É
habitual ouvirmos, no final de cada comunicação ao país, o Presidente dos EUA
dizer, de forma clara e concisa, aos seus concidadãos: ‘God bless America’
(Deus abençoe (ou salve) a América), numa alusão à força de bênção e de
proteção que ele, enquanto o mais alto magistrado, faz e atualiza. Embora
fundada esta expressão numa canção do início do século passado é considerada a
mesma quase o hino não-oficial dos Estados Unidos.
O que
aconteceria, em Portugal, se o Presidente da República usasse tal linguagem ou
ousasse colocar Deus presente na realização dos seus atos e na proclamação dos
seus discursos? Quem não se lembra duma (quase) ridicularização que foi, há uns
tempos atrás, uma leve ironia do atual Presidente quando fez uma breve alusão a
Nossa Senhora e às questões da dívida e da austeridade!...
Vem isto
a propósito das dificuldades que sentimos em ver Deus ser colocado nas coisas
públicas – ‘res publica’ – e de os intérpretes dessas mesmas coisas assumirem a
sua fé. Dado que, em breve, se vão perfilar candidatos a candidatos para a
Presidência da República convirá que saibamos quem são os ditos, quais os
valores que defendem e mesmo quem é que os empurra… de forma clara ou tácita!
Fique,
desde já salvaguardado, que a crença – sobretudo de índole cristã – nem sempre
funciona como garantia de bom exercício do ministério e nem quem seja (ou se
pretenda assumir) agnóstico nos poderá (totalmente) afiançar que será menos bom
no exercício de tal tarefa. Com efeito, as pessoas fazem o cargo, mas, muitas
vezes, o cargo também molda as pessoas!
Não
vamos conjeturar sobre os que já andam na boca e na escrita de alguma
comunicação social. Muito menos queremos que estejam, naquele posto,
bajuladores da nossa vivência de fé cristã, pois podem tornar-se (ainda) mais
perigosos do que os que são (ou pretendem ser) contrários.
= Cidadãos de duas cidades…
compenetradas
Na
linguagem do cristianismo sempre houve uma forte e clara leitura da dupla
cidadania dos batizados: cidadãos/membros da cidade terrena e da cidade
celeste. Temos, nos primeiros séculos do cristianismo, um belíssimo texto, que
se faz eco desta consciência de pertença: a chamada ‘Epístola A Diogneto’, onde,
nos capítulos cinco e seis, se faz uma leitura teológica, espiritual e cultural
desta riqueza de ser cristão, não de uma condição meramente terreste, mas,
paradoxalmente, também celeste.
No
Concílio Vaticano II temos um excelente documento que retoma esta leitura dos
cristãos no mundo, que é a Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a
Igreja no mundo atual. É digno de registo que, embora siga quase a par e par
aquele documento dos primeiros séculos do cristianismo, nunca é citado de forma
explícita, sobretudo, nos capítulos terceiro e quarto da primeira parte da
‘Gaudium et spes’.
Porque
sentimos e vemos que, em muitos casos, os cristãos como que se refugiam – ou
cedem à tentação de se refugiarem – no templo, esquecendo os compromissos do
mundo/tempo e porque, em não menos situações, encontramos pessoas que tentam confundir
a sua fé nas reivindicações do mundo, obnubilando o templo, é que consideramos
ser oportuno colocar algumas questões para que a nossa fé seja incomodada e a
nossa ação seja mais cristãmente espiritualizadora:
- Para
nós trabalho é meio de santificação? O local de emprego é exercício de
sacerdócio e de profecia?
- Quando
rezamos, queremos um certo idílio religioso ou entregamos a vida amassada com
lágrimas e dores?
-
Construímos nas nossas assembleias de fé pessoas com valores ou geramos
pieguices sem miolo?
- Quando
votamos sabemos escolher em razão dos valores ou da fachada (simpática) dos
candidatos?
-
Esclarecemo-nos para votar em consciência ou limitamo-nos a reproduzir uns
tantos oportunistas que nos fazem favores…interesseiros?
-
Entregamos a outros o que a nós compete decidir em ordem a mundo mais justo,
mais humano e, por isso, mais cristão?
Que Deus
abençoe Portugal, quer quem nos governa, quer quem é governado… na verdade e na
justiça!
António
Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)
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