Não
deixa de ser interessante e, sobremaneira, preocupante que em vários
quadrantes da nossa vida pública – social, sindical, política,
financeira, religiosa e eclesial – se façam declarações de
grande eloquência sobre o ‘direito ao trabalho’, como claúsula
de um articulado de regras e de prerrogativas constitucionais. Há
números e estatísticas – para todos os gostos e feitios,
sensibilidades e correntes – sempre reclamando o direito ao
trabalho, mas quase nunca se fala da obrigação em trabalhar, tanto
como vocação e até missão.
Nota-se
nalgumas cabeças e, sobretudo, no comportamento de certas pessoas,
alguma confusão entre ‘emprego’ e ‘trabalho’, fazendo com
que este seja subjugado por aquele, embora reclamando do grande
direito ao trabalho... sabe lá com que custo. Há conceitos que têm
uma forte conotação ideológica e, em muitos casos, o ‘trabalho’
tem sofrido de uma leitura marcadamente ideológica e com razoável
matiz marxista, senão de forma explícita, pelo menos de modo
tácito.
Diante
desta breve distinção poderemos apresentar algumas questões –
pois fazer afirmações poderá suscitar outros problemas – e mesmo
sugestões, onde trabalho e emprego se entrecruzam, embora não se
possam excluir, mas antes complementar.
-
Que dizer do trabalho voluntário se não é – teoricamente –
emprego, mesmo que ocupando o tempo de tantas pessoas?
-
Como se poderá classificar a acção de tantos intervenientes –
como por exemplo as mães nos trabalhos domésticos ou os cuidados de
alguém debilitado na saúde e pela idade – em que não há
dinheiro algum que paga a trabalho executado?
-
Em quantas situações há dedicação a um trabalho de ajuda aos
outros e, muitas vezes, a paga é um sorriso ou uma simples palavra
de agradecimento, como ‘obrigado’, ‘Deus lhe pague’, etc.
-
Em quantos momentos da nossa vida te(re)mos já vivido a sensação
de termos participado em acções em favor dos outros e, nas quais, o
trabalho realizado motiva outros, os faz crescer e, sem nos darmos
conta, contribuímos para a valorização daqueles/as que Deus põe
no nosso caminho.
Num
tempo tão marcado pelo egoísmo
– pessoal, de classe, de grupo ou de lóbi, de auto-adulação ou
mesmo de interesseirismo – as questões do trabalho confundem-se
com matéria de valores, de questões éticas, mesmo de ideais e,
porque não ainda, de critérios espirituais.
.
Quando vemos serem marcadas
greves
– sobretudo em sectores como os transportes, a saúde, a educação,
a segurança ou rotuladas de ‘gerais’ – como que sentimos que
os interesses alheios são tantas vezes sonegados às reivindicações
ou até aos despiques ideológicos... num ritmo de protagonismo em
vista de ascensão ao poder, a curto ou médio prazo. A quem
interessa afundar mais o país? Como se poderá criar riqueza ou
cativar investimento se não há tranquilidade social? Quem nos vê
em (tantos) desfiles e (múltiplas) manifestações – num ritual
cíclico e orquestrado -- ter-nos-ão, por essa Europa fora, por
trabalhadores ou, antes, por fomentadores do emprego sem esforço no
trabalho? Quando os nossos trabalhadores emigram são dos melhores,
porque razão lá fora produzem e aqui não se vê idêntica
categorização do trabalho efectuado? Será uma questão de estatuto
social ou antes de mentalidade nacional?
. Quando vemos aumenta a
tensão social
– estamos entre os sete países do mundo com maior tensão, diz a
OIT – fica-nos a sensação de que os factores de produção estão
em risco e quem pode querer investir o seu dinheiro – seja qual foi
o capitalismo ou a máscara de neo-liberalismo – não nos terá em
boa conta. Neste momento histórico Portugal caminha para a
radicalização dos actos, pois a das palavras já não pode crescer
mais... Os
incendiários sociais
– alguns deles deveriam calar-se ou serem calados – terão
interesses não claros, mas o bom senso é preciso, mesmo entre as
figuras eclesiásticas com maior ou menor relevo. Denunciar tem um
tempo, enquanto a dimensão profética só se valoriza quando faz
crescer o compromisso com a paz e a harmonia... Estar de braços
cruzados e muitos menos de punhos cerrados não resolve nada, pois o
grande Profeta (Jesus) construiu algo de novo de braços abertos, na
Cruz... para sempre!
António
Sílvio Couto
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