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terça-feira, 7 de agosto de 2018

Calor: situação, fenómeno ou desafio?


A canícula que assolou o nosso país nos últimos dias deixou a descoberto algo que não seria muito desejável: a onda calor com mais de 45 graus, na maior parte dos distritos, revelou que não estamos preparados para condições tão extremas e complexas de temperatura.

Os parcos dados fornecidos pela (dita) ‘proteção civil’ só dizem o que não devemos fazer e não nos apontam para aprendermos a lidar com fenómenos cada vez mais agressivos de oscilação térmica. A maior parte das casas – particulares ou de âmbito mais público – não estão capazes de salvaguardarem o bem-estar da população. Certos indícios de climatização não fazem parte dum plano articulado com a construção da quase totalidade dos espaços de habitação… Pior: se se tivesse isto verificado em tempo letivo, veríamos as escolas colapsar à luz da situação de grande calor.

Apesar de tudo estas oscilações térmicas são, em grande parte, resultantes da interferência humana na natureza, criando condições para que se possam verificar mudanças abruptas no clima e dando azo a que todos paguemos as consequências duns tantos que não olham a meios para atingirem os seus fins. Por isso, é urgente que assumamos, todos e cada um, que as alterações climatéricas – as vagas de frio ou de calor – são resultado duma certa deseducação relativamente à natureza, enquanto rosto, presença e sinal de Deus.  

= Talvez nos vamos habituando em excesso a consideração que verão e tempo quente possam ser quase significado de risco de incêndios. Com efeito, estes acontecem em razão de haver pontos de ignição de fogo, mas este nem sempre é desencadeado só porque há calor. Temos, cada vez mais de estar atentos aos múltiplos interesses que estão associados aos incêndios. Nem sempre será necessário explicitar esses desejos mais subtis, pois correremos o risco de confundir causas com consequências, podendo levar estas a misturarem-se com aquelas.  

= O lóbi dos fogos florestais é essa espécie de hidra em que detetada umas das razões, logo emergem duas ou três outras, numa subtileza que nem a mitologia era capaz de inventar. Cada ano podemos ver que os ‘sábios’ sobre a matéria não conseguem prevenir mais outros fatores de risco, seja ele médio ou menor. Dá a impressão que, da mesma forma que há a época balnear com todos os apetrechos que lhe estão inerentes, assim a ‘maré de incêndios’ tem já montada uma panóplia de recursos que é preciso serem desencadeados, pois há muitos recursos envolvidos.

Mutatis mutandis: no inverno é preciso que chova para que possam ser vendidos os guarda-chuvas, assim no verão (com o espaço de preparação e de avaliação) os incêndios mobilizam muitas forças mais ou menos necessitadas desses acontecimentos infaustos… 

= Sobretudo este tempo de calor mais agressivo veio colocar-nos mais uma vez a necessidade duma reflexão mais séria, serena e sensata sobre a ecologia, essa ciência que nos deve ocupar sempre e não só quando há perigo ou em tempos de crise. Enquanto cristãos temos de viver em contínua formação para que possa haver harmonia entre os humanos e a natureza. Tal como nos diz o Papa Francisco, na carta encíclica ‘Laudato si’, de 24 de maio de 2015: «A educação ambiental tem vindo a ampliar os seus objectivos. Se, no começo, estava muito centrada na informação científica e na consciencialização e prevenção dos riscos ambientais, agora tende a incluir uma crítica dos «mitos» da modernidade baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) e tende também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus. A educação ambiental deveria predispor-nos para dar este salto para o Mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo. Além disso, há educadores capazes de reordenar os itinerários pedagógicos duma ética ecológica, de modo que ajudem efectivamente a crescer na solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão» (n.º 210).   

Cristãmente temos doutrina. Será que a conhecemos e, sobretudo, que vivemos em consonância com ela?

 

António Sílvio Couto  

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