessoas têm uma grande dificuldade em estarem em silêncio. Um exemplo (quase) banal: podem estar caladas, mas não conseguem desligar do telemóvel, nessa ânsia do ‘sempre contactável’, como se não houvesse tempo de espera em momento algum. Assim vemos (ou melhor ouvimos) retinir os sons mais variados nas nossas celebrações e nos momentos mais dispensáveis para que desfilem os toques mais execráveis, perturbando tudo e todos, à exceção de quando é o próprio o visado...
À luz dos momentos supra citados de silêncio na eucaristia, quais são (ou devem) as caraterísticas do nosso silêncio celebrativo? Um silêncio de encontro consigo mesmo e com Deus tanto na escuta da Palavra como na contemplação/adoração eucarística. Um silêncio em que se aprecie o ‘kadosh’ divino, isto é, a glória, a santidade e o poder de Deus para nós e connosco. Um silêncio onde as palavras cessam e fica só a capacidade de querer mergulhar em Deus, tudo e eterno.
Precisamos, com urgência, de aprender a fazer silêncio, a desejar o silêncio, a amar o silêncio, a apreciar o silêncio…como um dom divino e mesmo como qualidade humana. Com efeito, o equilíbrio humano estará posto em causa se não vivermos um tempo mínimo de silêncio diário, mergulhando no mistério de nós mesmos e – como cristãos – recolhendo-nos no sacrário íntimo da pessoa que somos, escutando a Palavra de Deus – vide o processo da ‘lectio divina’ – e recompondo a textura da nossa condição humana e cultural...para que não sejamos seduzidos pelas propostas à maneira da ‘new âge’, na versão ‘reiki’ e afins.
Saber fazer silêncio é uma arte e exige, hoje, muito engenho!

Para além de pedagógico, o silêncio é uma necessidade para o nosso equilíbrio emocional, psíquico e espiritual. Com efeito, será através do silêncio que ouviremos Deus, que escutaremos os outros e que poderemos ser escutados…

 

António Sílvio Couto

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