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segunda-feira, 20 de maio de 2019

O futebol pode alavancar o país?


De entre as múltiplas declarações, por ocasião da recente conquista do campeonato nacional de futebol, destacaram-se as que foram proferidas pelo treinador vencedor, ao afirmar: ‘se vocês se unirem e tiverem a força e a exigência que têm com o futebol nos outros aspetos do nosso Portugal, da nossa economia, da nossa saúde, da nossa educação, vamos ser um país melhor’…

Eis uma altissonante declaração que devia ser colocada como pensamento nas diferentes intervenções de tantos que falam, mas não fazem; que verborreiam, mas sem conteúdo; que dizem o que não sabem e que sabem o que não dizem; que gostam de se (fazer) ouvir, mas não escutam o que não gostam; que juntam frases sem conteúdo e não dão conteúdo ao que podiam dizer nas frases… Numa palavra este ‘desconhecido’ do mundo da política pelo futebol deu lições – profundas, reais e sinceras – de política a propósito de querer falar de futebol!   

= Em tempos mais ou menos recuados – sobretudo na vigência do regime da segunda república – o futebol era como que um dos componentes do tripé nacional: Fátima, fado e futebol… Também nos tempos mais recentes os feitos do mundo do futebol de seleções e de clubes como que se tornaram tábua de salvação do marasmo nacional. Muito para além das quezílias com que somos continuamente matraqueados, temos de aproveitar momentos e declarações como as supra citadas para tentarmos perceber como podemos ser, na Europa da concorrência, algo mais do que laboratórios para ‘vender’ talentos nas habilidades da bola e para catalisarmos as energias recebidas em ordem a fazermos este país/nação mais forte, mais solidário e mais humano. 

= Independentemente da coloração clubística – bem mais profunda e transversal do que qualquer outra na nossa sociedade – pode(re)mos levar a sério o que foi dito por entre eflúvios de comemoração. É verdade: temos de ser tanto ou mais exigentes para com os outros setores da vida pública e social como somos para com o futebol nas suas paixões, gastos e discussões.

Economia, saúde e educação foram os campos que foram referidos pelo treinador vencedor. Sim, se houvesse um mínimo de intransigência nestes aspetos como quanto ao futebol, a nossa vida coletiva estaria muito mais garantida porque não permitiríamos que nos enganassem com promessas nem deixaríamos que nos fossem atirando desculpas quando as coisas não funcionam devidamente.  

= Diante do futebol-desporto temos de saber viver com essa dimensão da vida artística como se fosse uma escola de vida. De facto, o futebol como indústria tem vindo a cavar a sua autodestruição, pois é jogado mais fora do campo da prática, retirando à arte de bem-tratar a bola a componente mais lúdica e saudável. Quantos jovens são aliciados para virem a ser jogadores, como se isso fosse algo que se consegue sem trabalho, disciplina e dedicação. Talvez ainda vivamos no engano dos sucessos e não tenhamos aprendido com os erros e, sobretudo, com a aceitação das vitórias alheias. Estas fazem-nos crescer para que depois tenham respeito pelas nossas próprias conquistas.

Urge ser difundido todo o processo de construção das vitórias, particularmente, quando se alicerçam nas derrotas assumidas, honestas e construtivas. Precisamos de ser ajudados – por quem tem a experiência de conduzir outros – a sabermos distinguir entre as finalidades e os meios, pois, muitas vezes, estes subornam aquelas. No futebol como no resto da vida nem tudo vale para se ser vencedor…  

= É verdade: as lições do futebol podem alavancar o país. Eis breves conceitos que poderão ser transferidos de um para o outro: espírito de unidade ou de equipa, rumo a um objetivo comum; capacidade de escutar e de trabalhar com os outros; respeito pelos adversários para ser respeitado, tanto nas vitórias como nos insucessos; dinâmica de serviço, onde uns se ajudam aos outros e se deixam ajudar; intercomunhão e espírito de solidariedade no dia-a-dia, sobretudo quando se passa por dificuldades… Numa palavra: o país não é só futebol, mas o futebol pode moralizar, nos (seus) aspetos positivos, os meandros do país!

 

António Sílvio Couto

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