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domingo, 3 de março de 2013

Grandola...mente!


E de repente uma certa parte do país começou a cantar – nalguns casos desafinadamente – a canção: Grândola, vila morena. Muitos se recordarão que este foi o tema que confirmou a boa execução da revolta na madrugada de 25 de abril de 1974. Apropriada por uns tantos – auto-denominados de democratas, embora nem sempre respeitando quem pensasse de forma diferente – foi tema nos primeiros anos da revolução, criando um ambiente de contestação, de idealismo e até de utopia... imediatistas.

Será que os tempos que estamos a viver – outra vez sob a mensagem da dita canção – querem recuperar o espírito daqueles anos? Das três vertentes aqui apontadas, qual delas está mais viva: será sobretudo a contestação? Ou será que se torna presente um novo idealismo? Ou, pelo contrário, estão a ser lançadas (novas ou antigas) sementes de utopia?

No passado havia uma tentativa de acreditar na democracia e talvez na (pretensa) ‘terra da fraternidade’. Agora parece que o espírito dos cantores/contestatários respiram, antes, uma espécie de contestação da (própria) democracia... pelo menos sobre quem não seja como eles. Tal como naqueles efervescentes anos de setenta e de oitenta do século passado, há quem pareça só reconhecer a voz da rua e não aceite a voz das urnas, isto é, dos votos. Também paira no ar uma certa presunção de acusação a tudo e a todos, particularmente se não pensam como uma certa clique (dita) intelectual... germinada nas franjas das metrópoles de Lisboa e Porto, embora tenham, hoje, muitos mais direitos – alguns adquiridos sabe lá à custa de quê e/ou de quem! – do que os mais desfavorecidos de outras regiões do país, sobretudo no interior, que as medidas políticas conseguiram desertificar, nos últimos trinta anos.

Se compararmos os intervenientes das duas épocas – distantes mais de três décadas – do cançonetismo de ‘Grândola’ e afins, poderemos encontrar muitas diferenças:

- no passado era gente que ansiava ter... ao menos o suficiente; agora são pessoas que têm a nostalgia do já tido... perdido com dó e sem glória.

- no passado os rostos eram de gente quase esfomeada e em busca do pão... pelo menos o essencial; agora vemos pessoas endividadas por provocadores de sonhos, mas que não os advertiram sobre as consequências da possibilidade de poderem perder o emprego... repentinamente.

- no passado encontravamos gente que estava a recuperar dos traumas da guerra colonial... onde muitos filhos tinham caído ingloriamente; agora somos confrontados com pessoas que nunca tiveram de viver a ansiedade da guerra... numa Europa que até não pagou para não produzirmos nos sectores primários da nossa economia.

Grandolamente falando, vivemos num tempo complexo, quer pelas circunstâncias económicas, quer pelas razões mais básicas do bem-estar que não conseguimos manter.

Grandolamente falando, temos de saber distinguir quem nos manipula e quem nos fala verdade... se bem que não dizer nada ou falar meia verdade já será enganar.

Grandolamente falando, precisamos de saber quais serão as consequências de embarcarmos nesta onda de malcriadez, pois o rastilho está prestes a incendiar-se.

Grandolamente falando, vale mais permitir a indignação – cívica, musical e um tanto civilizada – do que as pedras, os cocktails e as pilhagens, que já vimos noutras paragens... mesmo europeias.

Grandolamente falando, será que ainda há esperança para Portugal, para os portugueses e nesta história?

António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)

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