«Cuidar, guardar
requer bondade, requer ser praticado com ternura (...) Ternura não é a virtude
dos fracos, antes denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de
compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da
bondade, da ternura».
Estas palavras foram
proferidas pelo Papa Francisco na missa inaugural do seu pontificado, no dia 19
de março passado, na Basílica de São Pedro do Vaticano, na cidade de Roma.
Sem pretendermos
reduzir o ministério do nosso Papa a uma frase ou tão pouco a uma palavra,
poderemos considerar (até agora) que a expressão ‘cuidar’ – tanto de si mesmo,
como dos outros e até da natureza – pode ser uma chave de leitura do Papa
Francisco nas mais diferentes vertentes e funções dele e nossas.
Atendendo ainda a uma
certa ‘cultura do descarte’ – a expressão é também do Papa Francisco – podemos
e devemos reflectir sobre o conceito de ‘cuidar’ seja na dimensão activa, seja
na relação (dita) passiva.
Na leitura sobre a
‘cultura do descarte’ – onde se pode ver que o descartável (isto é, o usa e
deita fora) é algo com que somos diariamente seduzidos – o Papa refere: «esta
cultura do descarte tornou-nos insensíveis aos desperdícios e aos restos
alimentares», sendo como que «uma mentalidade comum, que nos contagia»...
Vejamos, então,
tonalidades do cuidar e do deixar-se cuidar:
= Cuidar de nós mesmos, isto é, vigiar
sobre os nossos sentimentos e sobre o nosso coração. Isto parece ser um tanto
diferente da cultura, entretanto bem organizada, da auto-estima, pois esta
faz-nos voltar sobre nós mesmos, enquanto o cuidar de nós mesmos nos faz
reconhecer a nossa fragilidade – quantas vezes mais viva com o passar dos anos!
– e a dimensão de abertura ao reconhecimento de que precisamos uns dos outros...
nas pequenas como nas grandes coisas, nos momentos importantes como nos de
banalidade.
O cuidar de nós
mesmos repercute-se desde a atenção à saúde física e psicológica até à dimensão
espiritual pessoal e comunitária. Com dizia alguém: a higiene pessoal é
respeito pelos outros, pois do bom convívio connosco mesmos se criará um bom
ambiente social e humano.
= Cuidar dos outros é essoutra vertente
que exige atenção e descentramento do nosso egoísmo, dando aos outros o tempo e
o espaço de que precisam... muito para além daquilo que nós lhes queremos dar.
Numa intervenção
simples e breve o Papa Francisco disse, na noite que precedeu o início do seu
pontificado aos diocesanos argentinos reunidos em oração: «vivam o desejo de
cuidar uns dos outros». Com efeito, aqui pode estar contido um programa de
vida: desejar que os outros – em família, na sociedade, nas relações
profissionais, na Igreja ou mesmo na cultura – sejam cuidados com atenção a
eles/elas e não a nós que cuidamos deles/delas...
Que dizer de alguém
que não recebeu, na devida conta e hora, gestos, palavras e sinais de carinho.
Poderá essa pessoa cuidar e deixar-se cuidar sem medo nem preconceitos?
Que dizer ainda de
alguém que foi educado mais na repressão do que no incentivo das coisas
positivas. Poderá essa pessoa não ser desconfiada quando lhe dão mais atenção
do que a menor valoriozação de si e das suas qualidades?
= Vivemos num mundo –
interior e exterior – onde nem sempre cuidamos de nós mesmos e tão pouco uns
dos outros. Por isso, a linguagem e os sinais com que o Papa Francisco nos têm
desafiado apresentam algo que tem tanto de simples como de surpreendente...
embora sintamos que é disso que precisamos: humanizar as nossas relações
culturais com o essencial sem disfarces nem exoterismos.
Sem moralismos nem
odores de sacristia, tentemos cativar os outros sem os prendermos a nós e
façamos deste cuidado mútuo um programa de vida cristã... a começar pelos que
nos são mais próximos! Nós merecemos e eles/elas também!
António Sílvio Couto
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