Como que por rápida
difusão temos visto, em vários locais, do nosso país – com uma maior incidência
no norte – a proliferação de manifestações pré-cristãs, seja através de
festivais de música, seja na vertente etnográfica e mesmo pelo recurso a temas
e a propostas que, na sua maior parte, nos levam a recuar aos tempos antes do
cristianismo: celta, romanos ou até pagãos de cultura popular, rural e quase
pré-crítica na dimensão civilizacional.
Aliás, não deixa de
ser revelador duma certa mentalidade cultural em que nos por agora movemos, podemos
perceber que até há autoridades autárquicas que participam nos desfiles...
contrapondo a aceitação das gentes as festas de índole religiosa... Veja-se o
festival romano, em Braga, versus o São João... no desenrolar deste ano!
Diante destes
indícios ‘culturais’ sentimos e partilhamos algumas interrogações: Qual a razão
desta (quase) contraposição entre festas com algum verniz religioso cristão e outras
‘festividades’ que retomam certos ídolos ancestrais? Qual a explicação para que
se verifique uma tão grande adesão popular aos ditos festivais, desfiles e
cortejos – decepção da religião cristã ou revivescência de mitos não
resolvidos? Porque motivo as autoridades se prontificam a estar presentes em
tais manifestações misturando, inclusive, a participação com outras de teor
cristão/católico, será confusão, oportunismo ou falta de bom senso?
Citamos a título de
ilustração da doutrina do magistério sobre esta matéria uma passagem da recente
carta encíclica do Papa Francisco, Lumen
fidei, n.º 38: «A transmissão da fé,
que brilha para as pessoas de todos os lugares, passa também através do eixo do
tempo, de geração em geração. Dado que a fé nasce de um encontro que acontece
na história e ilumina o nosso caminho no tempo, a mesma deve ser transmitida ao
longo dos séculos. É através desta cadeia ininterrupta de testemunhos que nos
chega o rosto de Jesus. Como é possível isto? Como se pode estar seguro de
beber no ‘verdadeiro Jesus’ através dos séculos? Se o homem fosse um indivíduo
isolado, se quiséssemos partir apenas do ‘eu’ individual, que pretende encontrar em si mesmo a firmeza do seu
conhecimento, tal certeza seria impossível; não posso, por mim mesmo, ver
aquilo que aconteceu numa época distante de mim (...). A própria linguagem, as palavras com que interpretamos a nossa vida e a
realidade inteira chegam-nos através de outros, conservadas na memória viva de
outros; o conhecimento de nós mesmos só é possível quando participamos duma
memória ampla. O mesmo acontece com a fé, que leva à plenitude o modo humano de
entender: o passado da fé, aquele ato de amor de Jesus que gerou no mundo uma
vida nova, chega até nós na memória de outros, das testemunhas, guardado vivo
naquele sujeito único de memória que é a Igreja; esta é uma Mãe que nos ensina
a linguagem da fé (...). O Amor, que
é o Espírito e que habita na Igreja, mantém unidos entre si todos os tempos e
faz-nos contemporâneos de Jesus, tornando-se assim o guia do nosso caminho na
fé».
Diante daqueles
episódios de revivalismo de teor pagão e da fé cristã feita testemunho de vida como
que podemos e devemos questionar:
- A capacidade de (não)
evangelização actual e dum passado recente, pois ao emergirem certos fenómenos
tão populistas como que são denunciados os mentores e os destinatários.. onde
se verifica mais uma adaptação de verniz do que uma conversão de fundo, tanto ao
nível pessoal como dimensão social.
- A confusão (quase)
acrítica de recuperação de certos ritos ancestrais denuncia que há facetas de
acomodação que não foram atingidos verdadeiramente pela mensagem do
evangelho... Bastará recordar as obras de São Martinho de Dume ou as iniciativas
do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires para percebermos que estamos – ainda hoje
– tão longe do cerne da vivência cristã.
- A erupção mais ou menos concertada destes festivais,
desfiles ou cortejos não denunciará um
plano mais subterrâneo de desacreditação da fé cristã – mesmo que não assumida,
embora estimulada – mas que pretende gerar outros valores de natureza
epicurista, hedonista e materialista contra a fé cristã, os seus valores mais
simples e as propostas mais sérias, sensatas e ousadas?
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