Faz quase parte da nossa
psicologia de portugueses uma certa ‘arte’ de queixume. Nas ruas e nos espaços
privados escutamos tantas vezes pessoas que desfiam as suas lamúrias… fazendo-o
de forma sincera ou com a arte de cativar a atenção alheia, criando um certo
ambiente dalguma negatividade, seja na componente social, seja na perspetiva
familiar, tanto quando as coisas correm em registo escuro, como nas ocasiões em
que se está (ou pode estar) mais aliviado… Culturalmente os portugueses vivem
mais ao sabor da melancolia – veja-se a vivência estrutural do fado… como
expressão cultural e musical – do que das energias positivas, que o sol lhe
deveria comunicar…
- Há, no entanto, uma atitude que
nem sempre colhe no relacionamento com os outros: se alguém não se queixar não
consegue atrair a atenção dos outros e poderá, mesmo que de forma inconsciente,
funcionar como alguém que se pretenda colocar num patamar de superioridade que,
em maré menos benéfica, reverterá contra essa espécie de sobranceria.
- Normalmente a atitude de vítima
ou de vitimização – seja como ‘coitadinho’, seja nas garras dalguma pobreza
explorada – conquista mais adeptos do que quem joga na equipa da sinceridade.
Estes podem tentar disfarçar mas sobrevivem, enquanto aqueles flutuam mesmo que
à custa de mentiras e de dislates… conjunturais ou estruturais.
- Se alguém ousar não dizer ou
desfiar as suas ‘desgraças’ poderá ser (pretensamente) entendido como um tanto
presunçoso, seja porque se considera acima dos outros, seja porque não se
‘irmana’ na miséria, pois esses têm uma posição que pode atrair a atenção e –
tal como se diz nos adágios populares – ‘quem não chora não mama’!... Só nesta
vivência poderemos entender que somos um povo propenso a viver mais no desgraçadismo
do que na correta visão do que somos sem mazelas nem rótulos!
= Para uma visão cristã do cuidado… dos outros
Enquanto cristãos vemos os outros
como irmãos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, nos bons como nos
maus momentos… descobrindo e expondo-nos uns aos outros – sempre numa correta
visão do pudor e do respeito – tanto na presença em família como nos círculos
de amizade, numa intercomunhão que sabe (e procura saber) mais o que nos
edifica do que aquilo que nos pode escandalizar.
Nesta época do virtual há quem se
esconda por trás de imagens de facebook, de considerações de ‘gosto’ (‘like’)
ou ‘não gosto’… numa espécie de exibição da privacidade onde o buraco da
fechadura foi substituído pelo clique do computador ou a manipulação do que se
quer mostrar… às vezes sem tino nem senso!
- Ora, na componente mais básica
de uma visão cristão de nós mesmos e dos outros precisamos de viver na verdade,
sobretudo para com aqueles que connosco caminham, dando-nos a conhecer sem
vitimizações nem disfarces. Se não permitimos ser amados – mesmo nas nossas
fragilidades e fragilizações – como poderemos criar confiança para amar? Se não
nos damos a conhecer na verdade como poderemos aceitar que nos amem sem medos
nem preconceitos?
- Na recorrente do pensamento do
Papa Francisco recordamos essa nota de cuidarmos dos outros e de nos deixarmos
cuidar… pois só desta forma viveremos a partilha não dos aspetos negativos ou
até negativizados, mas das marcas de simplicidade da nossa história e nas
estórias dos outros que Deus coloca no nosso caminho… Com mais simplicidade de
vida poderíamos ser mais felizes e criaríamos outros círculos de felicidade à
nossa volta!
- Pelo que vamos conhecendo de
nós mesmos – tanto das fragilidades como das boas prestações – e dos outros com
quem vivemos, torna-se urgente gerar uma arte de benevolência, de compaixão e
de pacificação, provindas do nosso interior espiritual – particularmente
cristão – pacificado, seja pelo perdão dado e recebido, seja pela comunhão em
Cristo e com Cristo uns para com os outros.
Afinal, a vida não se resume
àquelas vertentes da «salve rainha»: ‘gemendo e chorando neste vale de
lágrimas’. Que as há, há… mas não são tudo nem sequer o mais importante!
António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com
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