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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Cuidar e deixar-se cuidar


«Cuidar, guardar requer bondade, requer ser praticado com ternura (...) Ternura não é a virtude dos fracos, antes denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura».

Estas palavras foram proferidas pelo Papa Francisco na missa inaugural do seu pontificado, no dia 19 de março passado, na Basílica de São Pedro do Vaticano, na cidade de Roma.

Sem pretendermos reduzir o ministério do nosso Papa a uma frase ou tão pouco a uma palavra, poderemos considerar (até agora) que a expressão ‘cuidar’ – tanto de si mesmo, como dos outros e até da natureza – pode ser uma chave de leitura do Papa Francisco nas mais diferentes vertentes e funções dele e nossas.

Atendendo ainda a uma certa ‘cultura do descarte’ – a expressão é também do Papa Francisco – podemos e devemos reflectir sobre o conceito de ‘cuidar’ seja na dimensão activa, seja na relação (dita) passiva.

Na leitura sobre a ‘cultura do descarte’ – onde se pode ver que o descartável (isto é, o usa e deita fora) é algo com que somos diariamente seduzidos – o Papa refere: «esta cultura do descarte tornou-nos insensíveis aos desperdícios e aos restos alimentares», sendo como que «uma mentalidade comum, que nos contagia»...

Vejamos, então, tonalidades do cuidar e do deixar-se cuidar:

= Cuidar de nós mesmos, isto é, vigiar sobre os nossos sentimentos e sobre o nosso coração. Isto parece ser um tanto diferente da cultura, entretanto bem organizada, da auto-estima, pois esta faz-nos voltar sobre nós mesmos, enquanto o cuidar de nós mesmos nos faz reconhecer a nossa fragilidade – quantas vezes mais viva com o passar dos anos! – e a dimensão de abertura ao reconhecimento de que precisamos uns dos outros... nas pequenas como nas grandes coisas, nos momentos importantes como nos de banalidade.

O cuidar de nós mesmos repercute-se desde a atenção à saúde física e psicológica até à dimensão espiritual pessoal e comunitária. Com dizia alguém: a higiene pessoal é respeito pelos outros, pois do bom convívio connosco mesmos se criará um bom ambiente social e humano. 

= Cuidar dos outros é essoutra vertente que exige atenção e descentramento do nosso egoísmo, dando aos outros o tempo e o espaço de que precisam... muito para além daquilo que nós lhes queremos dar.

Numa intervenção simples e breve o Papa Francisco disse, na noite que precedeu o início do seu pontificado aos diocesanos argentinos reunidos em oração: «vivam o desejo de cuidar uns dos outros». Com efeito, aqui pode estar contido um programa de vida: desejar que os outros – em família, na sociedade, nas relações profissionais, na Igreja ou mesmo na cultura – sejam cuidados com atenção a eles/elas e não a nós que cuidamos deles/delas...

Que dizer de alguém que não recebeu, na devida conta e hora, gestos, palavras e sinais de carinho. Poderá essa pessoa cuidar e deixar-se cuidar sem medo nem preconceitos?

Que dizer ainda de alguém que foi educado mais na repressão do que no incentivo das coisas positivas. Poderá essa pessoa não ser desconfiada quando lhe dão mais atenção do que a menor valoriozação de si e das suas qualidades? 

= Vivemos num mundo – interior e exterior – onde nem sempre cuidamos de nós mesmos e tão pouco uns dos outros. Por isso, a linguagem e os sinais com que o Papa Francisco nos têm desafiado apresentam algo que tem tanto de simples como de surpreendente... embora sintamos que é disso que precisamos: humanizar as nossas relações culturais com o essencial sem disfarces nem exoterismos.

Sem moralismos nem odores de sacristia, tentemos cativar os outros sem os prendermos a nós e façamos deste cuidado mútuo um programa de vida cristã... a começar pelos que nos são mais próximos! Nós merecemos e eles/elas também!

 

António Sílvio Couto

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