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terça-feira, 28 de maio de 2019

Sucesso do ‘banco alimentar’ denuncia conquistas do governo?

No mesmo dia em que decorreram as eleições para o parlamento europeu foi desenvolvido o projeto do ‘banco alimentar contra a fome’. Este, como de costume, tentou recolher alimentos para ajudar quase meio milhão de portugueses que passam por dificuldades de alimentação, enquanto aquele ato eleitoral queria receber os votos de mais de dez milhões de eleitores.
= Mas será que o repetido sucesso do ‘banco alimentar’ é assim um acontecimento que deixe o governo em paz e sob apaziguamento? Dizer que, quase meio milhão de famílias, recorre aos préstimos do ‘banco alimentar’ não deveria envergonhar quem se diz fazedor de sucesso e de boas contas? Para quem se diz avesso ao assistencialismo não se estarão a criar condições para a exploração em causa própria das debilidades dos mais desfavorecidos? Porque será que os programas de ‘rsi (rendimento social de inserção)’, de pagamento de desemprego e outros afins se prolongam tanto no tempo e não fazem as pessoas caminharem por si mesmas? Não haverá, em muitos dos programas de ajuda alimentar, uma espécie de menorização dos ajudados e/ou de sobranceria dos que ajudam? Até quando andaremos a prender os outros pela boca, quando devíamos fazê-los crescer pela cabeça, através da valorização educacional e cultural?
= Com quase três décadas de presença em Portugal o ‘banco alimentar contra a fome’ tem sido um razoável balão de sustentação para milhares de portugueses…tanto na época da crise, como nos dias mais recentes…apelidados de sucesso pela governança, com tiques de sucesso à mistura, sobrevoando a diminuição do desemprego e até com a promoção de figurações menos-pobres… se bem que os números digam que ainda há dois milhões de pessoas na linha da sobrevivência mínima, isto é, em risco de pobreza ou de exclusão social.
As pequenas-grandes questões de pobreza vivem ainda sob o manto do encobrimento, do disfarce, da não-assunção dos riscos e mesmo da ‘pobreza escondida’ com que tantos dos nossos contemporâneos vão adiando a sua vivência de pessoas com alguma faceta de carência, se não de elementos materiais, ao menos de componentes psicológicas e até de índole espiritual. Como escutei, um dia de Alfredo Bruto da Costa a pior desgraça é a ‘reprodução da pobreza’, tenha ela os tentáculos que possa apresentar… 
= Já o disse mais do que uma vez: se retirarem os pobres do ‘trabalho’ de tanta gente, ficarão sem emprego e talvez sem razão de ser da sua existência: quem tenta cativar os pobres para as suas causas de reivindicação, muitos dos sindicalistas – por agora acalmados com certas políticas de geringonça – que precisam de ter pobres para neles ancorarem as suas reivindicações, tantos serviços sociais – autárquicos, em regime de segurança social e até de grupos religiosos/da Igreja – que se vão promovendo à custa dos que precisam de pedirem favores, comida, roupa ou atenção…
= Quando ao menos duas vezes no ano – no final de maio e em finais de novembro – o ‘banco alimentar contra a fome’ traz solicitações de ajuda para a rua, as reações têm tanto de controversas, quanto de reveladoras do estado cultural em que nos encontramos. O lema da campanha dos últimos dias foi: ’dar um pouco mais para que falte menos’! Entrar na lógica da partilha para com os outros nem sempre se coaduna com os nossos interesses mais mínimos. A ajuda não se pode esgotar na contribuição com algum género alimentar ou de higiene, pois o quase meio milhão de instituições que auferem das ajudas não podem reduzir os seus recursos àquilo que é recolhido dessa forma audaz, voluntária e cíclica.
Muito mal vai um país – ou qualquer outra instituição – em que os pobres forem usados para a promoção de uma certa política social, explorando os mais vulneráveis com ‘festas’ de benemerência em vez da promoção, da execução e do real compromisso pela sua qualidade de vida.
Enquanto vivermos em ritmos de humanização tão discrepantes continuaremos a ver campanhas do ‘banco alimentar’ onde o presidente da república se vai promover com minutos de voluntarismo, enquanto o governo faz festa com as vitórias da subserviência e da manipulação…aqui e na Europa!     




António Sílvio Couto




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